10 músicas brasileiras para o Dia das Bruxas

“Sob uma luz bruxuleante
Corre e se retorce sem tento
A Vida,” Baudelaire

Dia das Bruxas no Brasil

“Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”, esta frase, que pode ser traduzida como: “eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”, tornou-se tão presa ao imaginário popular que hoje pertence a todos. Presente no livro “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, há quem afirme que o próprio autor a recolheu da sabedoria popular. Certo é que mesmo os que não acreditam em bruxas as conhece, já viu ou ouviu falar. O próximo dia 31 de outubro é o dia delas, citadas na música brasileira a torto e direito.

“Filme de Terror” (1973) – Sérgio Sampaio
Embora a faixa mais conhecida do disco solo de estreia do compositor capixaba Sérgio Sampaio tenha sido a que nomeia “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”, ela, de alguma forma, destoa do restante do trabalho. O ritmo exaltado certamente combina pouco com o tom quase mórbido das canções, expresso já na capa que apresenta o nome ensanguentado do cantor e frames de um “Filme de Terror”. É isso mesmo, nesta música menos conhecida da lavra de Sampaio ele passeia por um universo recheado de cemitérios, medos, suspiros e, claro, bruxas. Foi lançada em 1973.

“A Bruxa de Mentira” (1975) – Gilberto Gil e João Donato
O baiano Gilberto Gil e o acreano João Donato resolveram dar cores brasileiras ao mito da bruxa. Tanto que na canção de 1975, lançada no disco “Lugar Comum”, de Donato, ela aparece como “A Bruxa de Mentira”. A dupla voltava a repetir parceria que já havia alcançado sucesso com “A Paz” e “Bananeira”. Os versos se aproveitam da sonoridade da melodia para brincar: “A bruxa de mentira/Bombom de rapadura/Exdrúxula figura/Bruxinha gostosa/Neném rapadoçura”. Pouco conhecida, a canção ganhou novo lançamento em 1977, no álbum “Satisfação: Raras e Inéditas”, de Gil.

“Contos de Fadas” (1975) – Gonzaguinha
Não espanta que no terceiro disco de Gonzaguinha o clima sombrio se imponha. O Brasil sofria o período da ditadura militar e o compositor era um dos mais hábeis em reportar essa situação na forma de metáforas sensíveis e ásperas. Uma das canções do álbum de 1975 engana no título, e traz ironia semelhante à da canção “Comportamento Geral”. A música “Contos de Fadas” alude a brincadeiras típicas do “Dia das Bruxas”: “Balas, doces, chocolates/Brindes, prendas e anzóis/ (…) Dorme bem minha criança/Se não essa bruxa avança/Corta língua, olhos e ouvidos/Faz da vida escuridão”.

“Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás” (1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A longa saga descrita pela música de Raul Seixas e Paulo Coelho, lançada no disco do “Maluco Beleza” em 1976, faz um périplo pela história da humanidade e, claro, não poderia deixar passar um de seus fatos mais traumáticos. A Inquisição promovida pela Igreja Católica, que assassinava pessoas tidas como bruxas na fogueira, por desviarem do comportamento padrão da época. Uma das vítimas mais conhecidas das atrocidades foi a revolucionária francesa Joana D’Arc. Seixas destaca essa prática no verso: “Eu vi as bruxas pegando fogo pra pagarem seus pecados”.

“Bruxa Amarela” (1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Feita especialmente para Rita Lee, essa parceria de Raul Seixas e Paulo Coelho foi gravada pela então vocalista da banda Tutti Frutti no disco lançado pela banda em 1976. Com a habitual verve fantasiosa e mística, os autores abrem as portas para esse mundo fantástico, em versos do calibre: “Duas horas da manhã eu abro a minha janela/E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela/E vou dormir quase em paz”. Em 1988, em seu penúltimo disco de carreira, Seixas registrou uma nova versão da música, modificando o título para “Check-up” e alterando versos pontuais.

“Kukukaya: Jogo da Asa da Bruxa” (1979) – Cátia de França
Em 1979 a paraibana Cátia de França estreou com disco que já trazia um de seus maiores sucessos. “Kukukaya: Jogo da Asa da Bruxa” seria regravada em grupo por Elomar, Vital Farias, Geraldo Azevedo e Xangai. De acordo com a compositora da canção, ela a recolheu de quadrinhas de domínio público, e o termo que a intitula faz referência ao “pai de todos os ciganos”, que ela descobriu em uma revista de esoterismo. “No desafio do jogo da bruxa/Em noite de lua cheia/São quatro jogadores nesta mesa/Dando as cartas no jogo surdo da vida”, anunciam os primeiros versos.

“Amanticida” (1981) – Itamar Assumpção e Marta Rosa Amoroso
A atmosfera cinza e poluída da cidade de São Paulo foi o ambiente que influiu decisivamente na estética proposta pela chamada Vanguarda Paulista, surgida em meio aos anos 1980 que consagravam o colorido das bandas de rock nacionais. Numa linguagem que misturava quadrinhos, teatro, rap e música urbana, a palavra destilada com o veneno lento das horas era uma das armas de Itamar Assumpção e sua banda Isca de Polícia. Na parceria com Marta Rosa Amoroso, de 1981, cria-se uma história assustadora: “Fera, bruxa, madrasta, amanticida/Homem, mulher/Amada que mata amante”.

“Cuca” (1982) – Geraldo Casé, Waltel Branco e Sylvan Paezzo
Angela Ro Ro encarnou uma das personagens mais conhecidas do folclore nacional no especial de TV da Globo, “Pirlimpimpim”, levado ao ar em 1982. A cantora de voz rouca e grave interpretou todos os trejeitos da famosa Cuca do Sítio do Pica-Pau Amarelo criada por Monteiro Lobato, uma bruxa que tem a forma animal de um jacaré, inclusive a estridente risada. A canção feita para a personagem ficou a cargo do trio Geraldo Casé, Waltel Branco e Sylvan Paezzo. A mesma personagem foi vivida por Cássia Eller. “Olha a minha fuça/Olha que boneca/Não existe bruxa/Mais charmosa”, canta Ro Ro.

“O Rap da Bruxa” (1997) – Oswaldo Montenegro
No ano de 1997, o cantor e compositor carioca Oswaldo Montenegro voltou a flertar com as artes cênicas. Criador de trilhas sonoras para filmes, balés e peças teatrais, o músico foi responsável pelas canções do musical infantil “Vale Encantado”. Gigantes, fadas, anões e duendes compõe o repertório de personagens, mas a grande estrela da companhia é mesmo a assustadora bruxa que ganhou um rap só para ela. “O Rap da Bruxa” enumera um a um os horripilantes ingredientes jogados no caldeirão da megera: “Gota de sangue, xixi de morcego/Bola de ferro de quebrar vitrine”.

“O Homem Bruxa” (2015) – André Abujamra
Filho do ator e apresentador de TV Antônio Abujamra, o multi-artista André Abujamra sempre gostou de transitar por vielas igualmente provocadoras. A primeira banda da qual fez parte já trazia a contradição no nome: Os Mulheres Negras. Esse efeito é reproduzido no mais recente disco solo do músico. “O Homem Bruxa” reflete na faixa-título as ambições do protagonista. “Yo soy el hombre bruja/Yo soy un transformador/Transformo coisas feias/Em coisas lindas de valor”. Desta maneira, ao misturar, inclusive, idiomas, André muda a própria perspectiva sobre o mito milenar da bruxa, conferindo a ela poderes de luz.

Músicas brasileiras dia das bruxas

Raphael Vidigal

Publicada no jornal O Tempo em 29/10/2017.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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