De Carmen Miranda a Alceu Valença: Músicas brasileiras sobre o coração

Artistas brasileiros fizeram músicas para o coração

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?” Fernando Pessoa

Na boca dos cantores, na pena dos poetas e sob o olhar dos amantes e das paixões tardias, ele recebe vários contornos, cores diversas, mas a expressão é sempre a mesma: símbolo do sentimento; representa o amor e a vida. Por isso foi instituída data para não esquecermos que ele merece cuidados. Para celebrar o Dia Mundial do Coração, listamos abaixo certas músicas brasileiras sobre o tema. Materno, leviano ou vagabundo; em desalinho ou de estudante; o coração do Brasil bate em seu TIC-TAC ao ritmo de forró, xote, samba, marcha e até tango. Dramático ou satírico, apaixonado ou tranquilo, o coração vem de Vicente Celestino, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Zeca Pagodinho, ao ritmo da vida que recebe a música como remédio e amiga.

“Carinhoso” (samba-choro, 1928) – Pixinguinha e João de Barro
Pixinguinha foi regente de várias orquestras, entre elas a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Oito Batutas e Diabos do Céu. Suas inovações melódicas provocaram celeuma na imprensa, que não compreendia a insurgente sofisticação. Ao escrever um choro em duas partes, e não em três, como era costume, o próprio compositor sabia que seria alvo de reclamações. Por isso mesmo, “Carinhoso” demorou 20 anos para tomar forma definitiva e alcançar sucesso irrevogável. O que só aconteceu quando João de Barro, o Braguinha, adentrou a ourivesaria de Pixinguinha e lapidou com versos a refinada harmonia de “Carinhoso”, registrada em 1928. Desde a gravação original de Orlando Silva, em 1937, por recusa de Francisco Alves e quebra de compromisso de Carlos Galhardo, a música se tornou um dos maiores emblemas do cancioneiro romântico brasileiro, com mais de 200 regravações.

“Coração [Samba Anatômico]” (samba, 1932) – Noel Rosa
Pouca gente sabe que Noel Rosa foi estudante de medicina. Embora não tenha chegado a concluir o curso, a experiência lhe valeu para criar um samba, como era de costume. Em 1932, com sua característica veia satírica e “gozadora”, o poeta da Vila compôs “Coração”, com o subtítulo “Samba Anatômico”. Isto porque, ao contrário do usual na época, que tratava o órgão como uma metáfora do amor, Noel preferiu analisá-lo sob o ponto de vista biológico, ao menos aparentemente. Refazendo o trajeto do sangue venoso e arterial e esclarecendo a máxima sobre a localização do órgão, “ficas no centro do peito, eis a verdade”, Noel revela as contradições dos sentimentos, que passam também pela análise física, neste caso. A música foi lançada pelo próprio autor.

“Tic-Tac do Meu Coração” (marcha, 1935) – Alcir Pires Vermelho e Valfrido Silva
Natural de Muriaé, no interior de Minas Gerais, Alcir Pires Vermelho compôs, ao lado de Valfrido Silva, uma das marchas mais regravadas do cancioneiro nacional, sucesso instantâneo na voz de Carmen Miranda. “TIC-TAC do meu coração”, lançada em 1935, também traz a qualidade peculiar de misturar as características físicas do órgão a seus sentimentos mais abstratos, prova de que a sensação não se faz sem uma nem a outra. O exemplo fica mais claro logo nos versos iniciais da canção: “marca o compasso do meu coração/na alegria bate muito forte/na tristeza bate fraco porque sente dor”. Pianista, Alcir tem o mérito de verbalizar o som logo no título da canção, com uma esperta onomatopeia. A música foi regravada por Ney Matogrosso, Nara Leão e outros.

“Coração” (samba, 1935) – Synval Silva
Carmen Miranda seguiu seu cortejo final ao som de música. A música escrita por Synval Silva, o motorista que conferiu sucessos inestimáveis para os quais a Pequena Notável foi eternamente grata. Muito mais do que os contos de réis que ela pagava para Synval, sua real recompensa foi o nome gravado com pérolas na música brasileira. “Adeus, adeus, meu pandeiro de samba, tamborim de bamba, já é de madrugada…” é o tom da despedida que saúda o compositor mineiro entronizado carioca, com anel de samba, cidadão legítimo do ritmo dessa gente bamba. Antes de “Adeus, Batucada”, Synval Silva já havia dado a Carmen um grande sucesso. O samba “Coração”, também de 1935, trazia nos versos finais o prenúncio da poesia que ele iria praticar: “esperando no mar desta vida, embarcação à procura, de um porto feliz de salvação…”. O coração de Carmen foi facilmente conquistado pelas notas melódicas do compositor.

“Coração Materno” (tango-canção, 1937) – Vicente Celestino
Vicente Celestino foi o primeiro dentre os grandes cantores chamados de “dós de peito” da música brasileira, pela forte extensão vocal e o dramatismo nas interpretações, a que se seguiram nomes célebres como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Orlando Silva, Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves. Seguindo esta tradição Vicente Celestino, que também era ator, compôs em 1937 uma música inspirada em lenda, um caso estapafúrdio em que o filho assassinava a mãe para tirar-lhe o coração e entregá-lo à amada. Mais insólita ainda é a reação da pretendida, que afirma ao final do gesto trágico que não estava a falar a sério quando pediu tal prova de amor. Identificada como um tango-canção a música foi regravada por Caetano Veloso em 1968, no álbum da “Tropicália”.

“Dois Corações” (samba-canção, 1942) – Herivelto Martins e Waldemar Gomes
O romance entre Dalva de Oliveira e Herivelto Martins foi tão intenso quanto profícuo, e rendeu vários clássicos da canção brasileira. Infelizmente, a fase de maior criação acerca do relacionamento foi justamente aquela em que eles andavam às turras, antes de um desfecho triste para ambos os lados, com mútuas acusações e um ressentimento que permaneceu até o fim da vida. No entanto, quando ainda estavam perdidamente apaixonados, Herivelto compôs, em parceria com Waldemar Gomes, uma ode ao amor que não deixa dúvidas: “Quando dois corações/ Se amam de verdade/ Não pode haver no mundo/ Maior felicidade/ Tudo é alegria/ Tudo é esplendor”. A música foi lançada em 1942 num dueto de Dalva com Francisco Alves, os dois maiores intérpretes daquela época.

“Pra Machucar Meu Coração” (samba, 1943) – Ary Barroso
Era só o gongo começar a soar que você saberia que ele estava em cena, com seus óculos circulares, seu bigodinho aparado e sua voz polêmica. Mas o gongo nunca soou para ele, um dos poucos que passaria impune a seu rigor seletivo. Ary Barroso do Brasil nasceu no interior de Minas Gerais, cresceu na capital do Rio de Janeiro e se apaixonou pelo cartão postal do Nordeste: a Bahia. Para ela, compôs as mais passionais confissões; para o Rio de Janeiro, as mais otimistas; e, se lhe perguntassem se ele nunca compôs para a terra onde nascera, diria com humor ácido: “Afogue a saudade nos copos de Ubá”. Em 1943, Ary Barroso compôs o samba “Pra Machucar Meu Coração”. Lançado pelo cantor Déo, recebeu regravações de Nana Caymmi e Gal Costa.

“Coração de Violeiro” (sertaneja, 1955) – Murilo Alvarenga
Filho do mineiro de Itaúna que formou, na década de 1930, a dupla caipira Alvarenga & Ranchinho, o músico Murilo Alvarenga se encontrou com o poeta Ferreira Gullar em 1986 para compor o bolero “Promessa de Vida”. Era o início da incursão na música verdadeira popular de Ferreira Gullar, que desaguaria no megassucesso “Borbulhas de Amor”, em 1991. O Murilo Alvarenga pai compôs, em 1955, a moda sertaneja Coração de Violeiro, registrada num disco da dupla Alvarenga & Ranchinho e, mais tarde, regravada por nomes da nova geração, como Isaac Brasil, no disco “Cantorias e Cantadores 3”, que ainda reuniu Geraldo Azevedo, Zé Geraldo e Pena Branca, da dupla com Xavantinho.

“Coração de Papel” (Jovem Guarda, 1967) – Sérgio Reis
Ao completar 80 anos, Sérgio Reis disse que o Exército já comandava o Brasil. “Que golpe? Se o vice-presidente (Hamilton Mourão) é general e o presidente é um capitão do Exército? O Exército não quer tomar conta por que o Exército é o presidente da República. Já é o Exército que comanda o Brasil, mas não aquele de 64, é outro”. Em 1964, um golpe militar instituiu uma ditadura que perdurou por duas décadas, período que ficou conhecido como “anos de chumbo” pelas torturas, mortes e perseguições a opositores. Na época, Sérgio Reis tinha outras preocupações. “Meu pai, meus tios e meus avô fabricavam bucha para cartucho de espingarda. Com a proibição da caça no Brasil, fechamos a fábrica”. Logo, ele estouraria com “Coração de Papel”, hit da Jovem Guarda.

“Coração Vagabundo” (bossa nova, 1967) – Caetano Veloso
Antes de aderir por completo à Tropicália e instaurar o movimento definitivamente no cenário da música popular brasileira, a referência seminal de Caetano Veloso era João Gilberto. Por isso não é de se espantar que no álbum “Domingo”, lançado em 1967 ao lado de Gal Costa, que perto da época ainda assinava Maria da Graça, a influência estética do propagador mais incensado da bossa nova se faça tão presente. “Coração vagabundo” é um dos melhores exemplos, com sua melodia refinada, simples, seu violão rítmico e a voz macia, suave, quase imperceptível, não fosse pela poesia e sensibilidade que emana com tamanha força dos versos livres de derramamento e concentrados em sua elegância. Caetano narra, assim, mais um caso de amor desfeito, porém novo.

“Coração Imprudente” (samba-choro, 1972) – Paulinho da Viola e Capinam
Rígido com relação a seus princípios, mas maleável no que tange às possibilidades artísticas: esse é Capinam, que, em 1972, provou, mais uma vez, a sua versatilidade poética, ao escrever a letra para um samba-choro de Paulinho da Viola, “Coração Imprudente”. Mesmo ao abordar o universo das relações conjugais, Capinam não perdia a perspicácia. “O quê que pode fazer/ Um coração machucado/ Senão cair no chorinho/ Bater devagarinho pra não ser notado”, dizia a letra. Juntos, eles já tinham feito “Canção para Maria”, em 1966.

“Coração Ateu” (MPB, 1975) – Sueli Costa
Compositora de “Dentro de Mim Mora um Anjo”, parceria com o poeta mineiro Cacaso, gravada por Fafá de Belém em 1978, no álbum “Banho de Cheiro”, Sueli Costa nasceu no dia 25 de julho de 1943, no Rio de Janeiro, e foi criada em Juiz de Fora, interior de Minas. Entre seus sucessos estão músicas como “Jura Secreta”, “Coração Ateu” e “20 Anos Blue”, gravadas por nomes como Simone, Maria Bethânia e Elis Regina, algumas das maiores cantoras do país. A música “Coração Ateu” foi lançada por Maria Bethânia, em 1975, que sempre se declarou uma pessoa fervorosamente religiosa. Na sequência, recebeu versões de Simone, Lucinha Lins, Wanderléa, Eduardo Conde e de Ana Rita.

“Mente ao Meu Coração” (samba, 1976) – Francisco Malfitano
Francisco Malfitano nasceu em Peruíbe, no interior de São Paulo, no dia 31 de julho de 1915, e morreu no dia 24 de janeiro de 2011, aos 95 anos. Compositor, Francisco Malfitano teve músicas lançadas por Aracy de Almeida e Silvio Caldas. O seu maior sucesso, “Mente ao Meu Coração”, foi gravado por Elizeth Cardoso, Paulinho da Viola e Vânia Carvalho. Em 1943, ele se casou e deixou a música. “Mente ao Meu Coração” permanece como um dos grandes clássicos da música popular brasileira e prova inconteste do talento do compositor Francisco Malfitano. “Mente ao meu coração/ Mentiras cor-de-rosa/ Que as mentiras de amor não deixam cicatrizes/ E tu és a mentira mais gostosa/ De todas as mentiras que tu dizes…”, sugere em alento o refrão do hit.

“Bandido Corazón” (pop-rock, 1976) – Rita Lee
Rita Lee compôs um bolero especialmente para o segundo disco-solo de Ney Matogrosso, e que inspirou o batismo de “Bandido”. Ali, a música ganhou conotações caribenhas, e o arranjo transformou o bolero em uma autêntica peça pop ao gosto de Ney Matogrosso e de Rita Lee. Ney asfaltava o caminho para desmentir a crítica feroz de José Ramos Tinhorão, implicado com influências estrangeiras, e que dizia que, em “Mãe Preta (Barco Negro)”, do primeiro disco, Ney, “chorava como uma rameira”. “Bandido Corazón” foi um sucesso imediato, com versos líricos que eram a cara de Ney Matogrosso: “Eu já sou um cara meio estranho/ Alguém me disse isso uma vez/ Meu coração é de cigano/ Mas o que salva é a minha insensatez”.

“Coração Selvagem” (MPB, 1977) – Belchior
Quando o cantor e compositor Belchior (1946-2017) morreu, no dia 30 de abril de 2017, vários veículos respeitáveis de imprensa cometeram um equívoco imperdoável. A gafe, no entanto, fora provocada pelo próprio artista. Para tirar um sarro com jornalistas, Belchior costumava dizer que se chamava Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, a fim de comprovar que era, de fato, o “maior nome da MPB”. Na certidão de nascimento, no entanto, ele era apenas Antônio Carlos Belchior, três nomes próprios que, juntos, formavam um só. Em 1977, Belchior lançou “Coração Selvagem”, regravada por Ana Carolina e Ana Cañas.

“Explode Coração” (MPB, 1977) – Gonzaguinha
Contestador por natureza, em 1975, Gonzaguinha havia dispensado seus empresários para fundar depois seu próprio selo, Moleque, que também seria o nome de seu álbum de 1977. Nesse ano, “Explode Coração” tornou-se um dos maiores marcos de toda a carreira de Maria Bethânia. Intitulada inicialmente como “Não Dá Mais Pra Segurar”, a música é um desabafo lento, progressivo, um exercício de confissão e entrega em que o compositor se despe de seus medos e aceita todos os desejos.

Em “Explode Coração”, Gonzaguinha se descortina para que a vida entre sem pedir licença. Um ano depois, em 1978, outra canção de temática parecida e com a mesma palavra pungente no título. “Diga Lá, Coração” recebeu a interpretação sensível de Simone e do próprio Gonzaguinha. “Diga lá, meu coração/ Da alegria de rever essa menina/ E abraça-la/ E beijá-la…”, canta.

“Coração Leviano” (samba, 1978) – Paulinho da Viola
Nomeado “Ministro do Samba” por Batatinha em música com tal título, Paulinho da Viola aprendeu em casa os ensinamentos do ritmo. Filho de Benedito Faria, integrante do conjunto “Época de Ouro”, que era conduzido por ninguém menos do que Jacob do Bandolim, o filho mais velho do chorão célebre uniu as influências do chorinho ao samba para criar uma maneira única e inconfundível de cantar e compor, assimiladas à sua própria personalidade. Por mais que cante desenganos, desamores, fracassos, Paulinho mantém certa calma na voz que é capaz de tranquilizar os corações mais aflitos. “Coração leviano”, um samba lançado no ano de 1978, reclama com a elegância típica do autor da deslealdade e ingratidão de quem “fere quem tudo perdeu”. Samba de primeira!

“Coração Tranquilo” (mantra, 1978) – Walter Franco
“Sou da geração que não tem pressa nem demora. Como diria Gonzaguinha: ‘A vida é bonita’. Não coloco prazo para nada. As coisas nunca estão na prateleira, prontas. Até a última hora se cria”, declarou Walter Franco, em 2017, quando trabalhava num novo disco de inéditas. Na ocasião, ele se jactava da citação feita pelo então procurador geral da República, Rodrigo Janot, em 2015, num embate com Eduardo Cunha, que na época ainda era presidente da Câmara dos Deputados. “Ele recitou os meus versos mais famosos: ‘tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo’”, recordava, em alusão à letra mântrica de “Coração Tranquilo”, que, mais importante do que estar na boca de uma autoridade da República, passou a ser replicada em forma de pichação pelas ruas e muros do país, sem autoria, o que orgulhava o cantor.

“Coração Oprimido” (samba, 1979) – Walter Alfaiate e Zorba Devagar
Os sambas sincopados de Walter Alfaiate, com mensagens ora românticas e conservadoras, outrora engraçadas e irreverentes, logo chamaram a atenção da plateia. Quem primeiro o descobriu foi Paulinho da Viola que, na década de 1970, registrou três sambas de sua lavra: “Coração Oprimido” (com Zorba Devagar), “A.M.O.R. Amor” e “Cuidado, Teu Orgulho Te Mata”, as duas últimas feitas com Mauro Duarte (1930-1989), seu parceiro mais frequente. A dupla se conhecia desde 1947. Na ocasião, se encontraram no campo do Fluminense, nas Laranjeiras, e iniciaram uma intensa amizade. Depois de lançado por Paulinho da Viola, o samba “Coração Oprimido” ganhou a versão de Alfaiate.

“Coração Bobo” (forró, 1980) – Alceu Valença
Alceu Valença já era um cantor consagrado na música brasileira quando resolveu compor, em 1980, “Coração bobo”, música dedicada a Jackson do Pandeiro. Com a forte influência do denominado “Rei do Ritmo”, a canção transita por estilos da música brasileira, com um lento início em toada e a agitação tradicional do baião em sua segunda parte, especificamente o refrão: “coração bobo/coração/coração bola/coração balão/coração São João/ a gente, se ilude, dizendo/já não há mais coração…”. Assimilando as origens folclóricas das festas populares do nordeste, Alceu lega à música brasileira uma peça pronta para se dançar o forró, e deixar-se o coração levar pela alegria do povo, mesmo que, neste caso, como em muitos, os versos sejam de mágoa e alento.

“Coração Civil” (clube da esquina, 1981) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Em março de 1983, Fafá de Belém ganhou de presente uma música dos amigos Milton Nascimento e Fernando Brant, batizada de “Menestrel das Alagoas”. Imediatamente ela se perguntou por que havia sido escolhida para homenagear Djavan. Logo o engano se desfez e ela recebeu no estúdio o verdadeiro homenageado, o senador Teotônio Vilela, um dos símbolos pela redemocratização do Brasil, que lutava contra um câncer e faleceria antes de a canção ser entoada por Fafá nos comícios pelas Diretas Já. Também de Milton e Fernando Brant é outra canção emblemática. “Coração Civil”, lançada em 1981 por Milton, ganhou regravações de Tadeu Franco e de Ney Matogrosso.

“Bate-Coração” (xote, 1982) – Cecéu
No universo patriarcal e tradicionalmente machista da música brasileira como um todo, mas, em destaque, do ambiente nordestino, a compositora Cecéu se destaca como uma das mais prolíficas em êxito popular como na qualidade de seu repertório, ao lado das não menos valentes Marinês e a leoa do norte Elba Ramalho que, inclusive, lançou um dos maiores sucessos da artista. “Bate-coração” foi um xote lançado em 1982 e regravada por diversas vezes. Sua permanência pode ser atribuída ao tema, ao ritmo, mas é, sobretudo, pela união dessas duas características que perpassou as vozes mais diversas. Universal como a abordagem é o sentimento, a sensação do coração batendo dentro do peito. Foi regravada por Angela Ro Ro em dupla com Elba Ramalho.

“Caminhos do Coração” (MPB, 1983) – Gonzaguinha
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, mais conhecido como Gonzaguinha, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 22 de setembro de 1945, e morreu no dia 29 de abril de 1991, aos 45 anos, após sofrer um acidente de carro na estrada de Renascença, no Paraná, quando voltava de uma série de shows. Filho adotivo do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, com a dançarina Odaléia Guedes, o menino Gonzaguinha foi criado pelos padrinhos Dina e Xavier, no Morro de São Carlos, onde conheceu, por exemplo, Luiz Melodia. Em 1983, ele lançou “Caminhos do Coração”, mais um sucesso da discografia.

“Coração de Estudante” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Wagner Tiso
Guardião de sentimentos e propulsor da vida, o coração pode também ser político, como comprovam Milton Nascimento e Wagner Tiso. No ano de 1983 os dois receberam a incumbência de criar uma música para o filme “Jango”, sobre a trajetória do presidente João Goulart, deposto pelo regime militar responsável por instaurar a ditadura que perdurou no país por duas décadas. Nada mais propício, portanto, do que reportar-se ao coração utopista e ideológico daqueles que trazem a esperança. Por essas e outras, aliás, foi que “Coração de estudante” ultrapassou o propósito inicial e serviu como hino pela campanha das “Diretas Já” no ano de 1984, executada no funeral do também mineiro Tancredo Neves, um ano depois, antes de ser empossado presidente.

“Voo de Coração” (rock, 1983) – Ritchie e Bernardo Vilhena
Inglês radicado no Brasil desde a década de 70, Ritchie experimentou o estouro logo em sua estreia solo no mercado fonográfico. Antes, atuou como professor de inglês e formou uma banda de rock progressivo ao lado de Lobão e Lulu Santos. Com “Voo de Coração” ele deu o salto definitivo para se consagrar junto ao panteão dos sucessos, graças ao inesquecível hit “Menina Veneno”, parceria com o poeta Bernardo Vilhena que trazia a imagem única do “abajur cor de carne”. A música foi regravada por Zezé Di Camargo & Luciano.

“Corações Psicodélicos” (rock, 1984) – Lobão, Bernardo Vilhena e Júlio Barroso
Durante o velório de Júlio Barroso (1953-1984), os cantores Cazuza (1958-1990) e Lobão cumpriram o combinado de cheirar cocaína sobre o túmulo do amigo. Era um singelo tributo para aquele que ambos consideravam como o verdadeiro mentor da geração roqueira dos anos 80 no Brasil. Antes de sua trágica e precoce morte, aos 30 anos, ao despencar de uma janela de seu apartamento, em circunstâncias nebulosas, Júlio fundou a banda Gang 90 e Absurdettes, que tinha como uma das vocalistas a australiana criada na Holanda, Alice Pink Pank, à época namorada de Júlio. Foi logo após terminar com Júlio que Alice começou a namorar Lobão, com quem gravou o LP “Ronaldo foi pra Guerra” (1984). Ali comparece “Corações Psicodélicos”, parceria tripla de Lobão, Júlio Barroso e Bernardo Vilhena, bem no clima Pank.

“Coração em Desalinho” (samba, 1986) – Monarco e Ratinho
Zeca Pagodinho foi descoberto pela madrinha do samba em uma de suas visitas ao Cacique de Ramos. Beth Carvalho gravou “Camarão que dorme a onda leva” e tornou-o conhecido em território nacional, o que o permitiu gravar seu primeiro disco. Foi em sua estreia como cantor, portanto, que Zeca apresentou ao Brasil, logo de cara, um dos maiores sucessos da carreira. “Coração em desalinho”, um samba lançado em 1986 é cria de Monarco e Ratinho. O primeiro, no entanto, aparece identificado nos créditos do álbum com o pseudônimo Diniz, seu sobrenome de batismo. A música serve de alento aos corações machucados, já que “quem canta seus males espanta…”, como diz o ditado. Regravada pelas cantoras Beth Carvalho, Mart’nália e Maria Rita.

“Do Fundo do Meu Coração” (balada, 1986) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Roberto Carlos vinha, aos poucos, de descolando do título de ídolo da garotada para se consagrar como o Rei da música brasileira. Um dos principais ativos nesse movimento foi apostar em canções mais maduras, que deixavam para trás o espírito juvenil e rebelde, em busca de declarações de amor capazes de acalentar corações de todas as idades. “Como É Grande o Meu Amor Por Você” destoa do repertório de “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”, LP lançado em 1967, exatamente por esse motivo. Também de pegada romântica é a balada “Do Fundo do Meu Coração”, parceria com Erasmo lançada pelo Rei em 1986, e regravada por Adriana Calcanhotto, Daniel, Joanna, e outros.

“Coração do Agreste” (MPB, 1989) – Moacyr Luz e Aldir Blanc
Aldir Blanc nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro de 1946, e morreu no dia 4 de maio de 2020, aos 73 anos. Infelizmente, o letrista, compositor, cantor e cronista brasileiro foi uma das vítimas da Covid-19 no Brasil. Formado em Medicina com especialização em Psiquiatria, ele logo abandonou essas profissões para se dedicar à música e ao ofício de escrever. Ao longo de uma extensa e bem-sucedida carreira, Aldir Blanc se consagrou ao lado de parceiros como João Bosco, Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Guinga, entre outros, e teve músicas gravadas por Elis Regina, Nana Caymmi e Zizi Possi. Com Moacyr Luz, compôs “Coração do Agreste”, lançada por Fafá de Belém.

“Coração Pirata” (balada, 1990) – Aldir Blanc e Nando
Dono de frases que se eternizaram na MPB e coautor de clássicos como “O Bêbado e a Equilibrista”, “Kid Cavaquinho”, “O Mestre-Sala dos Mares”, “Resposta ao Tempo”, e mais uma porção, Aldir Blanc formou-se em medicina e se especializou em psiquiatria, mas, já em 1973, trocou a profissão, definitivamente, pela música. O espírito crítico, aguçado e irônico, pode ser constatado na desenvoltura em preencher as ágeis linhas melódicas de João Bosco, o parceiro mais constante, e de levar ao cotidiano, expressões que se equilibravam com graça entre o altar e o chão de fábrica. O próprio José Ramos Tinhorão, o mais feroz crítico da história da música brasileira, admitiu o talento de Blanc, em artigo que não dispensava a acidez usual, intitulado “O Melhor de João Bosco é Aldir Blanc”. Em 1990, Aldir emplacou na trilha da novela “Rainha da Sucata” a música “Coração Pirata”, lançada pelo grupo Roupa Nova.

“Aguenta Coração” (balada, 1990) – Paulo Sérgio Valle e Ed Wilson
Edson Vieira de Barros, mais conhecido como Ed Wilson, nasceu no Rio de Janeiro no dia 29 de julho de 1945, e morreu no dia 3 de outubro de 2010, aos 65 anos. Em 1960, ele fundou, com os irmãos Renato Barros e Paulo César Barros, a banda Renato e Seus Blue Caps, onde permaneceu até 1961. Em 1962, partiu para a carreira-solo e gravou versões para músicas famosas, como “Sandra”, “Verdadeiro Amor”, “O Homem do Cigarro” e “Lembre-se do Meu Amor”. Já em outra fase da carreira, em parceria com Paulo Sérgio Valle, o compositor Ed Wilson emplacou o hit “Aguenta Coração”, lançado na voz de José Augusto em 1990, como tema da novela “Barriga de Aluguel”, da Globo.

“Coração do Brasil” (samba, 1998) – Jards Macalé
Jards Macalé, um dos mais irreverentes e criativos compositores nacionais, com trajetória incomum dentro deste cenário, apelidado até, em certo momento e a contragosto, de “maldito”, prestou uma homenagem à identidade brasileira a seu modo, cinco anos antes de encampar o mote “Amor, Ordem & Progresso” para a bandeira, em 1998. “Coração do Brasil” é um samba, lançado no álbum “O Q FAÇO É MÚSICA”, com um único verso de única palavra repetido exaustivamente: “Coração/Ah coração!/Coração/Ah coração!”. A música recebe o acompanhamento da Velha Guarda da Portela, de Monarco e Cristina Buarque nos coros e vocais, além de Ovídio e Gordinho na percussão, e é dedicada ao cineasta Nelson Pereira dos Santos, um dos ícones do Cinema Novo. Condensa em seu bojo misto de lamento e exaltação.

“Um Tiro no Coração” (pop rock, 2000) – Nando Reis
Embora tenha enfileirado uma série de sucessos, especialmente no ano de sua morte, quando gravou o “Acústico MTV”, e mesmo um pouco antes, com discos antológicos produzidos por Nando Reis e Wally Salomão, a exemplo de “Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo” e “Veneno Antimonotonia”, Cássia Eller passou boa parte de sua trajetória à margem do mercado fonográfico, priorizando cantores da chamada vanguarda paulista, como Arrigo Barnabé, Mário Manga, Hermelino Neder e Itamar Assumpção. Mesmo no auge do sucesso, ela não os abandonou, quando gravou “Aprendiz de Feiticeiro”, de Itamar, e “Maluca”, de Luís Capucho. No ano 2000, protagonizou um potente dueto com Sandra de Sá em “Um Tiro no Coração”, música de Nando Reis.

“De Favor” (vanguarda, 2010) – Luiz Tatit
Se valendo tanto de metáforas quanto do aspecto físico do coração, Luiz Tatit elabora a arquitetura da música “De Favor”, lançada por ele em 2010, no álbum “Sem Destino”, um dos melhores de sua prodigiosa carreira. É graças a esse recurso linguístico que o romantismo convive, harmoniosamente, com a doce reflexão da melancolia na letra. “Fui viver de favor/ Nesse seu coração/ Me alojei num lugar/ Que é talvez um porão/ Não tem luz não tem cor/ Mas tem ar do pulmão”, poetiza o compositor, que também abre espaço para flechas lançadas por cupidos e “o som que vem do fundo do músculo que é um dos últimos locais de sonho dos casais”. Ao reinterpretar essa pérola no espetáculo em homenagem a Luiz Tatit, a cantora Zélia Duncan reproduziu esse coração.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]