“Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar” Vinicius de Moraes & Tom Jobim
Dispensa-se batuta para reger Nana Caymmi e Wagner Tiso. De mãos vazias e abanando o maestro limita-se a interferir no curso das horas com o pulsante coração.
Após breve explicação sobre o tempo da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, a história vem clássica como o martírio do leão para arrancar um pedaço de carne, ebola das tumbas Beethoven e tua surdez milenar, tão absoluta quanto absurdamente, rela.
O primeiro e quinto movimentos da 5ª Sinfonia dão à multidão a nítida impressão de dormirem os sonhos de um jardim livre de cercas ou arames farpados, onde os frutos amadurecem e caem, as flores despertam do sono profundo e os insetos gotejam em cócegas e sustos.
Logo longes longos cachos e tranças quedam e se enfiam por entre os dedos da platéia, em balsas e remos rijos e ondulatórios, oferta instrumental que mescla o erudito ao pop, imita uma banda de jazz com sotaque latino abrasileirado e permitindo-se a colocação, abrasa o ambiente.
O pianista entra mudo e vai calado. Wagner Tiso, mineiro postulante, só expressa a dor com o som grave e agudo do instrumento que lhe é alvoroço. Dali, pássaros escondidos fogem em revoada, migalhas de pães dormidos despencam e as pombas catam, pois até o boto lendário põe a cabeça pra fora da água, e recebe afago.
Estonteantes e pavonadas palmas, obedientes ao toque do dono da batuta sem tê-la, principiam a entrada da mais aguardada. A dama-da-noite demora, vem calma, acelera os batimentos cardíacos dos que ansiosos aguardam tremendo no encosto da cadeira. É a recepção da rainha pelos bobos da corte, felizes como alegria besta em dia de fartura.
Nana Caymmi reluz alva, mesmo com o vestido preto, vagarosa contando os passos, chegou a promessa infinda, dita inalcançável. E é inalcançável a fé, e interna, e eterna, que transborda, fria e morta, como fantasma atrás da porta: o misto de comoção e desespero – não é medível que algo tão arrebatador exista.
A filha de Dorival Caymmi, ainda uma menina que ao apertar forte o coração de pano da boneca chora, suspira, reprime o grito, atiça, soluça o peito, viça a terra, o gado, o medo, a água, as entranhas, os fios na teia da aranha, as veias latejantes do pescoço, o humano mais medroso, ninguém escapole.
Bulindo e bolinando, expondo a lágrima e o desencanto, Nana acalanta a transição do tempo e a resposta, a rebelião da poesia e a prosa, a lente que distancia e a saudade que reage com troça, valsas e valises, balizas e barcos, o excesso e o parco, no canto que é dela uma infinidade: “Eu sei que vou te amar”; “Você não sabe amar”; “Resposta ao Tempo”; “Marina”; “Rosa”; “Se queres saber”; “Não se esqueça de mim”; “Só louco”; “Sem poupar coração”.
Bisa dois sucessos. Recebe os buquês, e despede-se sorridente.
Raphael Vidigal
6 Comentários
Lindo…linda Nana…..
a profundidade dos posts do site me inspiram!
“dormirem os sonhos de um jardim livre de cercas ou arames farpados, onde os frutos amadurecem e caem, as flores despertam do sono profundo e os insetos gotejam em cócegas e sustos”.
“Bulindo e bolinando, expondo a lágrima e o desencanto, Nana acalanta a transição do tempo e a resposta, a rebelião da poesia e a prosa, a lente que distancia e a saudade que reage com troça, valsas e valises, balizas e barcos, o excesso e o parco, no canto que é dela uma infinidade: “Eu sei que vou te amar”.
MARAVILHOSO! Sem mais! =)
Nana Caymmi dá o ar da graça na minha semana Milton Nascimento… culpa do Esquina Musical!!!
A paz que esta voz transmite é algo inesplicavel……………
Meus agradecimentos a todos que comentaram. E obrigado pela presença no site! Voltem sempre! Abraços