Samba que demorou 15 anos para ser lançado homenageia Dolores Duran

“Eu me fecho em meu mundo
Na procura indireta
De talvez algum consolo
Uma flecha que não cega” Raphael Vidigal Aroeira & André Figueiredo

Ao final da página, o poeta anotou os seguintes versos, que serviriam de indicações para o músico: “Samba-canção. Dor de cotovelo. Cartola. Fossa”. O samba “Ouvi Dolores” demorou cerca de 15 anos para ficar pronto. Em 2009, quando o jornalista Raphael Vidigal Aroeira entregou a letra para André Figueiredo, a melodia rapidamente foi criada ao violão. Apesar disso, o tempo para maturação se prolongou além das expectativas iniciais. Só agora, em 2024, a versão definitiva da canção ganha o mundo.

Compositor da melodia, André Figueiredo estreia soltando a voz, além de empunhar o violão, e realiza um delicado dueto com a cantora Luisa Doné, em uma participação mais do que especial. A produção musical ficou a cargo de Ariston Espagnolo. A relação dos envolvidos, que tem a música como norte, não começou agora. Em 2021, Luisa participou da faixa “Arco-Íris”, de Ed Nasque e Raphael Vidigal, gravada no álbum “Interior”. Ela e Ariston são casados. Já André Figueiredo e Vidigal são parceiros em várias letras do projeto musical “Waldir Silva em Letra & Música”, lançado em 2016. A arte da faixa é de Inácio Mariani, que realizou a colagem, com foto de Dolores Duran.

Enredo. O título de “Ouvi Dolores” faz referência direta a Dolores Duran (1930-1959), pioneira compositora e ícone do samba-canção que teve a vida interrompida precocemente, aos 29 anos, após sofrer uma parada cardíaca. A artista se consagrou graças a clássicos da música popular brasileira, como “A Noite do Meu Bem”, “Por Causa de Você”, “Castigo”, “Fim de Caso”, entre outras, embebidas numa espécie de lirismo melancólico que comparece nessa canção-homenagem de Figueiredo e Vidigal.

Mas, apesar dessa característica explícita, o encontro da artista com a composição em destaque acontece de relance. Há a narrativa de um fim de caso, tema predileto da obra de Dolores Duran, na perspectiva de quem se desiludiu com o amor, em um tempo indefinido onde a lembrança é reacendida através de uma música que toca no rádio, promovendo esse diálogo em que os acontecimentos se sobrepõem para o eu lírico. Ou seja, passado e presente confluem pondo em dúvida a duração da promessa.

Criação. Nesse sentido, “Ouvi Dolores” conversa com uma certa tradição da MPB, no mesmo instante em que a contesta, ao não apresentar, exatamente, um refrão. Ariston Espagnolo procurou criar diferentes climas para a faixa, que se inicia com um som radiofônico e os ruídos típicos da nostalgia, antes que a voz exuberante de Luisa interrompa a introspecção do canto de Figueiredo com a amplitude de sua abertura, finalizando no bonito dueto, em que a harmonia do canto opõe-se ao desenlace lírico… 

Ouvi Dolores
(Raphael Vidigal Aroeira e André Figueiredo)

É inútil tentar compreender 
Não há nada que faça esquecer 
O cigarro, o trato, o abraço
O primeiro foi bom
Fez sofrer 

Ouvi no rádio Dolores Duran
E eu entendi 
Que dores duram
Bem mais que amores
Daí eu parti

O sonho não deu certo
Se a gente chegou perto
Foi do fundo
Do poço
Nosso romance foi um esboço
Do que poderia ter sido
Quem sabe algum dia
Um amor profundo
Mas meu ego vagabundo
Acabou com o que havia
De beleza e prazer

Hoje em dia ao te ver
Sinto pena sem querer
Eu me fecho em meu mundo
Na procura indireta
De talvez algum consolo
Uma flecha que não cega 

Ouvi no rádio Dolores Duran

Ficha técnica
André Figueiredo (melodia, voz e violão); Luisa Doné (voz); Ariston Espagnolo (produção musical e fotos de divulgação); Inácio Mariani (arte); Raphael Vidigal (letra)

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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