Relembre sucessos de Zé Ramalho, que compôs choro-baião com mineiros

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Eu desço dessa solidão
Espalho coisas sobre um chão de giz
Há meros devaneios tolos a me torturar” Zé Ramalho

José Ramalho Neto, mais conhecido como Zé Ramalho, nasceu em Brejo do Cruz, interior da Paraíba, no dia 3 de outubro de 1949. Primo da também cantora Elba Ramalho, ele é filho de uma professora com um seresteiro. Antes de começar a compor, Zé Ramalho escrevia versos de cordel. Essa influência ainda é visível em sua música, que reúne também doses de misticismo e astrologia com um olhar aguçado para a vida urbana, o que resulta em uma mistura única na música brasileira.

Não há nada parecido com Zé Ramalho no nosso cancioneiro, cantor de estilo único e facilmente reconhecível. Em 1975, ele estreou em disco com Lula Côrtes. Mas foi em 1978, que Zé Ramalho estourou na música brasileira, com sucessos como “Chão de Giz”, “Avôhai”, “Vila do Sossego”, “Bicho de Sete Cabeças”, e outros. Com o mineiro Waldir Silva, ele compôs “Paraibeiro”, choro-baião gravado pela cantora Luana Aires.

“Asa Branca” (toada, 1947) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
“Asa Branca” é considerada a música brasileira mais conhecida do país, um clássico absoluto. Originária de um tema folclórico que versa sobre uma pomba brava que foge do sertão ao pressentir os sinais da seca, essa toada foi desenvolvida por Luiz Gonzaga, que a conhecia desde a infância através da sanfona do pai. O “Rei do Baião” pediu ao parceiro Humberto Teixeira para criar uma letra, e incluiu melhoras na melodia, para satisfazer uma comadre que gostaria muito de vê-la gravada. O primeiro registro data de 1947. Depois, ela recebeu inúmeras regravações, sendo reconhecida no Brasil e no exterior. Nos anos 1960, o polêmico produtor Carlos Imperial até espalhou um boato de que ela teria sido gravada pelos Beatles. Mas quem a regravou foi Zé Ramalho.

“O Canto da Ema” (batuque, 1956) – João do Vale, Aires Viana e Alventino Cavalcanti
Embora apareça também creditada a Aires Viana e Alventino Cavalcanti, há um consenso entre os pesquisadores de que o grande mérito de “O Canto da Ema” pertence a João do Vale, compositor maranhense que teria outras músicas de sucesso gravadas por Chico Buarque, Dolores Duran, Tim Maia, Nara Leão e Maria Bethânia, como “Na Asa do Vento”, “Carcará”, “Coroné Antônio Bento” e “Pisa na Fulô”, entre outras. “O Canto da Ema” é um batuque que reúne todas as características da música simples, porém profundamente ligada às raízes, de João do Vale, e foi lançada por Jackson do Pandeiro em 1956, alcançando enorme sucesso. A bela letra tem como ponto de partida uma crendice popular. E Zé Ramalho a regravou no álbum em homenagem a Jackson do Pandeiro.

“Cantiga do Sapo” (baião, 1959) – Jackson do Pandeiro e Buco do Pandeiro
Jackson do Pandeiro uniu seu instrumento ao de Buco do Pandeiro para criar, em 1959, o divertido baião “Cantiga do Sapo”. A música se vale de um diálogo inspirado pelas quadrinhas populares, em que o interlocutor pergunta e o público responde. Na fábula dos compositores, é o sapo quem conversa com Tião para saber o valor do que se vende na quermesse. A letra também serve como exaltação ao modo de vida simples, no interior, da roça, próximo da natureza e dos animais. “Cantiga do Sapo” entrou imediatamente para o rol de sucessos de Jackson do Pandeiro e foi regravada por Zé Ramalho e Lenine.

“Eu Vou Pra Lua” (baião, 1962) – Ary Lobo e Luiz de França
Nascido em Belém do Pará, Ary Lobo morreu cedo, uma semana depois de completar 50 anos, vítima de câncer. Na ocasião, ele morava em Fortaleza e foi enterrado como indigente após gastar todo o dinheiro que tinha no tratamento contra a doença. O final melancólico, no ostracismo, em nada lembrava o cantor de cocos, rojões, xotes, baiões, arrasta-pés e até boleros que alcançou fama e sucesso no Rio de Janeiro dos anos 1960, quando a cidade era a grande meca cultural do país. Já com o nome forte na praça, o álbum de 1962 foi batizado apenas como “Ary Lobo”, e trouxe a invocada “Eu Vou Pra Lua”, no rastro do êxito da outra composição galáctica. “Ninguém acredita na política/ Onde o povo só vive em agonia”, ensinava. A música ganhou registro de Zé Ramalho no ano 2000, para o disco “Nação Nordestina”.

“Disparada” (moda de viola, 1966) – Geraldo Vandré e Theo de Barros
Em 1966, no auge da popularidade, Jair Rodrigues foi convidado pelo paraibano Geraldo Vandré e pelo carioca Theo de Barros para defender a parceria dos dois no Festival da Canção daquele ano. Com uma temática rústica e engajada, e, segundo os próprios autores, centrada “no folclore da região centro-sul do Brasil e nas raízes da catira do chapéu de couro”, a moda de viola “Disparada” entusiasmou a plateia, que bradou empolgada os versos direcionados contra a ditadura. Para garantir maior rusticidade à apresentação, o percussionista Airto Moreira utilizou uma queixada de burro como instrumento. A interpretação lancinante de Jair Rodrigues contribuiu para elevar “Disparada” ao primeiro lugar, empatada com “A Banda” de Chique Buarque, aclamada pelo júri, mas menos querida pela plateia presente na apresentação. Zé Ramalho a gravou em medley com “Fica Mal Com Deus”, outra de Vandré.

“Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” (rasqueado, 1968) – Geraldo Vandré
Uma das canções brasileiras mais representativas de todos os tempos, “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores” já nasceu controversa. O hino contra a repressão composto pelo paraibano Geraldo Vandré, no auge da ditadura militar no Brasil, em 1968, insuflou os espectadores presentes ao Maracanãzinho no III Festival Internacional da Canção e despertou a ira dos militares. O público aplaudiu com volúpia e intensidade e exigiu que a música, na definição do autor “um rasqueado de beira de praia”, vencesse o concurso. No entanto, o júri resolveu premiar “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, incessantemente vaiada após o anúncio. Definida pelo general Luís de França Oliveira, secretário de Segurança da Guanabara, como “subversiva e com cadência do tipo Mao Tsé-Tung”, referência ao líder da ditadura comunista na China, a canção que rendeu a Vandré sucesso e adoração popular serviu também como artifício pra exilá-lo no Chile e, em seguida, ir ao Peru e Argélia. Zé Ramalho a regravou no álbum “Nação Nordestina”, uma bela homenagem.

“Metamorfose Ambulante” (rock, 1973) – Raul Seixas
Raul Seixas é um artista iminentemente político, e, talvez por esse poder de transformação associado à sua figura, tenha permanecido com tanta força como uma personagem popular e lendária. Depois de lançar vivas e efetivamente fundar os preceitos de uma Sociedade Alternativa, além de pregar ensinamentos cósmicos e de rebeldia, o “Maluco Beleza” lançou, em 1987, as suas considerações sobre assumir um cargo público. Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com o escritor Paulo Coelho. O baiano Raul Seixas, que sempre gostou de mesclar o rock a ritmos brasileiros, e idolatrava tanto Elvis Presley quanto Luiz Gonzaga, também entrou na onda do duplo sentido. Tudo isso prova que ele era uma “Metamorfose Ambulante”, como cantou em 73. Zé Ramalho regravou.

“Avôhai” (MPB, 1977) – Zé Ramalho
Filho de uma professora e de um seresteiro, Zé Ramalho perdeu o pai aos dois anos, quando ele se afogou em uma represa. Com isso, passou a ser criado pelo avô. Essa relação foi homenageada pelo compositor numa de suas músicas mais emblemáticas, místicas e misteriosas. “Avôhai” surgiu durante uma experiência de Zé Ramalho com cogumelos alucinógenos e, segundo ele, chegou de uma única vez. Em 1977, a canção foi gravada pela cantora Vanusa. Com várias referências à sua criação, o músico revela a união das palavras que formam o título da canção no verso: “Avôhai/ Avô e pai”. O próprio Zé Ramalho deu a sua versão para a música no ano seguinte ao lançamento.

“Chão de Giz” (canção, 1978) – Zé Ramalho
Tornar uma música que fala de Freud, grão-vizir e colibri num dos maiores sucessos da música brasileira não é pra qualquer um. Pra isto, só mesmo o talento de Zé Ramalho, capaz de emoldurar uma letra aparentemente sem sentido e complexa em uma melodia que conquista todos os gostos. “Chão de Giz” chegou ao mercado em 1978, no disco de estreia do compositor. A música nasceu de um relacionamento de Zé Ramalho com uma mulher mais velha, casada com um homem influente e poderoso de João Pessoa, na Paraíba, o que explica as referências ao sexo, como no verso que fala em camisa de Vênus. “Chão de Giz” ganhou versão de Elba, prima de Zé Ramalho, em 1996.

“Vila do Sossego” (MPB, 1978) – Zé Ramalho
A estreia em disco solo de Zé Ramalho não poderia ser melhor. Ali, ele já enfileirava sucessos como “Chão de Giz”, “Avôhai”, “Bicho de Sete Cabeças” e “A Dança das Borboletas”, parceria com Alceu Valença que mereceu uma releitura inusitada do grupo de metal Sepultura. Também não passou despercebida a canção “Vila do Sossego”, mais uma obra de Zé Ramalho que fala de papiro e remonta ao passado para refletir sobre o presente, com sua estética medieval e mística. A música foi regravada por Elba Ramalho, Cássia Eller, Zeca Baleiro, entre outros, e permanece no imaginário popular do Brasil.

“Bicho de 7 Cabeças” (MPB, 1978) – Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha
No final da década de 1970, o pernambucano Geraldo Azevedo lançou a música “Bicho de 7 Cabeças”, de sua autoria com o paraibano Zé Ramalho e Renato Rocha. Desde o início da década, a música brasileira sofria uma oxigenação com as criações que vinham do nordeste do país. Essa canção insurge de forma tão vigorosa que recebeu inúmeras regravações em diferentes períodos, sempre mantendo o poder de impacto proveniente de sua melodia e letra. Nesta obra, os ditados transcritos são aqueles que emergem dos momentos de raiva, desacordo, com o intuito de expressar exagero e inconsequência. Por isso o clima não poderia ser outro. “Não tem pé, nem cabeça” e “Bicho de 7 Cabeças” aparecem no decorrer desta simbólica peça.

“Frevo Mulher” (frevo, 1979) – Zé Ramalho
Na noite em que iniciava o seu romance com a cantora Amelinha, o cantor Zé Ramalho estava no Hotel Plaza, no Rio, quando compôs “Frevo Mulher” para a amada. No mesmo ano os dois se casaram, em 1978. No entanto, apenas em 1980 a canção ganhou as rádios de todo o Brasil. A demora aconteceu porque a gravadora de Amelinha não acreditava naquela música. Pouco tempo depois, Caetano Veloso afirmou que o Carnaval da Bahia tinha tomado outro rumo graças ao êxito de “Frevo Mulher”. O ritmo da canção sugere uma mistura entre frevo e forró, ritmos que dominavam as festas juninas no Nordeste.

“Jardim das Acácias” (MPB, 1979) – Zé Ramalho
Em um álbum mítico e, ao mesmo tempo, bíblico, como “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu”, lançado por Zé Ramalho em 1979, não poderia faltar uma canção intitulada “Jardim das Acácias”, e, tampouco, a figura do dragão, que aparece no verso “fui graveto no bico do anum/ vez em quando sou dragão da lua”. O animal mitológico também surge em “Menino do Rio”, de Caetano Veloso, e “Dragão”, de Karina Buhr. Pela força do fogo que expele pelas ventas, foi eleito mascote pelo América de Natal, de camisa vermelha, e o Atlético Goianiense.

“Admirável Gado Novo” (MPB, 1979) – Zé Ramalho
“Admirável Gado Novo” merece um capítulo à parte na biografia de Zé Ramalho. O refrão marcante ganhou a força de um ditado popular, sendo usado tanto para se referir a situações de opressão quanto de alienação: “Ê, ô, ô/ Vida de gado/ Povo marcado, ê/ Povo feliz”. Ela foi inspirada no título de um livro de Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”, de 1932, que versava sobre tecnologia reprodutiva e manipulação psicológica. Lançada em 1979 pelo próprio autor, a canção voltou a ter sucesso em 1996, quando virou tema da novela “O Rei do Gado”. A despeito da conotação política, Zé Ramalho comprovou a triste atemporalidade da música.

“Garoto de Aluguel” (MPB, 1979) – Zé Ramalho
Se não é o único, Zé Ramalho certamente é o autor de maior assimilação popular a tocar no tema da prostituição masculina. A música “Garoto de Aluguel”, lançada em 1979 no álbum “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu”, em capa que trazia junto ao autor uma messalina e o personagem Zé do Caixão, vivido por José Mojica Marins, envereda por um caminho ambíguo. Ao mesmo tempo em que adota um tom libertário e assumido, também se define como “Minha profissão é suja e vulgar”, no que pode ser entendido como cinismo ou a voz preconceituosa e risível que aponta para o protagonista. Há quem visse também uma metáfora e ironia com relação à própria profissão do autor, numa comparação recorrente através da história entre a prostituição e o artista. Daí a predileção pelo tema, a identificação, quando o próprio Zé Ramalho se define como marginal. Foi também cantada em dueto com Belchior.

“Cidadão” (MPB, 1979) – Lúcio Barbosa
“Marina”, de Dorival Caymmi, foi gravada por Dick Farney, Francisco Alves, Nelson Gonçalves e o próprio autor, de uma só tacada, em 1947. “Alguém Me Disse”, bolero de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, foi lançada, em 1960, por Anísio Silva, Maysa, Cauby Peixoto e o grupo cubano Trio Avileño. O feio raro também atingiu “Cidadão”, música de Lúcio Barbosa que, em 1980, foi gravada, simultaneamente por Geraldo Nunes, Silvio Brito e Zé Geraldo, na versão que ficou mais famosa. Zé Ramalho também gravou esse clássico da música brasileira, que traz o relato do abismo social do Brasil, em que o construtor da obra sequer tem um lugar para morar. Luiz Gonzaga, Elymar Santos, Renato Teixeira, Sérgio Reis e Jackson Antunes também a reviveram.

“Planeta Água” (balada, 1981) – Guilherme Arantes
Outra música elementar do combate à destruição da natureza e da preservação ao meio ambiente é a balada composta por Guilherme Arantes, “Planeta Água”, lançada em 1981. Com versos simples, mas carregados de simbologia, Guilherme descreve o percurso da água, o bem mais fundamental na existência humana, e procura atentar para o descaso das políticas que não a protegem. Por fim, num jogo de palavras de forte apelo popular, destaca uma nova incoerência do homem que batizou o planeta por “Terra” – “Planeta Água”, corrige Arantes. A música foi regravada pelo paraibano Zé Ramalho.

“Eternas Ondas” (MPB, 1981) – Zé Ramalho
Em 1996, Zé Ramalho subiu ao palco com seus companheiros de geração para apresentar o espetáculo que ficaria conhecido como “O Grande Encontro”. Além da prima paraibana Elba Ramalho, estavam presentes na edição original os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Zé Ramalho gravou três discos da série “O Grande Encontro”. Outra união em disco se deu com o compadre cearense Fagner, em registro ao vivo 2014. Questionado se faltava à sua geração o mesmo espírito de grupo dos baianos tropicalistas, Zé Ramalho disparou: “Nós não fizemos turismo nas nossas letras”. Fagner, por exemplo, eternizou a balada “Eternas Ondas”, composta por Zé Ramalho em 1981 para Roberto Carlos, que não a gravou. A premissa da bela letra é o dilúvio bíblico.

“Mulher Nova, Bonita e Carinhosa Faz o Homem Gemer Sem Sentir Dor” (MPB, 1982) – Zé Ramalho
Apesar de não faturar o prêmio, “Foi Deus Quem Fez Você” rendeu a Amelinha o seu primeiro Disco de Platina, com mais de um milhão de cópias vendidas. “Tiveram que correr para prensar um compacto duplo. Nem a gravadora acreditava que ia dar tanto certo. De vez em quando, alguém leva o disco intacto para eu assinar, com aquela capa lindíssima, onde eu estou com uns teares, cheia de penas, bem tropical”, revela. Dois anos depois, ela deu voz ao tema da trilha sonora da minissérie “Lampião e Maria Bonita”, da Rede Globo. Composta pelo então marido Zé Ramalho, “Mulher Nova, Bonita e Carinhosa Faz o Homem Gemer Sem Sentir Dor” batizou o seu álbum seguinte, de 1982.

“Xote dos Poetas” (MPB, 1983) – Zé Ramalho e Capinam
Chamado de “mesquinho” e vaiado por uma multidão enlouquecida, José Carlos Capinam chega aos 80 anos consagrado como um dos mais efetivos poetas da música popular brasileira. Natural de Esplanada, na Bahia, Capinam conseguiu a proeza de ser gravado por nomes de primeira grandeza da canção popular, como Elis Regina, Maria Bethânia e Nara Leão, tendo se tornado parceiro dos não menos ilustres Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Bosco, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Geraldo Azevedo e Jards Macalé, dentre outros, como Fagner e Zé Ramalho, com quem compôs o “Xote dos Poetas”, lançado em 1983, e que cita, por exemplo, Pablo Neruda, García Lorca e Castro Alves.

“Mistérios da Meia-Noite” (MPB, 1985) – Zé Ramalho
O interesse de Zé Ramalho por forças ocultas e sobrenaturais e o misticismo que envolve grande parte de sua obra recebeu uma atenção especial em seu segundo disco de carreira. Além do batismo, “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu”, ainda trazia na capa a atriz Xuxa Lopes no papel de vampira que tenta Deus e o personagem Zé do Caixão, vivido por José Mojica Marins, como diabo. O artista plástico Hélio Oiticica também comparecia no encarte do disco. Faixas como “Pelo Vinho e Pelo Pão” e “Jardim das Acácias”, com participação de Pepeu Gomes, retomavam essas temáticas espirituais e religiosas. Mas nenhuma é tão tenebrosa quanto a lancinante “Mistérios da Meia-Noite”, que, em 1985, tornou-se trilha-sonora da novela “Roque Santeiro”, da Rede Globo.

“Entre a Serpente e a Estrela” (MPB, 1992) – versão de Aldir Blanc
Aldir Blanc nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro de 1946, e morreu no dia 4 de maio de 2020, aos 73 anos. Infelizmente, o letrista, compositor, cantor e cronista brasileiro foi uma das vítimas da Covid-19 no Brasil. Formado em Medicina com especialização em Psiquiatria, ele logo abandonou essas profissões para se dedicar à música e ao ofício de escrever. Ao longo de uma extensa e bem-sucedida carreira, Aldir Blanc se consagrou ao lado de parceiros como João Bosco, Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Guinga, entre outros, e teve músicas gravadas por Elis Regina, Nana Caymmi e Zizi Possi. Em 1992, Aldir criou uma versão para “Amarillo By Morning”, clássico de Terry Sttaford e Paul Fraser, rebatizada “Entre a Serpente e a Estrela”, gravada por Zé Ramalho.

“Batendo na Porta do Céu” (MPB, 1997) – versão de Zé Ramalho
Apelidado de “Dylan do Nordeste”, “Violeiro do Apocalipse” e “Trovador de Cordel”, Zé Ramalho jamais negou suas influências, o que se verifica pelo número de homenagens em disco que ele dedicou a seus ídolos. A primeira delas aconteceu em 2001, quando ele cantou o repertório de Raul Seixas. No ano de 2008, foi a vez de verter para o português clássicos de Bob Dylan. No ano seguinte, o contemplado foi Luiz Gonzaga. Em 2010 e 2011, o músico deu voz a canções de Jackson do Pandeiro e dos Beatles. Unindo psicodelia a ritmos nordestinos e ao rock, Ramalho criou uma obra única e reconhecível. Em 1997, ele lançou “Batendo na Porta do Céu”, versão do clássico de Dylan.

“Sinônimos” (sertaneja, 2004) – Cláudio Noam, César Augusto e Paulo Sérgio
O encontro inusitado entre Zé Ramalho e a dupla sertaneja formada por Chitãozinho & Xororó leva muita gente a acreditar que “Sinônimos” é uma música do paraibano. O equívoco se justifica pela força da interpretação. Em 2004, a balada romântica, de pegada sertaneja, foi lançada no disco “Aqui o Sistema É Bruto”, da dupla, em uma interpretação com Zé Ramalho que se tornou antológica e foi repetida em outras ocasiões. Mas a canção é de autoria de um trio bem menos conhecido, e traz as assinaturas de Cláudio Noam, César Augusto e Paulo Sérgio. A força da melodia ajuda a tornar envolventes os versos que rebobinam clichês do tipo: “Que o sinônimo de amar é sofrer…”.

“Paraibeiro” (choro-baião, 2016) – Zé Ramalho, Waldir Silva e Raphael Vidigal
Mineiro de Bom Despacho, o cavaquinhista Waldir Silva gravou, em 1981, o disco “Cavaquinho Camarada Nº 3”, que trouxe uma participação mais do que especial. Além de interpretar “Pelo Vinho e Pelo Pão”, Waldir registrou uma versão para “Pai e Mãe”, de Gilberto Gil, declamada por Zé Ramalho. Os dois se conheceram nos estúdios da CBS, no Rio, onde ambos eram contratados. A amizade resultou em “Paraibeiro”, parceria instrumental cujo título brincava com o fato de um ser paraibano e o outro mineiro. Com letra de Raphael Vidigal, a música foi gravada no disco “Waldir Silva em Letra & Música”, de 2016, pela cantora mineira Luana Aires.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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