Maior sucesso de Jackson do Pandeiro inspirou conhecida banda de axé

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Ao ver o ritmo em que avanças,
Bela em solidão,
Dir-se-ia serpente que dança
Presa a um bastão.” Baudelaire

José Gomes Filho escolheu para si o nome artístico de Jackson do Pandeiro inspirado por Jack Perry, herói dos filmes de faroeste norte-americanos que ele idolatrava. Nascido em Alagoa Grande, no interior da Paraíba, ele veio ao mundo no dia 31 de agosto de 1919 para fazer barulho. Apesar da infância pobre e de não ter frequentado a escola, ele começou, desde cedo, a tomar gosto pela zabumba, por influência da mãe. Logo, trocou o instrumento pelo pandeiro e se consagrou como o Rei do Ritmo. Antes de morrer, no dia 10 de julho de 1982, aos 62 anos, vítima de uma embolia pulmonar agravada pelo diabetes, Jackson do Pandeiro gravou sucessos inesquecíveis para a música brasileira, casos de “Chiclete com Banana”, “O Canto da Ema” e “Sebastiana”.

“Pisei Num Despacho” (samba, 1947) – Geraldo Pereira e Elpídio Viana
No ano de 1947, Geraldo Pereira já desfrutava de certa imponência no meio do samba por conta de gravações recentes que obtiveram alta cota no gosto popular. Nesse mesmo ano, lançou outra delas, que versava sobre os infortúnios de um sujeito que atribuía isso ao fato de ter “pisado num despacho”. Geraldo Pereira falava na música, uma parceria com Elpídio Viana, sobre a gafieira, um dos ritmos que o ajudaram a inventar o famoso “samba de teleco-teco.” A música foi lançada por Ciro Monteiro e recebeu regravações de Roberto Silva, Jackson do Pandeiro e Zeca Pagodinho, renovando o sucesso.

“Sebastiana” (coco, 1953) – Rosil Cavalcanti
“Em ‘Sebastiana’, ele faz uma divisão diferente para cantar, deslocando a melodia da harmonia, de uma forma que me faz pensar em João Gilberto”, observa a pandeirista belo-horizontina Analu Braga, que descobriu as músicas de Jackson do Pandeiro em aulas de capoeira. Natural de Passos, no interior de Minas, Túlio Araújo garante que só toca pandeiro por causa do “ídolo explosivo, que é um dos pilares da nossa música”. “Ele foi o primeiro a colocar o ritmo em primeiro lugar”, diz. Em 1953, ao lançar o coco “Sebastiana”, de Rosil Cavalcanti, Jackson do Pandeiro se reencontrava com o parceiro com quem formou a dupla Café com Leite na década de 1940. Durante a apresentação da música, ele recebeu uma umbigada da companheira de palco e de vida Almira Castilho, que se tornou obrigatória e levou a plateia ao delírio.

“Forró em Limoeiro” (rojão, 1953) – Edgar Ferreira
Do outro lado do compacto que trazia “Sebastiana”, estava “Forró em Limoeiro”, outro grande sucesso de Jackson do Pandeiro. Composto por Edgar Ferreira, o rojão foi lançado por Jackson em 1953. A música, espirituosa, apresenta um forró onde “quem não tem peixeira briga no pé”. No meio desse quiproquó aparece a figura de Dona Zezé, mulher que briga com “cabra canalha”, puxa da navalha e entra no forró. “Forró em Limoeiro” confirmou o grande momento vivido por Jackson na música brasileira e foi regravada por João Bosco, Dominguinhos, Jorginho do Império e a banda Mastruz com Leite.

“Um a Um” (coco, 1954) – Edgar Ferreira
Quatro anos após o Maracanazo, episódio emblemático da história desportiva nacional, quando o Brasil perdeu de virada para o Uruguai a final da Copa do Mundo de 1950 em pleno Maracanã, Jackson do Pandeiro lançou uma música de temática futebolística, que rapidamente caiu no gosto do povo. “Um a Um”, coco de Edgar Ferreira, chegou às paradas de sucesso em 1954, com seus versos ligeiros e saborosos, interpretados com precisão por Jackson. “Esse jogo não é um a um/ Se o meu time perder tem zum-zum-zum/ Esse jogo não pode ser um a um/ O meu clube tem time de primeira/ Sua linha atacante é artilheira/ A linha média é tal qual uma barreira”. A música segue com sucesso.

“O Canto da Ema” (batuque, 1956) – João do Vale, Aires Viana e Alventino Cavalcanti
Embora apareça também creditada a Aires Viana e Alventino Cavalcanti, há um consenso entre os pesquisadores de que o grande mérito de “O Canto da Ema” pertence a João do Vale, compositor maranhense que teria outras músicas de sucesso gravadas por Chico Buarque, Dolores Duran, Tim Maia, Nara Leão e Maria Bethânia, como “Na Asa do Vento”, “Carcará”, “Coroné Antônio Bento” e “Pisa na Fulô”, entre outras. “O Canto da Ema” é um batuque que reúne todas as características da música simples, porém profundamente ligada às raízes, de João do Vale, e foi lançada por Jackson do Pandeiro em 1956, alcançando enorme sucesso. A bela letra tem como ponto de partida uma crendice popular.

“Chiclete com Banana” (samba, 1959) – Gordurinha e Almira Castilho
A essência da música “Chiclete com Banana” se assemelha à de “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente: exaltar as riquezas nacionais em detrimento da cada vez mais insistente influência norte-americana. Aparecem, nessas duas canções, a figura do Tio Sam, símbolo do imperialismo ianque. Composta por Gordurinha com Almira Castilho, a música foi lançada, em 1959, por Jackson do Pandeiro que, à época, era casado com Almira, e alcançou enorme sucesso. A bem-sacada mistura que dá título à canção encantou o dramaturgo Augusto Boal, que criou um espetáculo com esse mesmo nome, além de Angeli, que também criou uma série de tirinhas intitulada “Chiclete com Banana”. Para completar, a banda de axé comandada por Bell Marques também se valeu deste expressivo título. Já Gilberto Gil a regravou em 1972.

“Cantiga do Sapo” (baião, 1959) – Jackson do Pandeiro e Buco do Pandeiro
Jackson do Pandeiro uniu seu instrumento ao de Buco do Pandeiro para criar, em 1959, o divertido baião “Cantiga do Sapo”. A música se vale de um diálogo inspirado pelas quadrinhas populares, em que o interlocutor pergunta e o público responde. Na fábula dos compositores, é o sapo quem conversa com Tião para saber o valor do que se vende na quermesse. A letra também serve como exaltação ao modo de vida simples, no interior, da roça, próximo da natureza e dos animais. “Cantiga do Sapo” entrou imediatamente para o rol de sucessos de Jackson do Pandeiro e foi regravada por Zé Ramalho e Lenine.

“Como Tem Zé na Paraíba” (rojão, 1962) – Manezinho Araújo e Catulo de Paula
A gravação de Jackson do Pandeiro para “Como Tem Zé Na Paraíba” (“Vixe como tem Zé/ Zé de baixo, Zé de riba/ Desconjuro com tanto Zé/ Como tem Zé lá na Paraíba”), tornou-se tão emblemática que poucos associam o rojão a seus verdadeiros autores (no caso uma parceria de Manezinho Araújo com Catulo de Paula). “Desde sempre é assim, a maioria das pessoas não presta atenção no compositor, mas sim em quem canta, o próprio rádio tem por hábito dizer o nome do intérprete”, lamenta o compositor Geraldo Maia. Paraibano de Alagoa Grande que inventou o seu nome artístico inspirado por Jack Perry – ator de filmes de faroeste de quem ele era fã – Jackson do Pandeiro foi entronizado como o “Rei do Ritmo” da música brasileira e colecionou sucessos.

“Vou Ter Um Troço” (marchinha, 1962) – Arnô Provenzano, Otolindo Lopes e Jackson do Pandeiro
Do alto de um trio elétrico, os versos ecoam com força, carregados pelo coro dos foliões: “Garota você é uma gostosura/ Foi proibida pela censura/ Sai de perto de mim/ Olhar pra você eu não posso/ Me segura que eu vou ter um troço”. A cena retrata um episódio verídico. Presente no filme “Leila Diniz” (1987) traz Louise Cardoso no papel da protagonista, numa deliciosa versão do momento em que Leila foi eleita rainha da banda de Ipanema por Albino Pinheiro, vivido pelo ator Guilherme Karan. A marchinha entoada na ocasião recobrou sua atualidade dez anos depois de criada, quando o Brasil agonizava sob o jugo de uma ditadura militar. Mas a primeira vez que “Vou Ter Um Troço” chegou às rádios foi em 1962, portanto dois anos antes do golpe, pela voz de Jackson do Pandeiro, tornando-se um sucesso carnavalesco imediato.

“O Rei Pelé” (rojão, 1974) – Jackson do Pandeiro e Sebastião Batista
No ano de 1974, já fora da Seleção Brasileira, Pelé realizou os seus últimos jogos com a camisa do Santos, que defendeu com galhardia e habilidade. Ao todo, foram 1.116 jogos e 1.091 gols vestindo o manto do Peixe, sem contar as cinco conquistas consecutivas de Taça Brasil, de 1961 a 1965, só interrompidas pelo Cruzeiro de Tostão que, em 1966, aplicou uma goleada de 6 a 2 no time da Vila Belmiro e ficou com o caneco. Para completar, Pelé levantou com o Santos duas Libertadores da América, em 1962 e 1963. O currículo era mais do que suficiente para que Jackson do Pandeiro, torcedor do Treze da Paraíba, prestasse as reverências com o rojão “O Rei Pelé”, a parceria com Sebastião Batista de 1974.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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