Rosinha de Valença foi mestre do violão e participou de discos emblemáticos

*por Raphael Vidigal Aroeira

“O que eu quero é apertar em meus braços a beleza que ainda não veio ao mundo.” James Joyce

“Canta, Canta, Minha Gente”, de Martinho da Vila; “Sorriso Negro”, de Dona Ivone Lara; “Bandido”, de Ney Matogrosso; e “Álibi”, de Maria Bethânia, são discos emblemáticos da música brasileira. Diversos entre si, eles trazem a marca em comum da presença de Rosinha de Valença – nascida há 80 anos, no dia 30 de julho –, que passeou com desenvoltura pelo samba, a bossa, o pop, a música sertaneja e a MPB. Violonista, arranjadora, compositora, cantora e produtora, Rosinha nasceu em Valença, no interior do Rio, o que lhe rendeu o nome artístico, cunhado pelo jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, porque, segundo ele, o som que ela produzia valia “por uma cidade inteira”.

Trajetória. Instrumentista pioneira em um universo dominado pelo machismo típico da sociedade brasileira, Rosinha teve o desprazer de ser relegada às sombras ainda em vida, e o silêncio ensurdecedor sobre sua obra não é menor hoje do que era em 1980, quando ela se mudou para a França em busca de oportunidades à altura de seu talento. Quando voltou ao Brasil para passar férias, ela sofreu uma parada cardíaca que a deixou em estado vegetativo por mais de uma década. Remedando os próprios algozes a seu respeito, Rosinha também passou a ficar em silêncio. Ela tinha 50 anos ao entrar em coma, e 62 quando sua morte foi declarada pelos médicos.

A estreia no mercado fonográfico se deu com o LP “Apresentando Rosinha de Valença”, pelo selo da Elenco, com suas históricas capas produzidas por César Villela, reconhecíveis ao primeiro olhar. No repertório, temas de domínio público, como “Atirei o Pau no Gato”, clássicos da música brasileira, caso de “Com Que Roupa”, de Noel Rosa, e “Consolação”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, representando a emergente bossa nova. O ano, 1964, quando a ditadura militar se instalava no Brasil para permanecer durante vinte anos.

Estilo. A maneira singular, perfeccionista e suingada de tocar o violão levou a comparações com Baden Powell, de quem Rosinha seria o modelo feminino, mas é redutor considerar que ela fosse apenas um “Baden de saias”. Rosinha tinha acento único: ao executar, produzir e compor. Além de apurado tino musical. Foi graças a ela que Maria Bethânia conheceu “Sonho Meu”, em um sarau organizado para apresentar as canções de Dona Ivone Lara.

Em “Cheiro de Mato”, LP produzido pelo amigo Martinho da Vila, em 1976, ela se dedica à música caipira com o rigor de uma erudita, eliminando as possíveis distâncias entre elas, como comprova a autoral e singela “Madrinha Lua”. Empunhando seu violão, Rosinha tocou com João Donato, Sérgio Mendes, Stan Getz, Sivuca, Sarah Vaughan, Elis Regina, entre outros. Ela mesma vaticinava, em 1987: “Os homens não admitem que uma mulher possa tocar igual ou melhor que eles”. Pois o melhor é ouvir Rosinha de Valença.

Publicado originalmente no portal da Rádio Itatiaia em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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