*por Raphael Vidigal
“guinchos curtos com tristeza suficiente para despedaçar o coração de um pai e talvez fosse.” Jack Kerouac
Decadência, pobreza e depressão. Esse foi o cenário fértil no qual os chamados beats se encontraram para criar uma nova literatura, aliada a uma falta de sentido diante das perspectivas oferecidas pelo sistema capitalista, que financiava guerras como a do Vietnã. Diferentemente dos hippies, eles ofereciam uma noção mais urbana da existência, razão pela qual se encantaram com o jazz produzido pelos negros e o assimilaram à suas obras. O ritmo é fundamental na forma de escrita desse movimento quase espontâneo, em que a velocidade das ideias pode ser confundida com uma maneira displicente de levar a história para o papel, com forte influência da oralidade. E, ao se falar da geração beat, não se pode esquecer Jack Kerouac.
Principal artífice do movimento – ao menos, o mais conhecido, ao lado de Allen Ginsberg –, ele nasceu há um século, em Massachusetts, nos Estados Unidos, e continua influenciando legiões de jovens que se encantam com a sua forma simples e crua de abordar os dilemas mundanos, com altas doses de rebeldia e inconformidade que se misturam a uma melancolia atávica. Kerouac busca saídas para uma situação que, no fundo, ele parece considerar labiríntica. Afinal de contas, como sobreviver nesse planeta em que a liberdade surge como uma palavra proibida? A solução é apostar todas as fichas e lidar com as consequências. O romance que o consagrou, “Pé na Estrada”, de 1957, vai nessa direção. O caráter autobiográfico já se insinua predominante nessa obra.
O abuso de drogas e as noitadas de perdição dão o tom da narrativa, que se altera entre dias solares e entardeceres desalentadores, mas o protagonista segue sempre em frente. Outro livro bem menos referido, “Tristessa”, foi escrito na esteira desse sucesso, e publicado em 1960. Ali, no entanto, a réstia de esperança que Kerouac parecia cultivar em “Pé na Estrada” se apaga lentamente. O romance aborda a vida de uma prostituta viciada em morfina, em um cenário triste, desagregador, violento, que a aniquila com a mesma força e implacabilidade do passar do tempo. A única saída parece ser a autodestruição a que a personagem se entrega. Ligado umbilicalmente à sua obra, não espanta que, em 1969, aos 47 anos, Jack Kerouac tenha morrido de tanto beber, legando para uma geração ávida por seus textos um final bem sombrio.