“Moça, olha só, o que eu te escrevi
É preciso força pra sonhar e perceber
Que a estrada vai além do que se vê” Marcelo Camelo
Não, não fui eu quem assisti ao mesmo show do Los Hermanos que você. O que vi foi outro. Cada qual lunática lente lírica. Naquela minha adolescência, eu divulgava minhas longas tranças Rapunzel, presas por uma bandana verde-água, Cazuza estampava a frente da camisa de igual coloração.
Os olhos, como duas persianas repuxadas, eram esteiras que teimavam moles em ojeriza ao esgoto claustrofóbico. Era preciso força para se manter alerta, no meio de toda a confusão limitável da vida do palhaço da lagartixa. Espelhos recorrentes numa lousa de hastes.
Foram só eles a entrar em cena, e todo o bafafá reduziu-se ao espaço duma mosca a zumbir no ouvido do elefante. Reconstituí lanças e dardos, garrafas plásticas sendo jogadas no ar, cadeiras no chão, uma belíssima demonstração de desapego e loucura entre bêbedos, serpentes, grãos.
Músicas só nos esgueiram de quarteirão, pois na estrada já havíamos passado de solavanco, aos trevos e cerrados, cachaça de bolso, amizade em guardanapo de mesa de bar, boteco sujo, abraço gostoso. Não apenas rebelião dos bons como maus, cristalizava a aura do açúcar no mel de meio-dia.
Se uma flor nasceu em nós, não no peito, nem na câimbra, repetida insistência de dolorosas guaridas, mas na ponta do nariz, foi no cerne de sermos crianças, pulação de carnaval, inocência e miséria refletidas numa poça tão reduzidinha que nem cal bem me quer a cigarra e a formiga dão as mãos as antenas a ciranda de pé roda roda gira.
Noite, Rodrigo Amarante almeja o vôo da garça desengonçada e delirante (um charme), Marcelo Camelo contraria as expectativas de seriedade, assoreia o lago negro insurgente, condensação de laço e fita onde um girassol amarelo propõe o enfeite do vestido da menina.
Mesma menina disputam os rapazes, os algozes, vorazes, salientes, em busca em fusca em lusco-fusco suicida: os instantes de migalha oferecidos ao perdão da esquina: surpreendente, inesperado, sorvete de creme ou baunilha, tanto faz, importa que eles voltaram, hoje, sempre, outrodia. Quando acreditava em acreditar.
Raphael Vidigal
6 Comentários
ARRASOU Vidi!!!! Bruno, olha os textos deste cara!!
Foi como reviver uma lembrança…
Perfeito Raphael Vidigal!
Certamente voltaremos. Texto muito bem escrito e de um bom gosto sem comparação. Aguardamos coisas novas!
Abb, 😀
ah… que saudade!!!
Muito obrigado a todos pelas palavras. Voltem sempre ao site! Abraços