“A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.” Carlos Drummond de Andrade
“parti-me para o vosso amor/que tem tantas direções/e em nenhuma se define/mas em todas se resume”. Para interpretar ao poeta – o dono dos versos – ninguém melhor do que ele próprio. No entanto, Carlos Drummond de Andrade teve sua escrita transformada não apenas na cabeça e coração dos leitores, como também através da música e do cinema. Sete faces que se transmudam em outras na obra daquele que tinha uma palavra de sua predileção: “taciturno”.
“O Padre e a Moça” (1965)
Tido por alguns como um dos marcos do Cinema Novo e com este mesmo título contestado por outros, “O Padre e a Moça” trouxe, no cinema, uma das primeiras saudações à obra de Carlos Drummond de Andrade, em 1965. Apenas três anos depois da publicação do poema homônimo no livro “Lição de Coisas”, o filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e protagonizado por Paulo José e Helena Ignez materializou em forma de imagem os dilemas vividos pelas personagens que dão nome à obra. A trilha sonora do longa-metragem ficou a cargo de Guerra Peixe e Carlos Lyra.
“E Agora, José?” (1974)
Lançado em 1942, no livro que dá nome à obra, o poema “José” tomou a força de uma canção popular cujo refrão impõe-se sobre a vontade titular do autor. A longa narrativa de Drummond sobre as desventuras existenciais de seu protagonista passou a ser conhecida, principalmente, pelo questionamento: “E agora, José?”. Ao ponto dele dar o nome à canção que Paulo Diniz criou, em 1974, para os versos de Drummond, registrada como parte de um projeto em que o músico compôs melodias para poemas de vários autores, como Jorge de Lima e Manuel Bandeira.
“Canção Amiga” (1978)
Publicada no livro “Novos Poemas”, de 1948, “Canção Amiga” tornou-se música exatos trinta anos depois, pelas mãos de Milton Nascimento. Cantada por Bituca no disco “Clube da Esquina 2”, os versos de Drummond conservam a esperança típica do período infantil, também pela participação especial, nesta faixa, de Kiko, uma criança chamada a dividir os vocais com Milton. De fato, a força deste poema de Drummond atinge o seu ápice no final, quando o autor determina: “Eu preparo uma canção/que faça acordar os homens/e adormecer as crianças”.
“No Exemplar de um Velho Livro” (1982)
Um dos orgulhos do inventivo e inclassificável Walter Franco foi ter recebido a aprovação do próprio Drummond quando musicou, em 1982, os versos de “No Exemplar de um Velho Livro”, para seu disco lançado no mesmo ano e intitulado apenas “Walter Franco”. Publicado pelo autor mineiro em 1954, no livro “Fazendeiro do Ar”, o poema marca o estilo conciso e sintético de Drummond sem, contudo, dispensar a alta gama de possibilidades estéticas e interpretativas da obra, fundada numa visão existencialista do mundo, de que serve de exemplo os versos: “e um grave sentimento/que hoje, varão maduro,/não punge, e me atormento”.
“O Mundo É Grande” (2002)
Para celebrar o centenário de nascimento do poeta itabirano, o ator, cantor e apresentador mineiro Thelmo Lins produziu, em 2002, um álbum em homenagem à obra de Drummond, sob a alcunha “Thelmo Lins Canta Drummond”. Com várias participações especiais, o trabalho apresentou poemas musicados por José Miguel Wisnik (“Anoitecer”), Joyce (“Cadeira de Balanço”), Belchior (“Volta”), Milton Nascimento (“O Deus de Cada Homem”), Francis Hime (“Inaugura-se o Retrato”) e Sueli Costa, na faixa que foi o grande destaque do disco pela presença de Maria Bethânia em “O Mundo É Grande”, dos versos: “O amor é grande e cabe/no breve espaço de beijar”.
“As Várias Caras de Drummond” (2004)
Um ano antes de dar início à série de desaparecimentos que marcaram os últimos anos de sua trajetória, o compositor e cantor Belchior concretizou um de seus projetos mais ambiciosos. “As Várias Caras de Drummond”, lançado em 2004, é fruto do empenho do músico em criar melodias para nada menos do que 31 poemas de Carlos Drummond de Andrade, em que se misturam obras conhecidas, casos de “Sentimental” e “No Banco de Jardim”, com outras menos propagadas, como “Liquidação” e “Lanterna Mágica”. Nos últimos tempos, Belchior se dedicava a projeto parecido com a obra de Dante Alighieri.
“O Chão É Cama” (2008)
Leitora devota de Drummond, a cantora e compositora Fátima Guedes hesitou até colocar melodia numa criação do ídolo. “Foi uma ousadia tanto da minha parte quanto dele, que neste poema atiça um lado sensual, como um mantra”, declarou. Extraído do livro “O Amor Natural” – lançado postumamente em 1992 numa reunião de poemas eróticos que Drummond recusou-se a lançar em vida – “O Chão É Cama” abriu, em 2008, a inédita parceria entre Fátima e o poeta, e foi registrada com o violonista Renato Braz numa versão disponível no YouTube mas, até o momento, não faz parte de nenhum disco, já que o último registro fonográfico da intérprete aconteceu em 2006.
Raphael Vidigal
Imagens: Arquivo e Divulgação.
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