*por Raphael Vidigal Aroeira
“Tem muitas claves a terra.
Lá, onde a melodia se ausenta,
Fica a desconhecida península.
A beleza é fruto da Natureza.” Emily Dickinson
Das preocupações com o mundo nossos compositores nunca se viram livres. Fossem elas de ordem política, sociais ou relacionadas, em suma, ao meio ambiente em que vivem. Dessa perspectiva tanto ecológica quanto de preservação do espaço, nomes como Luiz Gonzaga, Beto Guedes, Caetano Veloso, João Nogueira, Djavan, Jorge Benjor, Toquinho, Paulo César Pinheiro e intérpretes do porte de Clara Nunes e Baby do Brasil se valeram para cantar a terra com todo o verde que ela deseja e merece. Em um planeta cada vez mais cético e desenvolvimentista, impingido de lama e poluição, a arte ainda é um alento. Seguem, abaixo, 13 músicas brasileiras a favor do meio ambiente.
“Riacho do Navio” (xote, 1955) – Luiz Gonzaga e Zé Dantas
Já na década de 1950, Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, e Zé Dantas, seu parceiro de tantas andanças musicais, compuseram o xote “Riacho do Navio” que celebrizou o curso fluvial nordestino e o rio Pajeú, do sertão pernambucano, estado natal dos compositores. Além da sonoridade típica do sanfoneiro, que lembra, sem dúvida, o movimento de águas, a letra versa sobre a necessidade de o homem voltar às raízes e à vida simples, de ser novamente peixe e se integrar à natureza. A música foi lançada no ano de 1955 e regravada por Fagner, Dominguinhos, Geraldo Azevedo, Nazaré Pereira, e etc.
“Águas de Março” (bossa nova, 1972) – Tom Jobim
Por sua sofisticação melódica, pela inteligência dos versos e agilidade da interpretação, “Águas de Março” é um ícone da canção brasileira de todos os tempos, mas, sobretudo, pelo sentimento inebriante que transmite, pela sensação de algo novo e renovador. A função das chuvas que trazem “promessa de vida no teu coração” não poderia ser representada de maneira mais feliz por Tom Jobim, autor da letra e da melodia, e Elis Regina, que, ao cantar em dueto com o maestro, contribui para dar novos contornos à canção. Escrita inicialmente num pedaço de papel de pão, pela ausência de outros recursos, “Águas de Março” anuncia, numa análise mais minuciosa, o triunfo da vida sobre a morte, a importância fertilizante das águas, da chuva, para o recomeço. “São as águas de março fechando o verão…”, afiança parte da letra.
“Matita Perê” (folclore, 1973) – Tom Jobim e Paulo César Pinheiro
O ritual se repete toda manhã. Paulo César Pinheiro toma café, lê os jornais e, sentado diante da mesa, coloca sobre ela folhas em branco, à espera da inspiração que inevitavelmente sempre vem, pelo menos há mais de cinco décadas, quando ele compôs o primeiro verso, com 13 anos. “Eu me lembro de não saber o que estava acontecendo comigo, fiquei agoniado, nervoso, então eu vi um papel e um lápis, e depois que escrevi foi que me acalmei e consegui dormir”, conta o poeta, letrista, melodista, dramaturgo e cantor, entre outras habilidades que um dos mais prolíficos artistas brasileiros da atualidade vez ou outra explora. Entre as parcerias de vulto está “Matita Perê”, feita com o maestro Tom Jobim, em 1973.
“Um Índio” (tropicália, 1976) – Caetano Veloso
Para o tropicalista Caetano Veloso a raiz brasileira e, sobretudo, nordestina, era base de toda a sua experiência artística. Portanto são fortes os traços de mestiçagem negra e indígena em suas composições. A fim de homenageá-las, Caetano compôs, em 1976, o hino “Um Índio”, que mistura o povo nativo do Brasil com imagens interplanetárias. Nesta leitura pop os filhos de Gandhi convivem com heróis do cinema norte-americano como Bruce Lee. No entanto, o que salta aos olhos e emerge desta peça do mestre baiano é a textura embebida em folhagens e gestos úmidos. Lançada com o grupo Os Doces Bárbaros.
“Passaredo” (MPB, 1976) – Chico Buarque e Francis Hime
Chico Buarque e Francis Hime compuseram, em 1976, uma ode aos pássaros brasileiros e, em última instância, à rica fauna do país. Interessante notar a influência indígena em muitas dessas nomenclaturas, como se observa, por exemplo, em uirapuru, saíra, inhambu, patativa, macuco, juriti, e muitos outros. Nesta letra repleta de lirismo, os autores não deixam de denunciar a presença destruidora do ser humano no contexto de preservação da natureza. “Toma cuidado/Que o homem vem aí”, alertam. A melodia segue, até esse instante, o ritmo do voo gracioso desses animais. Foi regravada por Adriana Calcanhotto.
“Sobradinho” (rock rural, 1977) – Sá & Guarabyra
Sem dúvida um das mais emblemáticas músicas sobre preservação ambiental foi composta pela dupla Sá & Guarabyra em 1977, no ritmo do seu já famoso rock rural. Isto porque a canção denuncia, sem meias palavras, os resultados desastrosos da interferência humana no meio ambiente, em busca de mais riqueza e cego pela ganância desenvolvimentista. Com um refrão forte e marcante, “Sobradinho” não alivia. “O sertão vai virar mar, dá no coração, com medo que algum dia o mar também vire sertão”, lamentam. O discurso vazio de lógica daqueles que prometem e nada cumprem aparece nos primeiros versos.
“As Forças da Natureza” (samba, 1977) – João Nogueira e Paulo César Pinheiro
Em 1977, João Nogueira e Paulo César Pinheiro compuseram especialmente para Clara Nunes a música “As Forças da Natureza”, que deu nome ao seu disco daquele ano. A mineira guerreira, lutadora ativa das lutas sociais, sempre a favor do meio ambiente e das práticas religiosas enraizadas na origem do Brasil, não se fez de rogada e entoou o cântico com toda a magia que dele emana. Entre os versos mais impressionantes destaca-se a elementar profecia: “Vai resplandecer/Uma chuva de prata do céu vai descer/O esplendor da mata vai renascer/E o ar de novo vai ser natural/Vai florir…”. Regravada por Alcione.
“Planeta Água” (balada, 1981) – Guilherme Arantes
Outra música elementar do combate à destruição da natureza e da preservação ao meio ambiente foi a balada composta por Guilherme Arantes, “Planeta Água”, lançada em 1981. Com versos simples, mas carregados de simbologia, Guilherme descreve o percurso da água, o bem mais fundamental na existência humana, e procura atentar para o descaso das políticas que não a protegem. Por fim, num jogo de palavras de forte apelo popular, destaca uma nova incoerência do homem que batizou o planeta por “Terra” – “Planeta Água”, corrige Arantes. A música foi regravada pelo paraibano Zé Ramalho.
“O Sal da Terra” (Clube da Esquina, 1981) – Beto Guedes e Ronaldo Bastos
Integrantes originais do “Clube da Esquina”, Beto Guedes e Ronaldo Bastos criaram em 1981 o mega-sucesso “O Sal da Terra”. A famosa expressão serviria anos mais tarde para batizar o documentário em homenagem ao fotógrafo Sebastião Salgado, outro mineiro ilustre, e se vê presente também em música de Cazuza e Roberto Frejat, intitulada “Nós”. Na referida canção o foco da letra é em um mundo mais justo, mais igual e humano, onde as pessoas possam viver em paz com a natureza e entre seus semelhantes. Foi regravada por Sandra de Sá, Roupa Nova, Jessé e Ivete Sangalo, entre outros.
“Todo Dia Era Dia de Índio” (samba-rock, 1981) – Jorge Ben Jor
Um dos principais estouros da carreira solo da exuberante Baby do Brasil foi a música “Todo dia era dia de índio”, inicialmente intitulada “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar”, mas cujo refrão se fez mais forte e teve novo batismo na boca do povo. Composta por Jorge Benjor, e lançada em 1981, esse samba rock possui todos os elementos típicos da música do carioca que começou a carreira no famoso “Beco das Garrafas”. Porém, alia à marcante batida do violão e à simplicidade dos versos, a temática sócio-ambiental, denunciando a violência contra os índios e a natureza que eles tanto cultivam.
“Lilás” (MPB, 1984) – Djavan
Com uma dialética e expressão muito particulares, Djavan causou furor logo em seu aparecimento no cenário da música popular brasileira. Ao emendar um sucesso atrás do outro uniu o calor do público ao reconhecimento da crítica. “Lilás” dá nome a um dos mais incensados álbuns de sua carreira fonográfica, lançado em 1984. A música tem o tradicional ritmo sonoro e verbal do artista, com ilusões indiretas e palavras soltas pelo ar. Porém, é impossível não apreender a ode às belezas naturais e o clamor a elementos como “pôr do sol”, “céu azul”, “nuvem”, “cor lilás”, “mar de raio” e “luz do amor” ali presentes.
“Xote Ecológico” (xote, 1989) – Luiz Gonzaga e Aguinaldo
No último ano de sua carreira e também de vida, Luiz Gonzaga ainda teve tempo de mandar, junto com o parceiro Aguinaldo, um importante recado para o mundo. Trata-se da música “Xote Ecológico”, lançada em 1989, em que os compositores queixam-se da qualidade de vida que resultou da destruição que o homem impôs à natureza. “Não posso respirar/Não posso mais nadar/A terra está morrendo…”. E completam na estrofe seguinte: “Cadê a flor que estava aqui?/Poluição comeu/E o peixe que é do mar?/Poluição comeu”. Por fim homenageiam o combatente e corajoso ativista Chico Mendes, brutalmente assassinado pelos que defendiam interesses escusos.
“Benke” (clube da esquina, 1990) – Milton Nascimento e Márcio Borges
Milton Nascimento nunca escondeu os fortes traços de influência sacra e barroca em sua música. Protagonista e propagador do “Clube da Esquina”, ele compôs com o companheiro de estilo Márcio Borges a música “Benke”, em 1990. O título é uma homenagem a uma criança indígena, do povo Kampa, e é “dedicada a todos os curumins e todas as raças do mundo”, afirma Milton. Os versos buscam atentar o homem da cidade para os ensinamentos trazidos pelos nativos, o olhar que muitas vezes escapa à ternura das matas, da lua branca e de todos os ambientes desse planeta que são recheados de natureza.
“Tocando em Frente” (sertaneja, 1991) – Almir Sater e Renato Teixeira
Muito mais próximo da natureza, da cultura indígena, da influência afro trazida pelos escravos, o homem do campo está infinitamente mais integrado ao seu meio do que sujeito urbano, que vive em meio à fumaça e foguetes. Talvez por isso seja ele o principal bastião e aquele onde é possível encontrar ainda traços de serenidade, de paz e de um ritmo que não atropela o tempo, mas se estende com ele. “Tocando em frente” é um clássico da canção sertaneja, composta pelos não menos clássicos do estilo Almir Sater e Renato Teixeira, e nos traz o gosto e o aroma das “massas e das maçãs”. Foi lançada em 1991.
“Herdeiros do Futuro” (infantil, 2002) – Toquinho e Elifas Andreato
Toda máxima tem um pouco de verdade e um tanto de esperança. Não é por acaso que se deposita nas crianças as chances de um futuro melhor para o ser humano e seus semelhantes, inclusive aqueles para os quais ele olha com desdém, como a terra, a água, os bichos e as plantas. Com Elifas Andreato, Toquinho participou do projeto e compôs a música “Herdeiros do Futuro”, voltada para o público infantil, em 2002, mas que serve, como um alerta, para pessoas de todas as idades. Especialmente as que habitam este planeta sem terem com ele cuidado, carinho e amor, noções básicas de uma convivência saudável. Que no futuro essa música possa ser um retrato distante, e datado.
“Refloresta” (samba, 2020) – Gilberto Gil
Em 1979, após a trilogia iniciada com “Refazenda”, e que seguiu com “Refavela” e “Refestança”, esta ao lado de Rita Lee, Gilberto Gil lançou o álbum “Realce”, um dos de maior destaque de toda a sua trajetória. Novamente o compositor aborda de maneira sensível o universo que se tangencia por mulheres e homens. Em 2020, diante de novos desafios, Gilberto Gil voltou a essa “temática”, podemos dizer assim, com o samba “Refloresta”, uma espécie de prece e apelo à preservação das florestas brasileiras. A música ganhou um videoclipe, com as participações de Bem Gil e do trio Gilsons, todos da família.
“Arco-Íris” (MPB, 2021) – Ed Nasque e Raphael Vidigal Aroeira
A delicadeza permeia todo o repertório de “Interior”, álbum de estreia de Ed Nasque, mineiro de Belo Horizonte que se mudou para Ouro Preto para cursar Música e realizar um sonho. A atmosfera de sonho, embora com pés fincados na realidade, aqui se concentra na transição entre mar e montanha, imagens recorrentes nas letras do trabalho. Agora chega a parte que me cabe. Antes da pandemia, Ed me convidou para escrever a letra de uma melodia que ele compôs. Mas o letrista não é dono das palavras, ele só as escava de dentro das notas. Portanto, tudo que digo em “Arco-Íris” já estava lá, escondido nesse interior sonoro que Ed revela a todos e a todas nós. A esperança está de volta.
“Povo do Sol” (MPB, 2024) – David Tygel e Márcio Borges
O equívoco acontece com frequência, e nem é tão injustificado assim. Afinal de contas, apesar do sotaque carioca de seus integrantes, “muita gente acha” que o Boca Livre é “um grupo mineiro”, admite o capixaba Zé Renato, que adotou o Rio de Janeiro em sua mocidade, e, nos últimos tempos, radicou-se em São Paulo. Da sonoridade ao repertório, desde o primeiro álbum, de 1979, a música do quarteto vocal conversava com a obra de Toninho Horta, Nelson Angelo, Fernando Brant (1946-2015), Cacaso (1944-1987) e Milton Nascimento. Logo, não deixa de ser “uma feliz coincidência” que a volta aos palcos para a estreia da turnê “Rasgamundo”, álbum recheado de inéditas que acaba de ser lançado, ocorra em Belo Horizonte. A mais contemporânea canção do repertório, no entanto, é “Povo do Sol”, de David Tygel e Márcio Borges, apelo em defesa da natureza e dos povos originários, que recobrou sua trágica contundência em razão das enchentes no Rio Grande do Sul.
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Formei um grupo no Facebook “Clamor da Terra” (está arquivado no momento) para postar links de músicas com respectivas letras, que falam direta ou indiretamente sobre o nosso planeta. Porém, não gostaria que fosse vinculado às redes sociais. Pesquisando publicações semelhantes, encontrei este blog. Parabéns!
Poderia entrar em contato?
Gostaria de sugerir a pauta sobre meu assessorado o cantor e compositor de Sambas Pentacampeão pela Mocidade Independente de Padre Miguel e Sambas de Partido e de Quadra que completa 70 anos e já está comemorando!
Compus “Lamento ecológico”, escutem no youtube: DANIEL BUENO – LAMENTO ECOLÓGICO