“Porquanto
como conhecer as coisas senão sendo-as?” Jorge de Lima
Salve a ‘Morena Tropicana’, e sua beleza de jabuticaba, viva ‘La Belle de Jour’, e sua francesa brasilidade, ‘Anunciação’ para a mãe do compositor, completa 98 anos nesta data, ‘Cavalo de Pau’ para os apressados, ‘Coração Bobo’ aos românticos esperançosos. Todos esperam que Alceu volte, e ele volta, volteia, sestrosa maneira de gingar, barba e cavanhaque, modos de um distinto cavalheiro do apocalipse a saborear, dengosa, o sumo da condensação, condução, condão, da tua varinha despontam maravilhas.
Coração bobo (forró, 1980) – Alceu Valença
Alceu Valença já era um cantor consagrado na música brasileira quando resolveu compor, em 1980, “Coração bobo”, música dedicada a Jackson do Pandeiro. Com a forte influência do denominado “Rei do Ritmo”, a canção transita por estilos da música brasileira, com um lento início em toada e a agitação tradicional do baião em sua segunda parte, especificamente o refrão: “coração bobo/coração/coração bola/coração balão/coração São João/ a gente, se ilude, dizendo/já não há mais coração…”. Assimilando as origens folclóricas das festas populares do nordeste, Alceu lega à música brasileira uma peça pronta para se dançar o forró, e deixar-se o coração levar pela alegria do povo, mesmo que, neste caso, como em muitos, os versos sejam de mágoa e alento.
Morena Tropicana (forró, 1982) – Alceu Valença e Vicente Barreto
Para exprimir as delícias e promessas de prazer que lhe causa o corpo feminino e sua imagem, Alceu Valença adere ao universo das frutas, no forró composto em parceria com Vicente Barreto em 1982. “Morena Tropicana” consolidou-se como um dos maiores êxitos da carreira do compositor pernambucano. O rico e diverso cenário cultural brasileiro, na cor e exuberância das frutas, é utilizado com maestria nas metáforas que pincelam a imagem da musa. As palavras são nitidamente escolhidas pelo desejo e sensualidade que exprimem através de seu som, num ensinamento da poesia simbolista incorporado por Alceu Valença aos costumes e sotaques nacionais.
Anunciação (forró, 1983) – Alceu Valença
Alceu Valença é o artista tipicamente, genuinamente, nativamente brasileiro, um popular. O sino da capela inicia o ritual da noite. Frevos, batuques, badulaques, pérolas esquecidas o nome, por esse vão, reles manuscrito póstumo. Primeiro poema recitado violentamente por Alceu Valença, como de tua característica estima, transcorre aos ouvidos qual beijo estalado de namorada na porteira, na soleira, na ribeira do riacho, na subida da ladeira, na descida da escada. É mundo de castelos mágicos, princesas, príncipes, bruxas e maçãs envenenadas do amor. Canta impertinente a plateia, o público, o povo insolente e entusiasmado, deixando o protagonista do pedaço, palhaço do picadeiro, por vezes, mudo.
Raphael Vidigal
Fotos: Yan Montenegro; Divulgação, respectivamente.