10 músicas eternas de Raul Seixas, o ‘Maluco Beleza’ da MPB

*por Raphael Vidigal

“Sou apenas uma mistura confusa de todas as informações que recebi com o coração batendo assustado, hoje fumando maconha, amanhã apareço chupando pirulito.” Raul Seixas

Raul Seixas é um artista iminentemente político, talvez por esse poder de transformação associado à sua figura, tenha permanecido com tanta força como uma figura popular e lendária. Depois de lançar vivas e efetivamente fundar os preceitos de uma Sociedade Alternativa, além de pregar ensinamentos cósmicos e de rebeldia, o “Maluco Beleza” lançou, em 1987, as suas considerações sobre assumir um cargo público. Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com o escritor Paulo Coelho. O baiano Raul Seixas, que sempre gostou de mesclar o rock a ritmos brasileiros e idolatrava tanto Elvis Presley quanto Luiz Gonzaga, também entrou na onda do duplo sentido, bem à sua maneira. Todas essas facetas do conhecido músico aparecem na sequência em dez canções.

Como Vovó Já Dizia (rock, 1974) – Raul Seixas
Clara Nunes e Raul Seixas guardam mais em comum do que supõe a nossa vã filosofia. Embora os olhares sejam diferentes, ambos recorrem às figuras da avó como expressão de sabedoria. Essa figura, que em culturas orientais é tida como anciã e guardiã do conhecimento, recebe de Raul Seixas um olhar rebelde, diferente da admiração de Clara na música “Coisa da Antiga”, de Nei Lopes e Wilson Moreira. Raul, ao contrário, é irônico ao demonstrar, de maneira codificada, a argúcia de comportamentos considerados transgressores, como, por exemplo, o uso de drogas ilícitas. Nessa ladainha, reproduz ensinamento da avó: “a banana é vitamina que engorda e faz crescer”, mas também rebate: “a formiga só trabalha porque não sabe cantar”.

Medo da Chuva (balada, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Uma das composições mais sensíveis do inventivo Raul Seixas, “Medo da Chuva”, escrita em parceria com Paulo Coelho, é uma peça romântica em sua estrutura e na letra, que não se esquiva de roçar no melodrama para alcançar aquele poder de reflexão capaz de tocar toda e qualquer pessoa, pelo caráter da própria obra do baiano, entre o sofisticado e o popular. A história capta o momento de ruptura entre um casal, e as metáforas são precisas: enquanto as pedras são a imagem da covardia, do conforto, do costume, da segurança ineficiente e imóvel, da esterilidade, a chuva é a representação da mudança, da coragem, da renovação, do desafio, da vida em contínuo movimento. Algo tão real quanto místico. Afinal a mitologia grega se espelha na observação da natureza para erguer seus deuses. E a chuva é certamente uma das mais poderosas e mais temíveis. Como a da esperança. “Pois a chuva voltando pra terra/Traz coisas do ar…”.

Tente Outra Vez (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com Paulo Coelho. Foi ao lado dele e de Marcelo Motta que o “maluco beleza” compôs um dos hinos mais emblemáticos da carreira, um louvor à fé e à não desistência. “Tente Outra Vez”, balada de 1975, lançada no disco “NOVO AEON” sublinha, sobretudo, a força de continuidade inerente à vida, presente na natureza e, por conseguinte, à condição do homem. Foi com versos embebidos numa melodia de teor religioso que Raul, cuja canção é, ainda hoje, muitas vezes ligada ao universo da autoajuda, criou uma das músicas mais espirituosas de seu repertório, em todos os sentidos. “Tente Outra Vez” já diz por si só, no título, o recado da vida. Foi regravada por Sandra de Sá, Barão Vermelho, Chitãozinho & Xororó, e etc.

Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás (rock, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A longa saga descrita pela música de Raul Seixas e Paulo Coelho, lançada no disco do “Maluco Beleza” em 1976, faz um périplo pela história da humanidade e, claro, não poderia deixar passar um de seus fatos mais traumáticos. A Inquisição promovida pela Igreja Católica, que assassinava pessoas tidas como bruxas na fogueira, por desviarem do comportamento padrão da época. Uma das vítimas mais conhecidas das atrocidades foi a revolucionária francesa Joana D’Arc. Seixas destaca essa prática no verso: “Eu vi as bruxas pegando fogo pra pagarem seus pecados”.

Bruxa Amarela (rock, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Feita especialmente para Rita Lee, essa parceria de Raul Seixas e Paulo Coelho foi gravada pela então vocalista da banda Tutti Frutti no disco lançado pela banda em 1976. Com a habitual verve fantasiosa e mística, os autores abrem as portas para esse mundo fantástico, em versos do calibre: “Duas horas da manhã eu abro a minha janela/E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela/E vou dormir quase em paz”. Em 1988, em seu penúltimo disco de carreira, Seixas registrou uma nova versão da música, modificando o título para “Check-up” e alterando versos pontuais.

Aluga-se (rock, 1980) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
O humor ácido e sarcástico do baiano Raul Seixas aparece nesse rock em parceria com Cláudio Roberto lançado em 1980. Embora a música já fosse um sucesso na interpretação do autor, ela tornou-se ainda mais popular uma década depois, durante os anos 1990, quando a banda paulistana “Titãs” a regravou em ritmo e cantoria ainda mais raivosas e indignadas. O que só dá provas de que o Brasil, aos trancos e barrancos, sempre volta aos mesmos problemas. Nesta canção, Raul, assumidamente influenciado pela cultura norte-americana, propõe uma solução para o país tupiniquim. Alugar o terreno e deixar os gringos explorarem. “Nós não vamos pagar nada…”, explica. O humor não tem preço.

Rock das ‘Aranha’ (rock, 1980) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
Em 1980 o baiano Raul Seixas, que sempre gostou de mesclar o rock a ritmos brasileiros e idolatrava tanto Elvis Presley quanto Luiz Gonzaga, também entrou na onda do duplo sentido, bem à sua maneira. Criou com o parceiro Cláudio Roberto a história da cobra que observa a briga de duas aranhas, numa óbvia alusão aos apelidos dados aos órgãos sexuais no Brasil. E como era de costume fazia troça de qualquer movimento que se insurgia pretensiosamente, no caso, alas mais radicais do feminismo. A relação lésbica é observada por Raul com curiosidade e desejo, ansioso por participar dessa festança da natureza. “Vem cá mulher, deixa de manha/Minha cobra quer comer sua aranha…”.

O Carimbador Maluco (infantil, 1983) – Raul Seixas
Após o sucesso de iniciativas como a “Arca de Noé” e “Pirlimpimpim”, a Globo voltou a investir no formato em 1983, ao criar o programa “Plunct, Plact, Zuuum”. À época já relegado ao ostracismo pela indústria fonográfica, o eterno maluco beleza viu no convite a oportunidade de voltar às paradas de sucesso, embora fazer músicas para crianças não fosse exatamente a sua praia. Inspirado por sua filha Vivian, à época com dois anos de idade, Seixas criou canção e personagem que ficaram associados a ele até o fim da vida.

Cowboy Fora Da Lei (1987) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
Raul Seixas é um artista iminentemente político, talvez por esse poder de transformação associado à sua figura tenha permanecido com tanta força como uma figura popular e lendária. Depois de lançar vivas e efetivamente fundar os preceitos de uma “Sociedade Alternativa”, além de pregar ensinamentos cósmicos e de rebeldia, o “Maluco Beleza” lançou, em 1987, as suas considerações sobre assumir um cargo público. “Cowboy Fora Da Lei”, parceria com Cláudio Roberto, debocha, logo no início, da forma arcaica e coronelista que fundou grande parte da nossa política. “Mamãe não quero ser prefeito/Pode ser que eu seja eleito/E alguém pode querer me assassinar”.

A Panela do Diabo (rock, 1989) – Raul Seixas e Marcelo Nova
“A Panela do Diabo” é o nome do último disco lançado por Raul Seixas, em 1989, ano em que faleceu vítima de pancreatite aguda decorrente de abusos do álcool. Marcelo Nova, conterrâneo de Raul e líder da banda “Camisa de Vênus”, acompanha o “Maluco Beleza” nesta última empreitada, e assina com ele todas as composições do disco, com exceção da vinheta “Be-Bop-A-Lula”, e “Quando eu morri”, somente do pupilo. Raul e Marcelo, que sempre se destacaram pelo repertório corrosivo e contestatório não deixam barato, e abrem fogo contra autoridades religiosas, em “Pastor João e a Igreja Invisível”, aqueles que cravavam o fim do ritmo preferido e todo tipo de comportamento conservador. É a panela do diabo fumegante, esfumaçando, mais quente do que nunca!

*Bônus:

Jardineira, Pastorinhas, Máscara Negra & O teu cabelo não nega (marchinhas, 1979) – [cantam Raul Seixas e Wanderléa]
Pode se estranhar que o mais famoso roqueiro brasileiro e a musa da Jovem Guarda estejam nessa lista, mas em 1979, quando gravaram juntos as marchinhas “Jardineira”, de Benedito Lacerda e Humberto Porto, “Mal me quer”, “Pastorinhas”, de Braguinha e Noel Rosa, “Máscara Negra”, de Zé Ketti e Pereira Matos e “O teu cabelo não nega”, de Lamartine Babo, nenhum dos dois estava mais no auge e nem representavam o primeiro time de cantores de marchinhas de carnaval daquele tempo nem de tempo nenhum. Esse dueto inusitado revela a invasão de dois ícones de gêneros completamente diferentes num dos mais fechados e protegidos patrimônios nacionais. Raul Seixas e Wanderléa cantando marchinhas tradicionalíssimas de carnaval são, portanto, dois marginais.

Fotos: Arquivo/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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