Relembre sucessos de Sandra de Sá: da origem soul às baladas românticas

*por Raphael Vidigal Aroeira

“O que queria era encontrar no mundo real a imagem sem substância que a sua alma tão constantemente baralhava.” James Joyce

Sandra Cristina Frederico de Sá, a Sandra de Sá, nasceu no dia 27 de agosto de 1955, no Rio de Janeiro, e começou a carreira artística assinando apenas como Sandra Sá. Na década de 1990, por uma questão de numerologia, ela alterou o nome para Sandra de Sá. O primeiro álbum foi lançado em 1980. No álbum seguinte, ela estourou nas paradas com “Olhos Coloridos”, de Macau, lançado em 1982. Em 1983, Sandra regravou “Vale Tudo”, do grande padrinho musical Tim Maia. Ainda nos anos 1980, fez sucesso com músicas de Carlos Colla, como “Solidão” e “Bye Bye Tristeza”. Sandra de Sá é considerada por muitos, ao lado de Tim Maia, a grande representante da música soul brasileira.

“Leva Meu Samba” (samba, 1941) – Ataulfo Alves
Depois de diversos êxitos como compositor, somente em 1941 o mineiro Ataulfo Alves estreou cantando as suas músicas. A primeira delas, “Leva Meu Samba”, contou com o acompanhamento do ainda anônimo Jacob Bittencourt, posteriormente rebatizado de Jacob do Bandolim, e já prenunciava o bom gosto de Ataulfo para escolher quem estivesse ao seu redor. Mais adiante, ele formaria um casamento de incrível sucesso com as suas pastoras, que levariam seu samba e seu recado para todos os amores, desfeitos e iniciados. A música tornou-se um grande sucesso e ganhou regravações de Noite Ilustrada, Jorge Aragão, Sandra de Sá e diversos outros bambas Brasil afora, do norte até o sul.

“Fio Maravilha” (samba-rock, 1972) – Jorge Benjor
“Fio Maravilha” ganhou o Festival da Canção da TV Globo em 1972. A música composta por Jorge Ben foi interpretada pela folclórica Maria Alcina. Outro personagem folclórico, o atacante João Batista de Sales, do Flamengo, time de coração do músico, era que dava nome ao sucesso. Ao contrário do que se esperava Fio não gostou da homenagem, e processou Jorge Ben, que teve que passar a cantar “Filho” no lugar do verdadeiro apelido. Anos depois, em 2007, Fio voltou atrás e concedeu para Jorge Ben o direito de cantar a música tal qual havia sido composta. Foi regravada com maestria e suingue por Sandra de Sá.

“Tente Outra Vez” (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com Paulo Coelho. Foi ao lado dele e de Marcelo Motta que o “maluco beleza” compôs um dos hinos mais emblemáticos da carreira, um louvor à fé e à não desistência. “Tente Outra Vez”, balada de 1975, lançada no disco “NOVO AEON” sublinha, sobretudo, a força de continuidade inerente à vida, presente na natureza e, por conseguinte, à condição do homem. Foi com versos embebidos numa melodia de teor religioso que Raul, cuja canção é, ainda hoje, muitas vezes ligada ao universo da autoajuda, criou uma das músicas mais espirituosas de seu repertório, em todos os sentidos. “Tente Outra Vez” já diz por si só, no título, o recado da vida. Foi regravada por Sandra de Sá, Barão Vermelho, Chitãozinho & Xororó, e etc.

“Os Meninos da Mangueira” (1976) – Sérgio Cabral e Rildo Hora
Sérgio Cabral uniu duas de suas paixões para criar a letra de “Os Meninos da Mangueira”, uma parceria com o instrumentista Rildo Hora. Dessa maneira música brasileira e história se encontram nos versos que homenageiam as grandes figuras da escola, como Cartola e Carlos Cachaça. A canção foi lançada, em 1976, pelo cantor Ataulfo Júnior, filho de Ataulfo Alves. Dado o seu incrível sucesso, recebeu 12 regravações no mesmo ano, dentre elas as de Eliana Pittman e Jair Rodrigues. Depois, continuaria a ser cantada por Alcione, Sandra de Sá e outros. “A velha guarda se une aos meninos lá na passarela…”.

“O Sal da Terra” (clube da esquina, 1981) – Beto Guedes e Ronaldo Bastos
Integrantes originais do “Clube da Esquina”, Beto Guedes e Ronaldo Bastos criaram em 1981 o mega-sucesso “O Sal da Terra”. A famosa expressão serviria anos mais tarde para batizar o documentário em homenagem ao fotógrafo Sebastião Salgado, outro mineiro ilustre, e se vê presente também em música de Cazuza e Roberto Frejat, intitulada “Nós”. Na referida canção o foco da letra é em um mundo mais justo, mais igual e humano, onde as pessoas possam viver em paz com a natureza e entre seus semelhantes. Foi regravada por Sandra de Sá, Roupa Nova, Jessé e Ivete Sangalo, entre outros.

“Olhos Coloridos” (música soul, 1982) – Macau
Sandra de Sá surgiu no embalo da soul música brasileira capitaneada por Tim Maia, e que contava ainda com Cassiano, Hyldon e Lady Zu. Com sua voz rascante e interpretação visceral era chamada por Cazuza de “a nossa Billie Holiday”. As atitudes de Sandra dentro e fora do palco sempre foram indissociáveis, exemplo de artista que se entrega ao ofício e vive a vida em cada música. “Olhos Coloridos” encontrou a intérprete perfeita em Sandra. Essa música de Macau, lançada em 1982, tornou-se emblema e manifesto do orgulho negro, além de um puxão de orelhas aos desavisados. “Todo brasileiro tem sangue crioulo”, avisa antes de entrar no refrão que exalta o cabelo sarará.

“Sem Conexão com o Mundo Exterior” (rock, 1984) – Cazuza e Frejat
Sandra de Sá surgiu no embalo da soul música brasileira capitaneada por Tim Maia, e que contava ainda com Cassiano, Hyldon e Lady Zu. Com sua voz rascante e interpretação visceral era chamada por Cazuza de “a nossa Billie Holiday”. As atitudes de Sandra dentro e fora do palco sempre foram indissociáveis, exemplo de artista que se entrega ao ofício e vive a vida em cada música. Cazuza se tornaria padrinho do filho de Sandra. A amizade da dupla rendeu alguns duetos, como no registro ao vivo de “Blues da Piedade” e na versão para “Camila, Camila”. Um dos encontros menos conhecidos em estúdio, no entanto, é a ótima “Sem Conexão Com o Mundo Exterior”, rock gravado para o disco lançado por Sandra de Sá no ano de 1984.

“Solidão” (balada, 1986) – Carlos Colla e Chico Roque
Em um universo predominantemente masculino, ela foi a voz que quebrou essa hegemonia, tornando-se rainha da música soul brasileira. Carioca da gema, Sandra carregava a influência africana em sua voz grave e potente. O primeiro sucesso de Carlos Colla e Chico Roque na voz poderosa de Sandra de Sá, apelidada por Cazuza de “Billie Holiday brasileira”, foi “Solidão”, lançada em 1986. “Solidão” nunca mais saiu do repertório de grandes sucessos de Sandra de Sá, e recebeu uma regravação da dupla Rose & César, sem o mesmo impacto da original. “Solidão, dá um tempo e vá saindo”, canta Sandra.

“Retratos e Canções” (balada, 1986) – Michael Sullivan e Paulo Massadas
A dupla de compositores formada por Michael Sullivan e Paulo Massadas foi responsável por inúmeros hits da música brasileira, ainda que a crítica torcesse o nariz para seus sucessos populares, em que se destacam “Chocolate”, “Me Dê Motivo”, “Um Dia de Domingo”, “Talismã”, “Whisky a Go-Go”, “Lua de Cristal”, entre outros. Em 1986, a dupla se reuniu para compor “Retratos e Canções”, uma balada apaixonada, de desilusão, feita sob medida para a voz rascante de Sandra de Sá, que a lançou naquele mesmo ano, no sexto álbum de sua carreira, que ainda trazia sucessos como “Joga Fora”, também de Paulo Massadas e Michael Sullivan, “Solidão”, “Olhos Coloridos”, “Entre Nós” e mais.

“Camila, Camila” (rock, 1987) – Thedy Corrêa, Sady Homrich e Carlos Stein
Os anos 80 deram voz e som a uma geração que finalmente escapava dos auspícios tenebrosos da ditadura militar e aguardava ansiosa a chance de praticar as suas liberdades individuais e coletivas. Foi nesse contexto que uma profusão de bandas ligadas ao rock tomou a cena por todos os lados. Vindos do sul do país, os gaúchos do grupo Nenhum de Nós criaram, em 1987, um clássico imediato. “Camila, Camila” falava sobre as dificuldades amorosas da protagonista, envolta em um relacionamento abusivo. A música foi regravada por Cazuza (1958-1990) com a participação de Sandra de Sá e lançada no álbum póstumo do poeta exagerado, “Por Aí…”, em 1991.

“Bye, Bye, Tristeza” (balada, 1988) – Carlos Colla e Marcos Valle
Carlos Colla nasceu em Niterói, no dia 5 de agosto de 1944, e ficou conhecido como um dos compositores preferidos do Rei Roberto Carlos, além de compor versões para músicas estrangeiras que alcançaram enorme sucesso com José Augusto, Legião Urbana, João Paulo & Daniel, Luan & Vanessa. Sandra de Sá, Tim Maia e Alcione também gravaram suas canções. Com mais de duas mil músicas gravadas, ele morreu em 2023, aos 78 anos, vítima de pneumonia, deixando um legado de incontáveis sucessos. “Bye, Bye, Tristeza” é um marco na carreira de Sandra de Sá, e foi lançada pela cantora em 1988. A música é fruto da parceria de Carlos Colla com Marcos Valle. Juntos, os dois também compuseram “Taras e Manias”, sucesso de Elymar Santos. Consagrada com Sandra de Sá, “Bye, Bye, Tristeza” foi regravada por Thiaguinho, Edson & Hudson e Hebe Camargo.

“Blues da Piedade” (blues, 1988) – Cazuza e Roberto Frejat
A letra impiedosa e implacável de “Blues da Piedade” oferece uma espécie de paradoxo com o título dessa canção, lançada em 1988, no álbum “Ideologia”, e cantada por Cazuza em dueto com Sandra de Sá em show. Em outras palavras, Cazuza pede piedade a todos aqueles que são dignos de dó: “Agora eu vou cantar pros miseráveis/ Que vagam pelo mundo, derrotados/ Pra essas sementes mal plantadas/ Que já nascem com cara de abortadas”. Com metáforas poderosas, Cazuza enfia uma estaca no peito dos hipócritas e medíocres. Como era comum na parceria dos dois, Frejat criou a melodia depois de receber a letra de Cazuza. A música ainda ganhou outras gravações.

“Ideologia” (rock, 1988) – Cazuza e Roberto Frejat
Às vésperas de entrar em estúdio para gravar o seu terceiro disco solo, Cazuza foi internado em Boston, nos Estados Unidos, onde deu prosseguimento ao tratamento contra a Aids com a qual ele havia sido diagnosticado em 1987. É desse período a letra de “Ideologia”, que batiza o mais importante álbum da carreira do eterno exagerado. Com melodia de Roberto Frejat, a composição é “sobre o que eu acreditava quando tinha 16, 17 anos, e como estou hoje. Eu achava que tinha mudado o mundo e que, dali para a frente, as coisas avançariam mais ainda. Não sabia que iria acontecer esse freio. É como se agora a gente tivesse que pagar a conta da festa”, nas palavras de Cazuza. A música foi regravada por Marina Lima, Paulo Ricardo, Sandra de Sá, entre vários outros.

“Mandela” (soul, 1990) – Guto Graça Mello e Ronaldo Barcellos
Em 1990, Sandra de Sá já havia acrescentado o “de” ao nome artístico, por uma questão de numerologia, e também era nome consagrado na cena da soul music brasileira. Com um histórico de canções que não cansavam de incensar o orgulho da cultura negra, a intérprete deu o seu pitaco na história de Nelson Mandela ao gravar no álbum “Sandra!” a composição “Mandela”, composta por Guto Graça Mello e Ronaldo Barcellos. Com a habitual agilidade e leveza Sandra conduz o ouvinte ao percurso de paz e liberdade plantado pelo líder sul-africano no continente da África e em outros lugares do mundo, como o próprio Brasil e Portugal.

“Sozinho” (balada, 1997) – Peninha
Caetano Veloso escutou “Sozinho” pelo rádio, na voz de Sandra de Sá, e decidiu colocar a música em seu próximo show, especialmente depois de descobrir que o compositor era Peninha, de quem ele já havia gravado “Sonhos”, com enorme sucesso, em 1982. Por pouco Caetano não desistiu de gravar “Sozinho” depois de ouvir a versão de Tim Maia, que ele definiu como “arrasadora”. Por sorte do público, Caetano gravou a música em 1999, no álbum “Prenda Minha”, e ela entrou para a novela “Suave Veneno”. Antes, já havia rendido a Peninha o Prêmio Sharp de melhor canção do ano de 1997.

“Um Tiro no Coração” (pop rock, 2000) – Nando Reis
Embora tenha enfileirado uma série de sucessos, especialmente no ano de sua morte, quando gravou o “Acústico MTV”, e mesmo um pouco antes, com discos antológicos produzidos por Nando Reis e Wally Salomão, a exemplo de “Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo” e “Veneno Antimonotonia”, Cássia Eller passou boa parte de sua trajetória à margem do mercado fonográfico, priorizando cantores da chamada vanguarda paulista, como Arrigo Barnabé, Mário Manga, Hermelino Neder e Itamar Assumpção. Mesmo no auge do sucesso, ela não os abandonou, quando gravou “Aprendiz de Feiticeiro”, de Itamar, e “Maluca”, de Luís Capucho. No ano 2000, protagonizou um potente dueto com Sandra de Sá em “Um Tiro no Coração”, música de Nando Reis.

“Beijos na Boca” (balada-blues, 2013) – Angela Ro Ro
“Feliz da Vida” dá nome ao disco que contém 13 canções inéditas de Angela Ro Ro, das 15 do repertório, e conta com a participação de Sandra de Sá (em “Beijos na Boca”), Jorge Vercilo (“Capital do Amor”), Diogo Nogueira (“Salve Jorge”), Ana Carolina (“Canto Livre”), Paulinho Moska (na canção título) e Roberto Frejat revisando os sucessos “Amor, Meu Grande Amor” e “Malandragem”. Sobre os convidados, Ro Ro é só elogios: “Sandra de Sá é um barato! Uma festa! A música é cheia de suingue!”. Angela Ro Ro e Sandra de Sá foram boas amigas de Cazuza durante a década de 1980, nos bares do Rio.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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