Zeca Pagodinho: Sucessos do sambista descoberto por Beth Carvalho

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Não pense que meu coração é de papel
Não brinque com o meu interior
Camarão que dorme, a onda leva
Hoje é dia da caça
Amanhã do caçador” Zeca Pagodinho, Beto Sem Braço & Arlindo Cruz

Jessé Gomes da Silva Filho, o popular Zeca Pagodinho, nasceu no dia 4 de fevereiro de 1959, no bairro do Irajá, no Rio de Janeiro. Desde cedo, Zeca Pagodinho frequentou rodas de samba por influência da família, enquanto se virava para conseguir uns trocados como office-boy e apontador do jogo do bicho. Seu talento começou a ser reconhecido em 1983, quando Beth Carvalho o descobriu no pagode do Cacique de Ramos, e gravou “Camarão Que Dorme a Onda Leva”, parceria de Zeca com Beto Sem Braço e Arlindo Cruz. Em 1986, ele gravou o seu primeiro disco. Em 1987, lançou o LP “Patota do Cosme”, com o sucesso “Maneiras”, e nunca mais parou de tocar nas rádios de todo o Brasil.

“Tarzan, o Filho do Alfaiate” (samba, 1936) – Noel Rosa e Vadico
Composta para o filme “Cidade Mulher”, de Humberto Mauro, “Tarzan, o Filho do Alfaiate”, é um samba de Noel Rosa e Vadico, de 1936, cujo título parodia a saga de “O Filho das Selvas”. A canção fazia troça com o hábito que se tornou comum entre os homens da época de se utilizarem se enchimentos no paletó a fim de parecerem mais musculosos. Lançada por Almirante, a música recebeu regravações de Zeca Pagodinho, Djavan, Cristina Buarque e Henrique Cazes. Além de citar lutas e futebol, a música faz uma referência direta ao tablado, onde a ginasta Rebeca Andrade protagonizou um desempenho histórico em 2021, ao som do funk “Baile de Favela”, que a credenciou entre as favoritas a uma medalha nas categorias individual, solo e salto da ginástica artística.

“Lá em Mangueira” (samba, 1943) – Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres
A união de bambas da tarimba de Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres não poderia resultar em outra coisa: um clássico da música brasileira. Foi o que os dois criaram com “Lá em Mangueira”, samba lançado em 1943 para saudar a Estação Primeira. A primeira gravação da música foi feita pelo Trio de Ouro, integrado pelo próprio Herivelto, Dalva de Oliveira e Nilo Chagas. Posteriormente, Heitor dos Prazeres foi outro intérprete da canção, que ainda ganhou registros de Zeca Pagodinho, Martinho da Vila e Os Originais do Samba. “Lá em Mangueira/ É que o samba tem seu lugar”, afirmam os versos.

“Pisei Num Despacho” (samba, 1947) – Geraldo Pereira e Elpídio Viana
Geraldo Pereira migrou de Mangueira depois de conflitos com o irmão Mané, importante e temido na região por acumular os cargos de dono de tenda e funcionário da Central do Brasil, o que lhe garantia alto poderio econômico. Antes de deixar o morro, ele conheceu Cartola e Carlos Cachaça, que fundaram mais tarde a escola de samba mais famosa do local, e teve aulas de violão com Aluísio Dias e Alfredo Português, padrasto de Nelson Sargento.

No ano de 1947 ele já desfrutava de certa imponência no meio do samba por conta de gravações recentes que obtiveram alta cota no gosto popular. Nesse mesmo ano, lançou outra delas, que versava sobre os infortúnios de um sujeito que atribuía isso ao fato de ter “pisado num despacho”. Geraldo falava na música sobre a gafieira, um dos ritmos que o ajudaram a inventar o “samba de teleco-teco.” A música foi lançada por Ciro Monteiro e recebeu regravações de Roberto Silva, Jackson do Pandeiro e Zeca Pagodinho.

“Pistom de Gafieira” (samba de gafieira, 1959) – Billy Blanco
Em 1959, fechando a década de 50, após um sem número de sucessos que começaram em 1953, Billy Blanco recebeu o convite para gravar os seus próprios sambas, na respeitadíssima gravadora Elenco, com arranjos de Oscar Castro Neves. Era o coroamento da carreira do compositor que se revelaria, a partir daí, também como cantor. Neste mesmo ano Billy lançou, pela voz de Silvio Caldas, uma música que certamente está entre as mais regravadas. “Pistom de Gafieira” recebeu durante os anos as vozes de Jorge Veiga, Moreira da Silva, Zeca Pagodinho, Toquinho, Marcelo D2, Jards Macalé, e vários outros que representam os mais variados estilos e gêneros da música brasileira.

“Lenço” (samba, 1971) – Monarco e Chico Santana
Em 1956, Monarco teve a sua primeira música lançada em disco pela voz do cantor Risadinha, que gravou “Vida de Rainha”, uma parceria com Alvaiade. Tempos depois, em 1971, chegou o primeiro sucesso de fato, com o registro de Paulinho da Viola para o samba “Lenço”, de Monarco e Chico Santana. A composição logo se tornou um dos grandes clássicos da obra de Monarco, com melodia inspirada e uma letra de desamor resignado, em que o protagonista desiste do sentimento para não sofrer mais. “Lenço” ganhou regravações de Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Leila Pinheiro e da Velha Guarda da Portela.

“Camarão Que Dorme a Onda Leva” (samba, 1981) – Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Beto Sem Braço
A renovação do samba carioca é creditada, em larga medida, ao bloco carnavalesco “Cacique de Ramos” e, sobretudo, à presença da madrinha Beth Carvalho, apontada de tal maneira pela maioria dos sambistas da nova geração. Não é por acaso. Em 1981, Beth revelou ao Brasil o compositor e cantor Zeca Pagodinho, quando o convidou para cantar em seu disco o samba “Camarão que dorme a onda leva”, parceria com Arlindo Cruz e o lendário Beto Sem Braço. Além do ditado presente no título, que expressa a necessidade de atenção, agilidade, esperteza e dedicação por parte do cidadão brasileiro, outros são apresentados na letra, entre eles “hoje é dia da caça, amanhã do caçador”, sobre o caráter cíclico da vida, e “não faça gato e sapato de mim”.

“Coração em Desalinho” (samba, 1986) – Monarco e Ratinho
Zeca Pagodinho foi descoberto pela madrinha do samba em uma de suas visitas ao Cacique de Ramos. Beth Carvalho gravou “Camarão que dorme a onda leva” e tornou-o conhecido em território nacional, o que o permitiu gravar seu primeiro disco. Foi em sua estreia como cantor, portanto, que Zeca apresentou ao Brasil, logo de cara, um dos maiores sucessos da carreira. “Coração em desalinho”, um samba lançado em 1986 é cria de Monarco e Ratinho. O primeiro, no entanto, aparece identificado nos créditos do álbum com o pseudônimo Diniz, seu sobrenome de batismo. A música serve de alento aos corações machucados, já que “quem canta seus males espanta…”, como diz o ditado. Regravada pelas cantoras Beth Carvalho, Mart’nália e Maria Rita.

“Quando Eu Contar, Iaiá” (samba, 1986) – Serginho Meriti e Beto Sem Braço
Serginho Meriti já gravou cinco discos, sendo que o mais recente é “A Luz do Nosso Povo”, lançado em 2005. No último disco de Maria Bethânia, “Noturno”, que chegou à praça em julho de 2021, ela apresentou “Cria da Comunidade”, inédita de Serginho Meriti e Xande de Pilares. Em 1986, ele alcançou enorme sucesso popular com o samba “Quando Eu Contar, Iaiá”, parceria com Beto Sem Braço, gravada por Zeca Pagodinho, Alcione, Sombrinha, Arlindo Cruz e pelo próprio Serginho, reforçando essa sua profunda identificação com o povo.

“Encanto da Paisagem” (samba, 1986) – Nelson Sargento
“Encanto da Paisagem” batizou o disco de Nelson Sargento de 1986, lançado pela Kuarup. Com uma cuíca em destaque, a música é uma declaração de Nelson ao lugar onde nasceu, com todas as suas belezas e circunstâncias: “Morro és o encanto da paisagem/ Suntuoso personagem/ De rudimentar beleza/ Morro, progresso lento e primário/ És imponente no cenário/ Inspiração da natureza”.

A música foi regravada por Zeca Pagodinho, no álbum “Vida da Minha Vida”, de 2010, em parceria com o próprio Nelson. Sempre fiel às origens, Nelson tornou-se presidente de honra da Mangueira em 2014, ao completar 90 anos. Outra paixão que ele fazia questão de frisar era pelo Clube de Regatas Vasco da Gama, seu time de coração, por influência do padrasto Alfredo Português. Mesmo nos momentos mais difíceis, Nelson nunca abandonou suas bandeiras.

“Verdade” (samba de roda, 1996) – Nelson Rufino e Carlinhos Santana
O historiador Luiz Antônio Simas, coautor do “Dicionário da História Social do Samba” (com Nei Lopes), elege “Deixa Clarear”, de 1996, entre os discos mais marcantes da trajetória de Zeca Pagodinho. “LP marcado pelo estrondoso sucesso de ‘Verdade’, samba de roda de Nelson Rufino e Carlinhos Santana. Mantendo o time que está ganhando, Zeca regrava um clássico da Velha Guarda da Portela: ‘Vivo Isolado do Mundo’, de Alcides Malandro Histórico. ‘Não Sou Mais Disso’, ‘Conflito’, ‘Dona Encrenca’ e ‘Jiló com Pimenta’ estão também nesse LP seminal da carreira do artista”, analisa Simas. Desde então, “Verdade” passou a ser peça obrigatória no repertório de sucessos de Zeca Pagodinho. “Descobri que te amo demais/ Descobri em você minha paz/ Descobri sem querer a vida/ Verdade”, dizem os primeiros versos deste samba.

“Vai Vadiar” (samba, 1998) – Monarco e Ratinho
Zeca Pagodinho já era um nome consagrado do Cacique de Ramos, apadrinhado por Beth Carvalho, quando, em 1992, lançou o disco “Um dos Poetas do Samba”, que o mostrava na capa ainda magrinho, no início de uma carreira de sucesso iniciada em 1983. “Essa faixa é dedicada à Velha Guarda da Portela e eu vou de carona nesse mi menor”, dizia Zeca na introdução do pot-pourri com “Quando Quiseres”, “Meu Tamborim” “Dá-me Um Sorriso” e “Vida de Fidalga”. Já em 1998, Zeca popularizou o samba “Vai Vadiar”, do portelense ilustre Monarco com Ratinho, parceiro de “Coração em Desalinho”.

“Samba do Approach” (samba, 1999) – Zeca Baleiro
Após ser revelado nacionalmente graças à participação no Acústico MTV de Gal Costa, em 1997, Zeca Baleiro gravou seu segundo disco. “Vô Imbolá”, de 1999, trazia, entre outras faixas, a irreverente “Samba do Approach”. A música contava com a participação especial de Zeca Pagodinho e, em ritmo acelerado, brincava com essa mania tão presente em nossa língua de importar palavras: “Eu tenho savoir-faire/ Meu temperamento é light/ Minha casa é hi-tech/ Toda hora rola um insight”. Ácida, sagaz, crítica e cômica, a letra de Baleiro deixa claro seu espírito inquieto, como espécie de herdeiro da Tropicália e dos “malditos” da nossa MPB.

“Deixa a Vida Me Levar” (samba, 2002) – Serginho Meriti e Eri do Cais
Sérgio Roberto Serafim, mais conhecido como Serginho Meriti, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 1º de outubro de 1958, no bairro de Madureira. Criado na cidade de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, adotou o nome artístico por essa razão. Filho de pai gaúcho e violonista e de mãe cantora e compositora de hinos religiosos, conviveu com a música desde cedo em sua casa. Parceiro de nomes importantes do samba, como Alcione, Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija-Flor e Arlindo Cruz, ele é autor de alguns dos maiores hinos do gênero, como “Deixa a Vida Me Levar”, parceria com Eri do Cais consagrada por Zeca Pagodinho.

“Samba É Saúde” (partido-alto, 2012) – Moisés Santiago, Alexandre Silva e Renan Pereira
Zeca Pagodinho é conhecido por conservar o modo de vida despojado e as amizades em Xerém, no Rio de Janeiro, onde o sambista se criou. E, também, por gravar e dar oportunidades a nomes da nova geração, como a madrinha Beth Carvalho fez com ele próprio. Em plena pandemia do novo coronavírus, Zeca declarou que a chegada de uma vacina “vai dar mais de 20 sambas”, e que ele tomaria a vacina “até duas vezes”. Em 2012, o companheiro Arlindo Cruz gravou o partido-alto “Samba É Saúde”, de Moisés Santiago, Alexandre Silva e Renan Pereira. Já em 2015, foi a vez de Zeca protagonizar uma dobradinha com Moisés, um dos autores. “Pro samba não tem vacina”, afirma um de seus versos.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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