*por Raphael Vidigal
“Não penso assim como o diamante não pensa. Brilho toda límpida. Não tenho fome nem sede: sou. Tenho dois olhos que estão abertos. Para o nada. Para o teto.” Clarice Lispector
Maria Izildinha Possi ganhou fama nacional com o nome artístico de Zizi Possi, reconhecido em todo o Brasil. A cantora, dona de uma voz afinadíssima e aguda, nasceu no dia 28 de março de 1956, em São Paulo. Na década de 1970, Zizi se mudou para o Rio de Janeiro, e estreou em disco no ano de 1978, com “Flor do Mal”.
Em 1978, ela conheceu o seu primeiro sucesso nacional, com uma gravação comovente para “Pedaço de Mim”, música atemporal de Chico Buarque. A cantora logo emplacou músicas nas novelas, gravou versões em italiano de clássicos como “Per Amore”, e, em 1982, deu voz à linda toada “Asa Morena”, de Zé Caradípia. Mãe da também cantora Luiza Possi, Zizi ainda viveu um atribulado romance com a cantora Angela Ro Ro, na década de 1980.
“Chuva Princesa” (tropicália, 1972) – Jorge Mautner
Jorge Mautner faz uso de sua poesia simbolista, concisa e consistente para alçar a chuva ao papel de musa de sua composição “Chuva Princesa”, uma peça tropicalista escrita em 1972. Afinal, todas as vertentes de seu trabalho no cinema, na música, no teatro e nas artes plásticas são veios para espalhar a sua literatura, como o próprio já declarou em diversas entrevistas. Nesta composição, aparentemente simples, e certamente singular, o artista alinhava versos singelos para transmitir a ética de sua conduta: é o amor, assim como a chuva, essa força da natureza, a quem se deve proclamar, assistir, e eventualmente transmutar, ou procurar esse contato mais próximo com a origem da existência humana, numa relação de respeito e não autodestruição. A música foi regravada no álbum “Pedaço de Mim”, por Zizi Possi, já em 1979…
“Vida Noturna” (MPB, 1976) – João Bosco e Aldir Blanc
Aldir Blanc formou-se em medicina e se especializou em psiquiatria, mas, já em 1973, trocou a profissão, definitivamente, pela música. Foi o ano do primeiro álbum de João Bosco, que já trazia parcerias da dupla como “Bala com Bala”, lançada um ano antes por Elis Regina. Em 1976, foi lançado o disco “Galos de Briga”, mais um dedicado à fértil parceria com João Bosco. Todas as músicas eram da dupla, incluindo “Vida Noturna”, música de caráter boêmio, tanto na forma quanto no conteúdo. Não por acaso foi regravada, naquele mesmo ano, por Nelson Gonçalves, e por Zizi Possi, em 1978. “Eu disse ao garçom que quero que ela morra”, desabafa o protagonista ressentido, com dor de cotovelo.
“Jura Secreta” (balada, 1977) – Sueli Costa e Abel Silva
Talvez o maior sucesso de toda a carreira de Sueli Costa seja a balada “Jura Secreta”, feita com seu parceiro mais frequente, Abel Silva, e lançada pela cantora que mais a gravou, Simone, em 1977. Embebida em melancolia, a música é um apanhado dos arrependimentos do eu-lírico. A canção entrou para a trilha sonora da novela “O Profeta”, da TV Tupi, e saiu no LP “Face a Face”, de Simone. O sucesso e o poder de identificação foram tanto que ela seguiu sendo regravada ao longo do tempo, por nomes como Fagner, Wando, Zizi Possi, Zélia Duncan, Dóris Monteiro, Elymar Santos e, claro, a própria Sueli, dado o seu discurso amoroso, ao mesmo tempo íntimo, universal e sofisticado.
“Luz e Mistério” (clube da esquina, 1978) – Beto Guedes e Caetano Veloso
Uma amostra de como Beto Guedes chamou a atenção após o seu disco de estreia está em “Luz e Mistério”, parceria com o já consagrado Caetano Veloso, que integrou “Amor de Índio”, de 1978. O time de instrumentistas com que a faixa contou estava à altura dos compositores, e não poderia ser mais recomendado. Robertinho Silva tocou bateria; Flávio Venturini assumiu o piano; e Wagner Tiso conduziu a harpa. Beto Guedes ficou a cargo da guitarra e do bandolim, entre outros instrumentos, além, claro, de cantar. Com Caetano, ele realizou um dueto da linda música em 1987. Djavan e Zizi Possi a regravaram.
“Libertad Mariposa” (MPB, 1980) – Gonzaguinha
Composta para descrever o sentimento onírico que Gonzaguinha experimentava diante da Lagoa da Pampulha, a canção “Linda Lago do Amor” inspirou a criação do “Lindo Bloco do Amor”, que desfila pelas ruas no Carnaval de BH. Gonzaguinha morou na capital mineira em seus últimos 12 anos de vida e se tornou amigo de Fernando Brant e Milton Nascimento, com quem gravou “Libertad Mariposa”, em 1980, no disco “De Volta ao Começo”. No mesmo ano, Zizi Possi também colocou na praça a sua versão para a composição. Já “Lindo Lago do Amor” foi lançada em 1984, no LP “Grávido”, de Gonzaguinha…
“Asa Morena” (toada, 1982) – Zé Caradípia
Quem não associar Zé Caradípia aos compositores da MPB, mudará de ideia quando se falar na música “Asa Morena”, que esse gaúcho de Canoas compôs na década de 1980, quando viu o seu nome estourar em todo o Brasil graças à gravação inesquecível de Zizi Possi para essa toada sensível, de inspiração nortista, que fala sobre um romance brejeiro e inocente. Infelizmente, Zé Caradípia pode ser associado àqueles artistas de um sucesso só, já que não voltou a frequentar as paradas de sucesso nem a ter seu nome listado nas grades radiofônicas. O que não o impediu de, em 2001, lançar a bonita canção “Chuva de Outono”, versando sobre a estação conhecida pelas folhas caídas…
“O Circo Místico” (MPB, 1983) – Chico Buarque e Edu Lobo
Em 1982, Chico Buarque e Edu Lobo receberam a incumbência de criar a trilha sonora para o balé “O Grande Circo Místico”, que Naum Alves de Souza criou em cima do poema homônimo do alagoano Jorge de Lima. O espetáculo deu vazão a um álbum lançado em 1983, com a nata da MPB: Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Simone, Tim Maia e outros. Ficou a cargo de Zizi Possi dar voz à sofisticada “O Circo Místico”, que passava de soslaio sobre a morte: “Não sei se é nova ilusão/ Se após o salto mortal/ Existe outra encarnação”. A música possibilitou ao público a nova oportunidade de conhecer Jorge de Lima.
“Como Uma Onda” (balada, 1983) – Nelson Motta e Lulu Santos
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello dizem no livro “A Canção no Tempo – Volume II”, que a música “Como Uma Onda”, de Lulu Santos e Nelson Motta, é um bolero que se mistura a sons típicos da percussão caribenha. Fato é que essa balada de pega existencialista, justamente subintitulada “Zen-Surfismo”, catapultou a carreira de Lulu Santos e impulsionou as mais de noventa mil cópias do disco “O Ritmo do Momento”, em 1983. Hit indispensável da carreira de Lulu, a música foi gravada, no mesmo ano, por Zizi Possi e mereceu uma regravação marcante de Tim Maia, amigo de poucas e boas de Nelson Motta.
“Meu Erro” (balada, 1984) – Herbert Vianna
Um ano antes de serem uma das duas únicas bandas brasileiras a não serem vaiadas no primeiro Rock in Rio da história, ao lado do Barão Vermelho, o grupo Paralamas do Sucesso confirmou a sua apoteose com o álbum “O Passo do Lui”, que rendeu ao trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone discos de platina e ouro pelas milhões de cópias vendidas. Um dos destaques do álbum era a balada “Meu Erro”, inspirada no término do relacionamento de Herbert, paraibano de João Pessoa, com a carioca Paula Toller, vocalista do Kid Abelha. Em 1989, quando lançou uma versão lenta para “Meu Erro”, no álbum “Estrebucha Baby”, Zizi Possi recebeu um elogio de Tim Maia: “Nem o Herbert sabia que a canção que ele fez era tão bonita”, provocou.
“Papel Machê” (MPB, 1984) – João Bosco e Capinam
No espaço em que o mineiro João Bosco ficou sem compor com seu principal parceiro, o carioquíssimo Aldir Blanc, o baiano Capinam soube se aproveitar bem para realizar com o músico uma canção de rara beleza. “Papel Machê” une a sofisticação melódica de João Bosco ao lirismo lapidado de Capinam. A música logo se tornou uma das principais tanto do repertório de Bosco quanto da obra de Capinam. Lançada no álbum “Gagabirô”, de 1984, recebeu regravação igualmente exitosa da cantora Zizi Possi, no mesmo ano, em “Dê um Rolê”. “Cores do sol/ Festa do mar/ Vida é fazer/ Todo sonho brilhar…”, diz.