*por Raphael Vidigal Aroeira
“Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício.” Clarice Lispector
Não deixa de ser irônica a constatação de que, apresentado como cantor e compositor, poucas pessoas conhecessem, de fato, a obra ou alguma música do carioca Serguei (1933-2019). O envolvimento amoroso com Janis Joplin, a propalada fama de pansexual, o uso de substâncias alucinógenas de todo tipo e a autopromoção como uma lenda viva do rock sempre estiveram à frente das demais questões. Mas não foi por acaso que a personalidade exuberante de Serguei sopesou a carreira artística.
Não que Serguei não tenha procurado o sucesso comercial. “As Alucinações de Serguei” acena para os ídolos da Jovem Guarda, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. “Rolava Bethânia” já aparece como uma tresloucada homenagem a variados personagens controversos da música brasileira, passando por Lobão, Cazuza e Angela Ro Ro. “Pegue Zé” é um forró lançado quando o polêmico Carlos Imperial distribuiu na imprensa a notícia mentirosa de que os Beatles tinham gravado “Asa Branca”.
Sem grandes dotes vocais, o músico apostou na chamada arte performática, e gravou apenas dois discos em toda a trajetória, combinados com compactos dispersos nas décadas de 60, 70, 80, 90 e 2000. A despeito disso, o intérprete conseguiu alguns feitos, como, por exemplo, gravar uma música cuja letra foi escrita, a pedido seu, por Ney Matogrosso, algo único. “Lindo Anjo” foi usada como trilha do documentário “Serguei: O Último Psicodélico”, na cena onde o protagonista pratica sexo oral em outro homem.
Uma das melhores versões de Serguei veio com o samba meio rock “Devagar Também É Pressa”. Acreditando nos princípios do movimento hippie, o artista se refugiou na cidade de Saquarema, interior do Rio de Janeiro, onde criou um “Museu do Rock” particular. A miséria financeira que Serguei enfrentou no final da vida talvez tenha sido apenas uma das consequências da maneira com que ele lidava com a liberdade, que, com o tempo, passou a ser cada vez mais entendida como exotismo. Algo revelador.