Taiguara foi o compositor mais censurado durante a ditadura militar

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo” Taiguara

Filho do bandoneonista gaúcho Ubirajara Silva e da cantora uruguaia Olga Chalar, o cantor Taiguara nasceu em Montevidéu, no Uruguai, no dia 9 de outubro de 1945, quando seus pais realizavam uma temporada de espetáculos no país sul-americano. Radicado no Brasil, Taiguara chegou a ser considerado o compositor mais censurado pela ditadura militar, que perdurou de 1964 a 1985, com 68 canções proibidas. Ao lado de artistas como Sérgio Ricardo e Gonzaguinha, ele jamais abandonou a militância política ligada à esquerda.

Em 1968, Taiguara venceu o Festival Universitário de MPB, com a música “Helena, Helena, Helena”, e, no mesmo ano, levou o festival “Brasil Canta no Rio”, com “Modinha”. Outro de seus sucessos foi “Hoje”, utilizada na trilha sonora do filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho. Taiguara morreu em 1996, aos 50 anos, vítima de câncer na bexiga. Entre seus sucessos também estão “Universo no Teu Corpo”, “Teu Sonho Não Acabou” e “Estrada Estreita”.

Claudya
Maria das Graças de Oliveira Rallo foi uma das primeiras a dar voz às composições de um uruguaio de sobrenome Chalar da Silva. Dito desta maneira fica difícil identificar que Claudya descobriu Taiguara. “Conheci o poeta Taiguara nos anos 1960, quando iniciava a minha carreira em São Paulo, na casa de outro grande compositor, Adylson Godoy, que nos apresentou. Fiquei encantada com a obra desse brilhante músico, arranjador, poeta e compositor”, afirma Claudya, sem poupar elogios.

Apesar do encantamento imediato, Claudya só conseguiu registrar uma composição de Taiguara “na década de 1970, na gravadora Odeon, quando compôs a belíssima ‘Memória Livre de Leila Diniz’”, em homenagem à atriz falecida num acidente de avião em 1972. Os dois chegaram a cantar a composição juntos, em 1989, na TV Manchete.

Claudya ainda homenagearia Taiguara em 1996, ano do falecimento do compositor, aos 50 anos, vítima de um câncer na bexiga. “Nos anos 90, tive a ideia de gravar um CD só com obras dele, pela antiga RGE, hoje Som livre. É um dos mais belos trabalhos da minha carreira”, afirma Claudya, em menção ao álbum intitulado simplesmente como “Claudia canta Taiguara”.

Leila Diniz
Carlos Drummond de Andrade a homenageou com poesia. Martinho da Vila, Erasmo Carlos, Rita Lee, Elton Medeiros, Paulo César Pinheiro, Carlinhos Vergueiro e Taiguara o fizeram em canções. Milton Nascimento se valeu de um delicado poema de Leila Diniz (1945-1972) para criar a música “Um Cafuné na Cabeça, Malandro, Eu Quero Até de Macaco”, título pinçado de um bordão da própria protagonista, e que ajuda a entender um pouco de sua personalidade.

Não bastasse isso, a histórica entrevista para “O Pasquim”, recheada de palavrões censurados e onde Leila pregava, principalmente, o “amor livre” e a “liberdade sexual da mulher”, gerou uma enérgica reação do regime militar em vigência, e a posterior censura da imprensa, quase na sequência dos acontecimentos ganhou, por razões óbvias e à boca pequena, o nome popular de “Decreto Leila Diniz”. Em 1972, após a morte de Leila, Taiguara interpretou, com a cantora Claudya, “Memória Livre de Leila Diniz”, ode delicada e sensível.

Marisa Gata Mansa
O apelido surgiu graças à voz suave e ao jeito sussurrado de falar. Isso aliado à languidez felina dos olhos que, não por acaso, apareciam juntos aos de um gato na capa do primeiro LP de Marisa Gata Mansa (1938-2003), quando seu nome artístico ainda era grafado com “z”: “A Suave Mariza”, de 1959.

Foi o jornalista Djalma Sampaio quem criou a alcunha para a cantora carioca que, em 1953, gravou a primeira música de João Gilberto, “Você Esteve com Meu Bem”, à época, seu namorado. Duas décadas depois, em 1973, a artista inspirou o pai da moçambicana Mariza a batizar sua primeira filha. “O meu pai era o maior fã da Marisa Gata Mansa, e daí veio o meu nome”, confirma a xará.

Eleita em 2003, pela BBC de Londres, como a melhor cantora da Europa, Mariza é fruto da união entre um português e uma moçambicana, e atualmente vive em Lisboa. Aos três anos, ela se mudou para Portugal com a família e, em 1996, durante seis meses, cantou em um navio de cruzeiros que passava por toda a costa do Nordeste antes de atracar na Bahia, aos domingos.

“A Bahia tem muito da África, eu sentia-me dentro do continente onde nasci”, conta a intérprete. Por sinal, outras coincidências aproximam Mariza da Gata Mansa do Rio. A brasileira foi casada com o pianista César Camargo Mariano, que mais tarde se tornou marido de Elis Regina, definida pela africana como “uma das melhores cantoras do mundo”. Em 1961, Marisa Gata Mansa dividiu um espetáculo com Taiguara e Caetano Veloso, em pleno João Sebastião Bar.

Claudette Soares
“Conhecer Taiguara foi maravilhoso!”, informa Claudette Soares. O encontro com o cantor e compositor aconteceu na década de 1960. “Foi durante o espetáculo que ele apresentava, o ‘Receita para Vinicius de Moraes’. Ele tinha uma coisa de ator, performática, e aí, um dia, o Miele e o Ronaldo Bôscoli foram assistir, de tanta insistência minha, e ficaram encantados, como eu já esperava”, garante Claudette. Com a ponte feita, os dois criaram o show “Primeiro Tempo 5×0”, ao lado do Jongo Trio, que depois virou um disco, celebradíssimo, lançado em 1966.

“Adoro dividir palco, nunca tive problema com ninguém, foi uma parceria divina”, diz Claudette, que relembra as primeiras músicas compostas por Taiguara para ela: “‘Hoje’, ‘Coisas’ e ‘Estrada Estreita’, só clássicos lindíssimos”, orgulha-se. “Graças a Deus tenho músicas que o pessoal nunca se esquece, sempre pede, como o ‘De Tanto Amor’ (de Roberto e Erasmo Carlos), Gonzaguinha, Taiguara, esse miolo é essencial, tem que ter sempre!”.

Por Um Amor Maior
Elis Regina ainda não havia se configurado como a estrela-maior da MPB quando gravou, em 1965, o LP “Samba – Eu Canto Assim”. No repertório, prevaleciam nomes ligados à tradição, como Vinicius de Moraes, Baden Powell, Edu Lobo, Francis Hime, Carlos Lyra e Dorival Caymmi. Das doze faixas, nada menos que quatro traziam a assinatura de Ruy Guerra. “Reza” e “Aleluia”, ambas com Edu Lobo, e “Último Canto” e “Por Um Amor Maior”, com Francis Hime. A última foi a que se destacou, recebendo, no ano seguinte, uma regravação cadenciada de Tito Madi, espécie de precursor da bossa nova. Também em 1966, Taiguara, um dos representantes da música de protesto do país, a reviveu no disco “1º Tempo: 5×0”, dividido com Claudette Soares e o Jongo Trio. Na abertura, Taiguara recita um poema que alude à ditadura militar.

Pra Você
É constrangedora a indiferença contemporânea em torno da obra do compositor Silvio César. Para quem não liga o nome à pessoa, o mineiro de Raul Soares, cidade na Zona da Mata, que consolidou a carreira no Rio de Janeiro, é o autor da clássica “Pra Você”, regravada por Nana Caymmi, Gal Costa, Angela Maria, Emílio Santiago, Taiguara, Zezé Motta, entre outros. A precisão dos versos sobre um amor idealizado ajuda a entender a perenidade da música: “Pra você eu guardei/ Um amor infinito/ Pra você procurei o lugar mais bonito/ Pra você eu sonhei o meu sonho de paz/ Pra você me guardei demais”, declara o eu lírico, que ao final apela à amada que ela retorne ao lar.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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