Vassourinha teve trajetória meteórica e morreu no auge aos 19 anos

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Coisa estranha é o silêncio. A mente se torna como uma noite sem estrelas; mas de repente um meteoro desliza, esplêndido, atravessando a escuridão, e se extingue. Por essa diversão, nunca dizemos suficientemente obrigado.” Virginia Woolf

Nas noites paulistanas, já varando a madrugada, um motorista de táxi era o último alento dos bêbados inveterados para voltarem ao lar. Por conta dessa atividade, ficou conhecido como Vassoura, aquele que literalmente varria os boêmios pra casa. Quando apareceu um garoto de doze anos nos estúdios da recém-inaugurada Rádio Record, os presentes não tiveram dúvidas de que ele era filho do afamado Vassoura, dada a semelhança física, e logo o batizaram Vassourinha, prevendo um sucesso radiofônico que de fato aconteceu, mas durou pouco tempo. Nascido Mário de Almeida Ramos, filho de uma faxineira, o garoto se destacou pelo domínio do ritmo, a interpretação sincopada e a voz agradável, afinada, melódica, que encantou de Carmen Miranda a Chico Alves.

Seu estilo era herdeiro do de Luís Barbosa, vitimado pela tuberculose aos 28 anos, que lançou “Seu Libório”, samba-choro de João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, revivido por Vassourinha em 1941, quando ele atingiu a maioridade e pôde estrear em disco – ao todo, foram seis 78 rotações, totalizando 12 faixas em que se consagraram “Emília”, “Juracy” e “Amanhã Tem Baile”, resgatadas por cantores como Roberto Silva. A trajetória ascendente de Vassourinha, garoto negro, pobre, com poucas possibilidades, que venceu graças ao talento para a arte musical, acabou encontrando um final trágico. Depois de se apresentar com Isaurinha Garcia, Almirante e outros ases do samba, ele caiu de cama e passou quase dois meses internado, em agonia.

O diagnóstico nunca foi preciso. Vassourinha poderia estar com osteomielite, uma inflação nos ossos, ou tuberculose. O certo é que as noites de boemia, para um garoto de 19 anos e compleição frágil, que se alimentava mal e bebia muito, não ajudaram. O preço que Vassourinha pagou foi alto. O estrelato o levou a ser admirado por seus pares e a distribuir autógrafos sobre fotos em que aparecia com sorriso largo de criança, dentes separados e brilhantes, vez ou outra um chapéu de palha na cabeça, enquanto, por dentro, os ossos do corpo agonizavam. Era impossível, diante daquela imagem superficial de um garoto no esplendor do sucesso, imaginar que a doença se alastrava no corpo. No dia 3 de agosto de 1942, Vassourinha morreu aos 19 anos. Ficou o legado.

“Seu Libório” (samba, 1935) – Alberto Ribeiro e Braguinha
Nascido no bairro da Cidade Nova, no Rio de Janeiro, Alberto Ribeiro iniciou a carreira compondo músicas para o bloco carnavalesco “Só de Tanga”, do qual participava. Formado em medicina e especializado em homeopatia, ele conheceu, em 1935, João de Barro, o Braguinha, arquiteto que também tinha pretensões musicais. Juntos, eles musicaram o filme “Alô, Alô, Brasil”. Já como parceiros inseparáveis, compuseram, no mesmo ano “Seu Libório”, choro bem-humorado que seria lançado pelo cantor Vassourinha (1923-1942) em 1941. A letra, maliciosa, conta a história de Seu Libório, protagonista da canção que tem três vizinhas. Com a morte precoce de Vassourinha, aos 19 anos, a música foi resgatada por Roberto Silva em 1958 e ganhou a sua versão definitiva.

“Juracy” (samba-choro, 1941) – Ciro de Sousa e Antônio Almeida
Sílvio Caldas ficou injuriado com Ciro de Sousa quando ele deu o samba “Tenha Pena de Mim” para Aracy de Almeida. A música foi um sucesso absoluto no Carnaval de 1938. Depois do estouro com “Tenha Pena de Mim”, ele engatou mais dois sucessos radiofônicos no mesmo ano: “A Mulher Que Eu Gosto”, samba feito com o malandro Wilson Batista, gravado pelo xará Ciro Monteiro; e o choro “Juracy”, composição com Antônio Almeida que teve o privilégio de ser lançada por Vassourinha, cantor de trajetória meteórica e morte precoce, aos 19 anos.

“Emília” (samba, 1942) – Wilson Batista e Haroldo Lobo
No afamado Café Nice, Wilson Batista conheceu Erasmo Silva, com quem arquitetou um conjunto com as presenças de Lauro Paiva ao piano e de Roberto Moreno na percussão. Com a desfeita do grupo, permaneceram somente os dois primeiros, que passaram a se intitular “Dupla Verde e Amarelo”, participando, inclusive, de espetáculos na Argentina, Porto Alegre e com apresentações frequentes em São Paulo. Tempos depois, Wilson Batista escreveu com Haroldo Lobo uma música que versava sobre união desejosa de soberania. Um oportuno “café preparado” simbolizava a perfeição exaltada. Lançada por Vassourinha em 1942, foi regravada por Roberto Silva, com sucesso semelhante. Se encontrasse “Emília”, Wilson, certamente, cairia de amor a seus pés.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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