Sérgio Cabral teve músicas gravadas por Martinho da Vila e Elza Soares

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Porque a realidade do mundo é pelo avesso, sem honrosas exceções.” Millôr Fernandes

Sérgio Cabral nasceu no Rio de Janeiro, no dia 27 de maio de 1937, no bairro de Cascadura, e morreu neste domingo, 14 de julho, aos 87 anos, vítima de enfisema pulmonar, após enfrentar uma batalha contra o Mal de Alzheimer. Órfão de pai aos quatro anos de idade, ingressou no jornalismo em 1957, como repórter policial do Diário da Noite. Com o golpe militar, participou da criação do histórico jornal O Pasquim, ao lado de nomes como Jaguar, Ziraldo e Tarso de Castro, o que o levou a ser preso por um período. A partir da década de 1970, investiu na carreira de produtor musical e intensificou sua relação com a música, ao mesmo tempo em que compunha com Rildo Hora canções gravadas por Martinho da Vila, Elza Soares e Eliana Pittman. Sérgio também atuou como biógrafo e historiador da música popular brasileira.

“Nega do Peito” (samba, 1974) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
A prolífica parceria entre o jornalista Sérgio Cabral e o multi-instrumentista Rildo Hora começou em 1973, quando a cantora Maria Creuza lançou a bonita canção “Janelas Azuis”, no disco “Eu Disse Adeus”. A partir de então, a dupla enfileirou dezenas de músicas, em que Cabral contribuía com a letra e Rildo Hora dava conta da parte musical, incluindo arranjo, harmonia e melodia. Em 1974, os dois compuseram o samba “Nega do Peito”, lançada em compacto pelo cantor Roberto Ribeiro e regravada pelo Conjunto Nosso Samba, Genaro & o Grupo Favela, Os Caretas e, já mais recentemente, por Leandro Sapucahy.

“Visgo de Jaca” (samba, 1974) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
A melodia sinuosa de “Visgo de Jaca” é um desafio para qualquer letrista, que Sérgio Cabral soube enfrentar com jogo de cintura, lançando mão de expressões espertas e alusões à nossa brasilidade, prenhe de ditados. O título é uma referência à cola que se depreende da jaca, fruta da Índia muito comum no Brasil, em razão de seu mel excessivo. Esse samba diferenciado foi lançado, em 1974, por Martinho da Vila, no disco “Canta, Canta Minha Gente”, com icônica capa desenhada por Elifas Andreato, e recebeu regravações de Céu, do Tamba Trio e do próprio Rildo Hora, em uma bela versão instrumental.

“Andando de Banda” (samba, 1975) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Há sempre a dúvida acerca de canções que permanecem atuais. O fato decorre da qualidade intrínseca do discurso ou do fato de que o mundo parou no tempo e não avançou? Essa mistura de impressões se confunde quando a gente se depara, novamente, com o samba “Andando de Banda”, lançado por Martinho da Vila em 1975. Diz a abertura: “E ontem deu no jornal/ Que a cachaça aumentou/ Tiraram o bosque de lá/ Um prédio se levantou/ Agora o sonho acabou/ E a banda não vai tocar/ Tá todo mundo no bate-rebate”. Esse samba, com a crítica social, é outra contribuição de Sérgio Cabral e Rildo Hora.

“Os Meninos da Mangueira” (samba, 1975) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Sérgio Cabral uniu duas de suas paixões para criar a letra de “Os Meninos da Mangueira”, uma parceria com o instrumentista Rildo Hora. Dessa maneira, música brasileira e história se encontram nos versos que homenageiam as grandes figuras da escola, como Cartola e Carlos Cachaça. A canção foi lançada, em 1975, pelo cantor Ataulfo Júnior, filho de Ataulfo Alves. Dado o seu incrível sucesso, recebeu 12 regravações no mesmo ano, dentre elas as de Eliana Pittman e Jair Rodrigues. Depois, continuaria a ser cantada por Alcione, Sandra de Sá, e outros: “A velha guarda se une aos meninos lá na passarela”.

“Prezado Amigo” (choro, 1976) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Ouvir Elizeth Cardoso (1920-1990), principalmente em seus primeiros registros, nos lembra de um tempo em que qualquer disquinho de música brasileira contava com uma orquestra de dar gosto. Claro que a Divina, epíteto dado pelo compositor Haroldo Costa, estava longe de ser diminuta. Em 1982, Elizeth recobrou toda a grandiosidade do choro “Prezado Amigo”, de Sérgio Cabral e Rildo Hora, já lançado com classe por Elza Soares, no ano de 1977, e Sônia Lemos, que a apresentou a todo o Brasil no ano anterior. E Rildo Hora também concedeu uma versão instrumental para essa bela canção acerca da amizade.

“Quincas Berro D’Água” (MPB, 1976) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Em 1959, Jorge Amado, um dos cânones da literatura brasileira, publicou o romance “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”, que logo se tornou mais um clássico do escritor baiano. A obra mereceu diversas adaptações, incluindo uma canção inspirada em seu protagonista, composta por Sérgio Cabral e Rildo Hora. Coube à cantora Eliana Pittman, então identificada com o ritmo paraense do carimbó, lança-la em 1976, no disco em que surgia na capa no esplendor de sua beleza e juventude, com badulaques pra lá de coloridos. Os primeiros versos puxam a orelha de Quincas, habituado a porres cotidianos.

“Compositor” (samba, 1977) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Você já ouviu a voz que toma corpo? Da favela vem magra, faminta, intacta e assim permanece. Carrega a cabeça uma lata d’água e nas mãos uma prece, que se estende aos quadris da mulata assanhada, sobe pelas paredes. E alcança no céu um Ary Barroso e um Louis Armstrong. É a mistura sem jeito, sem tato, aos barrancos, mancando ao sapato um tamanco de barro, suor e pilão. Chame de bossa negra, suingue, jazz, funk ou samba na avenida. Ela apenas destila o que chama de corpo é a voz que arrepia: Elza Soares da vida. Toda a força da cantora surge em “Compositor”, de Sérgio Cabral e Rildo Hora.

“Parece Que Foi Ontem” (bolero, 1977) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Nelson Gonçalves era um homem vaidoso, a ponto de dizer que ele mesmo se emocionava com as próprias interpretações. Nascido em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, o homem de voz potente, charmosa e grave acumulou polêmicas, quedas e reerguimentos ao longo de 78 anos de vida, a maior parte deles dedicados à música. Recordista de gravações da música brasileira, Nelson recebeu um prêmio da RCA-Victor por ter ficado 55 anos na gravadora. Além dele, só Elvis Presley obteve tal feito. Em 1977, Nelson lançou o bolero, meio samba-canção, “Parece Que Foi Ontem”, feito sob medida para ele por Sérgio Cabral e Rildo Hora, em mais um acerto dessa dupla de talento.

“Espraiado” (valsa, 1978) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Maria Creuza nasceu em Esplanada, na Bahia, no dia 26 de fevereiro de 1944. Ainda criança, mudou-se com a família para a capital, Salvador, onde conheceu o seu futuro marido, Antônio Carlos, da dupla com Jocafi. A dupla, aliás, concedeu a Maria Creuza um dos maiores sucessos de sua carreira, “Você Abusou”, que ela lançou em 1972. Depois, ela voltou ao topo das paradas com “Otália da Bahia”, mais uma parceria de Antônio Carlos & Jocafi, lançada pela cantora em 1976. Outro êxito foi com a valsa de rara beleza “Espraiado”, uma parceria de Sérgio Cabral e Rildo Hora, lançada no ano 1978.

“Instinto” (samba, 1982) – Sérgio Cabral e Wilson Moreira
Uma das maiores cantoras da música brasileira, Beth Carvalho ficou conhecida como “A Madrinha do Samba”, por seu envolvimento com o gênero e a descoberta de nomes do quilate de Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz, dentre outros. Entre os maiores sucessos de sua carreira destacam-se “Camarão Que Dorme a Onda Leva”, “Vou Festejar”, “Coisinha do Pai”, “Andança”, “Folhas Secas”, “1.800 Colinas”, e etc. No ano de 1982, ela lançou o samba “Instinto”, parceria de Sérgio Cabral e Wilson Moreira, que narra uma fracassada relação de amor. Samba com pinta carioca.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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