Relembre sucessos de Milton Nascimento, maior ícone do Clube da Esquina

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Solto a voz nas estradas
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra
Como posso sonhar?” Milton Nascimento & Fernando Brant

Milton Nascimento nasceu no Rio de Janeiro no dia 26 de outubro de 1942. No entanto, Milton foi criado na cidade de Três Pontas, interior de Minas, da onde vem a sua grande identificação com a música barroca praticada no Estado. Conhecido entre os mais íntimos como Bituca, ele logo se tornou um dos artífices do Clube da Esquina, movimento surgido em Minas que congregava artistas como Lô Borges, Wagner Tiso, Toninho Horta, Beto Guedes, Ronaldo Bastos, Márcio Borges, Fernando Brant, Tavinho Moura, e ainda muitos outros.

Em 1967, Milton apareceu para todo o Brasil com “Travessia”, parceria com Fernando Brant que tirou o segundo lugar no Festival Internacional da Canção. Apontado por muitos como uma das vozes mais bonitas e sagradas da música mundial, Milton teve suas composições gravadas por Elis Regina, Agostinho dos Santos, Nana Caymmi, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Wilson Simonal, Fafá de Belém, Maria Bethânia, Simone, Zélia Duncan e Telma Costa. Segundo Elis Regina teria dito na década de 1970, “se Deus cantasse, teria a voz de Milton”.

“Luar do Sertão” (toada, 1914) – Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco
Catulo da Paixão Cearense nasceu na capital do Maranhão, e aos dez anos foi para o interior do Ceará. Interior que amaria muito mais do que qualquer capital. Catulo era apaixonado pelas coisas singelas, simples e ingênuas e delas fez a obra-prima de suas canções. Eternizada na memória afetiva do povo brasileiro, “Luar do Sertão” foi composta por ele em 1914, e gerou divergências com relação à autoria da música. Enquanto Catulo afirmava que a havia composto sozinho, inspirado por uma música folclórica, outros como Heitor Villa-Lobos e Almirante diziam que a melodia era de João Pernambuco, violonista semianalfabeto. O que não se discute é a lembrança imediata de cada brasileiro quando se começa a tocar o refrão que remete ao balanço de uma rede. Pois Milton Nascimento também gravou a sua versão deste clássico.

“Me Deixa em Paz” (samba-canção, 1952) – Monsueto e Airton Amorim
Uma das letras mais fortes do cancioneiro de Monsueto foi também a responsável por seu primeiro sucesso. “Me Deixa em Paz”, parceria com Airton Amorim lançada pela não menos incisiva Linda Batista trazia os versos: “Se você não me queria/Não devia me procurar/Não devia me iludir/Nem deixar eu me apaixonar/Evitar a dor/É impossível/Evitar esse amor/É muito mais/Você arruinou a minha vida/Me deixa em paz”. Em 10 frases se resumia a música inteira. Além do poder sintético, a dramaticidade da canção foi sublinhada por Alaíde Costa, no histórico álbum “Clube da Esquina”, em dueto com Milton Nascimento. Outro que a regravou, em sintonia com o enredo pesado da letra e a sua habitual iconoclastia, foi o compositor e cantor Lobão, já no ano de 2011.

“Volver a Los 17” (folclórica, 1966) – Violeta Parra
Considerada uma das mais importantes cantoras argentinas de todos os tempos, Mercedes Sosa tinha ótima relação com o Brasil, que passou a ser construída a partir de 1976, quando gravou com Milton Nascimento a folclórica “Volver a Los 17”, da chilena Violeta Parra, no álbum “Geraes”, do mais mineiro dos cariocas. Mais tarde, ela também gravaria “San Vicente”, de Milton e Fernando Brant, e “Cio da Terra”, de Milton e Chico Buarque. Violeta Parra também é a autora de “Gracias a La Vida”, mais um clássico da canção latina.

“Canção do Sal” (clube da esquina, 1966) – Milton Nascimento
De “Travessia”, aparece no repertório “Canção do Sal”, composta apenas por Milton Nascimento e lançada com Elis Regina em 1966, numa interpretação que não agradou ao músico. Anos depois, no programa “Ensaio”, da TV Cultura, em 1973, Elis registrou a versão que Milton considerou definitiva. Diagnosticada pelo artista como uma “canção de trabalho”, ela já expressava, no alvorecer da carreira de Bituca, o comprometimento com as questões sociais que ele mantém até hoje, ampliadas para o meio ambiente e os índios.

“Travessia” (clube da esquina, 1967) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Quem hoje canta a plenos pulmões “solto a voz nas estradas/ já não quero parar/ meu caminho é de pedra/ como posso sonhar/sonho feito de brisa /vento vem terminar” mal imagina que o autor dos versos recusou-os num primeiro momento. Foi preciso a insistência do amigo Milton Nascimento para Fernando Brant (1946- 2015) topar escrever e depois mostrar a letra de “Travessia”, inscrita sem o consentimento dos compositores pelo cantor Agostinho dos Santos no 2º Festival Internacional da Canção, em 1967, quando a música tirou o segundo lugar e Milton foi premiado como melhor intérprete.

“Outubro” (clube da esquina, 1967) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Leitor de Guimarães Rosa, fã de Fernando Pessoa e García Lorca, o letrista Fernando Brant traçou caminho singular na música brasileira. Cursou Direito, como o pai, provavelmente para garantir uma segurança financeira, mas teve sucesso como “amador” do jornalismo e das canções. Ele mesmo se recusara no primeiro momento a colocar letra em música de Milton, mas, uma vez convencido, não parou mais. Aplaudido indiretamente, pacato e discreto como bom mineiro de Caldas, teve a tal música, “Travessia”, defendida no Festival Internacional da Canção de 1967, e tirou o segundo lugar. No mesmo ano, eles compuseram “Outubro”, regravada por Vanusa, Simone, Alaíde Costa e outros.

“Viola Enluarada” (canção-toada, 1968) – Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle
Na casa de Tom Jobim, um recém-chegado de uma longa temporada nos Estados Unidos, Marcos Valle, conheceu Milton Nascimento, compositor para quem Eumir Deodato havia lhe chamado atenção. Eumir escrevera os arranjos para as músicas de Milton inscritas no II Festival Internacional da Canção. A identificação entre Marcos e Milton foi imediata, e eles logo entoaram juntos “Viola Enluarada”, música de Marcos com letra do irmão Paulo Sérgio Valle. Também em dupla, os dois a registraram para um compacto da Odeon, que depois virou parte do álbum de 1968 de Marcos, batizado, justamente, como “Viola Enluarada”. Antes, a música já havia sido cantada em shows pelo Quarteto em Cy e pela cantora Eliana Pittman. E a música foi grande sucesso.

“Beco do Mota” (clube da esquina, 1969) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Lançada por Milton Nascimento, parceiro de Fernando Brant na canção, o registro original de “Beco do Mota” remete à 1969, quando esse encontro histórico para a música brasileira ainda dava seus primeiros passos. Nascido em Itaobim, no Vale do Jequitinhonha, o músico Tadeu Franco admite que sentiu uma identificação imediata com o trecho “Diamantina é o Beco do Mota/ Minas é o Beco do Mota/ Brasil é o Beco do Mota”, e revela a participação de Fernando na melodia da faixa original. “Tem uma introdução que lembra um canto gregoriano, que o Fernando me contou que ele criou”, destaca o mineiro.

“Sentinela” (clube da esquina, 1969) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Há uma cena tocante do filme britânico “Quatro Casamentos e um Funeral”, de 1994, quando o viúvo da personagem que está sendo velada lê um poema de W.H. Auden a respeito da morte. As palavras revelam a relação da espécie humana com esse acontecimento tão inevitável quanto inesperado, e como o fato de termos consciência da finitude, ao contrário dos outros animais, nos afeta. A tradição de lembrar os que se foram é parte da história da humanidade. Milton Nascimento e Fernando Brant tocam no tema na bela “Sentinela”, música lançada em 1969. “Morte, vela, sentinela sou/ Do corpo desse meu irmão que já se vai/ Revejo nessa hora tudo o que ocorreu”, afirma.

“Pai Grande” (clube da esquina, 1969) – Milton Nascimento
Ode à simbologia da paternidade, “Pai Grande”, composta por Milton Nascimento em 1969, carrega muitas das influências do seu Clube da Esquina. Além do canto lírico, melódico, a canção perpassa texturas barrocas e rurais. De certo tom místico, se no início parece referenciar-se ao avô, por fim este grande pai talvez esteja mais próximo da força criadora da natureza. “Meu pai grande, inda me lembro, e que saudade de você, dizendo: eu já criei seu pai. Hoje vou criar você”. A música foi regravada por Alaíde Costa, no ano de 1976.

“Para Lennon e McCartney” (clube da esquina, 1970) – Márcio Borges, Lô Borges e Fernando Brant
“Márcio (Borges), Lô (Borges) e Fernando (Brant)… Posso definir os três numa só palavra: coração. E o que eles trouxeram de único para mim e para minha vida é uma coisa chamada amizade. Isso sim é uma das coisas mais importantes na minha vida. Sem amizade não consigo fazer nada, nem atravessar a rua”. A afirmação é de Milton Nascimento que, entre os amigos, sempre foi intimamente chamado de Bituca, e, em 1970, lançou uma parceria do trio que se tornou um de seus grandes sucessos. “Para Lennon e McCartney” explicitava no título a influência dos Beatles sobre o Clube da Esquina, mas deixava claro em seu verso final: “Sou do mundo/ Sou Minas Gerais”. E a música ganhou uma regravação da cantora Célia, no ano de 1971.

“Canto Latino” (clube da esquina, 1970) – Milton Nascimento e Ruy Guerra
Na década de 1970, Milton Nascimento compôs, em parceria com Ronaldo Bastos, “Cravo e Canela”, lançada no álbum “Clube da Esquina” (1972). A música integraria o filme “Os Deuses e os Mortos”, dirigido por Ruy Guerra, em 1970, no qual Milton e a atriz Dina Sfat atuaram juntos, mas acabou excluída da trilha. O encontro com Ruy Guerra, no entanto, para além de uma sincera amizade, também validou três parcerias: “Bodas”, “Canto Latino” e “E Daí (A Queda)”, gravada no disco “Clube da Esquina II”, de 1978. A música “Bodas” foi gravada por Milton em “Milagre dos Peixes”, de 1973, e relançada por Ney Matogrosso em “Água do Céu-Pássaro”, de 1975. “Canto Latino” aparece no disco “Milton”, de 1970. Zé Renato também já registrou uma versão da canção.

“Aqui É O País do Futebol” (samba, 1970) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Convidados pelos diretores Paulo Laender e Ricardo Gomes Leite para compor a trilha sonora do filme “Tostão, a Fera de Ouro”, Milton Nascimento e Fernando Brant escreveram canções que ultrapassaram aquele período específico. “Aqui É O País do Futebol”, samba moderníssimo em sua estrutura e com letra que exalta o poder de atenção do esporte sobre os brasileiros, embalou não só a Seleção Brasileira em 1970, quando conquistou o Tricampeonato Mundial no México com uma equipe considera das melhores de todos os tempos, como seguiu emocionando e contagiando plateias mesmo após o encerramento da competição. Além do registro de Milton Nascimento no disco “Milton” a música também foi gravada por Elis Regina, no álbum ao vivo “Trem Azul”, e por Wilson Simonal, um dos embaixadores daquela seleção, amigo íntimo de Pelé e de outras estrelas do escrete canarinho.

“Nada Será Como Antes” (clube da esquina, 1972) – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
“Se voltando para uma linguagem e uma postura mais engajadas, desde o tenso disco ‘Elis’ (1973), os projetos ‘Falso Brilhante’ (1975/1977), ‘Transversal do Tempo’ (1977/1978) e ‘Saudade do Brasil’ (1980) constituem uma espécie de trilogia de uma poderosa reação estética à repressão. Elis deu uma guinada impressionante em sua trajetória e se tornou uma artista extremamente politizada para além do âmbito artístico, promovendo ações em favor da redemocratização, das eleições diretas e dos direitos políticos das minorias”, reflete Renato Contente, autor do livro “Não Se Assuste Pessoa! – As Personas Políticas de Gal Costa e Elis Regina na Ditadura Militar”. Em 1972, Elis Regina iniciava esse movimento ao lançar “Nada Será Como Antes”, parceria de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos que simbolizava a angústia com tempos tensos.

“San Vicente” (clube da esquina, 1972) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Lançada em 1972, no disco “Clube da Esquina”, a música “San Vicente”, parceria de Milton Nascimento e Fernando Brant, mereceu quase 60 regravações ao longo do tempo, entre elas de nomes como Ney Matogrosso, Mercedes Sosa, MPB-4, Vânia Bastos, Chico César, Beto Guedes, dentre outros. Em “Invento +”, homenagem de Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum à obra de Milton lançada no ano de 2017, a angústia já famosa de “San Vicente” é ressaltada, desta vez, mais pela presença do violoncelo de Morelenbaum, capaz de uma experiência próxima à sinestesia ao impor sobre os outros versos a força das metáforas: “um sabor de vida e morte/ coração americano/ um sabor de vidro e corte”. Uma leitura nova para uma música conhecidíssima.

“Cais” (clube da esquina, 1972) – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
O que parece distante muitas vezes é o que dá liga. Quem imaginaria, um dia, a união entre Beatles e música barroca ou entre a bossa nova e canções do folclore latino? Mais ainda, o rock psicodélico junto à erudição de Villa-Lobos? A resposta é simples: Milton Nascimento. E pode ser até mais íntima, pelo apelido: Bituca. Como diria o poeta Mário Quintana (veja só como o distante se aproxima): “Nada convém que se repita/ Só em linguagem amorosa agrada/ A mesma coisa cem mil vezes dita”. Pois a única e mortal função da arte é propor a liberdade, ou, ao menos, alguma libertação. “Cais”, parceria de Milton e Ronaldo Bastos lançada em 1972, no LP “Clube da Esquina”, segue essa trilha.

“Ponta de Areia” (clube da esquina, 1975) – Milton Nascimento e Fernando Brant
A reação de Leopoldina ao receber o convite para cantar com a Orquestra Ouro Preto o repertório de Milton Nascimento e Fernando Brant foi a mesma do filho da cantora ao ouvir a história da música “Ponta de Areia”: chorar. “Quando contei para meu filho que a música fala do fim da estrada de ferro que ligava Minas Gerais ao sul da Bahia, ele ficou sem entender e perguntou por que tinham feito isso”, conta. A parceria de Brant com Bituca, lançada no álbum “Minas”, de 1975, foi também a primeira a ser cantada por Leopoldina, quando ela tinha 4 anos, coincidentemente a mesma idade de seu primogênito ao escutar os versos que ela interpretou no concerto “Quem Perguntou Por Mim”.

“Saudade dos Aviões da Panair” (clube da esquina, 1975) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Morto em 2015, aos 68 anos, após complicações decorrentes de uma cirurgia de transplante de fígado, Fernando é o homenageado de “Vendedor de Sonhos”, álbum com produção de seu sobrinho e músico Robertinho Brant, que começou a ser arquitetado quando o compositor ainda era vivo. Foi o próprio Fernando, aliás, quem sugeriu que Joyce Moreno cantasse “Saudade dos Aviões da Panair”, uma das 20 faixas do disco. Além de exaltar a melodia “em compasso quebrado, em 5/4, que você não sente a estranheza, depois vira 3/4 e tudo continua parecendo fácil, intuitivo”, de Milton Nascimento, Joyce chama a atenção para a letra de Fernando, que, segundo ela, “faz da Panair (companhia aérea extinta em 1965 pela ditadura militar) um símbolo de um tempo e de um país que se perderam”, lamenta Joyce.

“Fé Cega, Faca Amolada” (clube da esquina, 1975) – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
No embate com a ditadura militar instituída no Brasil em 1964, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos apresentaram, em 1975, “Fé Cega Faca Amolada”. Munidos de armas musicais, como a melodia contundente e os versos rascantes, eles clamavam pela libertação do povo. A música foi originalmente gravada no disco “Minas”, de Milton Nascimento, um marco na trajetória do cantor, que superou as vendagens anteriores, e recebeu regravação de Elis Regina, em número que agregava “Ponta de Areia” e “Maria, Maria”, todas de Milton, o seu correspondente na música brasileira no quesito limpidez da voz e alcance da interpretação. A faixa se tornou clássica. E Caetano, Gil, Gal e Bethânia também a gravaram no LP dos Doces Bárbaros.

“Beijo Partido” (clube da esquina, 1975) – Toninho Horta
Lançada em 1975 por Nana Caymmi e relançada por Milton Nascimento no disco “Minas”, a música “Beijo Partido”, de Toninho Horta é, até hoje, considerada uma das mais bonitas da música brasileira, definida pelo historiador Jairo Severiano, no livro “A Canção do Tempo: Volume II”, como aquela que “tipifica o estilo do compositor, com sua linha melódica aparentemente simples e a harmonia sofisticada”. “As pessoas vão perceber esse movimento pendular, de uma construção musical sofisticada que regressa ao berço, a algo mais simples”, sustenta o sempre inquietante Toninho Horta.

“Paula e Bebeto” (MPB, 1975) – Milton Nascimento e Caetano Veloso
A história de amor entre dois amigos motivou o nascimento da canção “Paula e Bebeto”, que, aliás, só os cita no título. “Paula e Bebeto” é a parceria de Milton Nascimento e Caetano Veloso de maior sucesso popular da dupla, embora bem mais associada à figura do ícone do Clube da Esquina. Foi ele quem a lançou, em 1975, no disco “Minas”. A letra exalta a liberdade dos afetos, em consonância com a envolvente melodia de acento pop. “Qualquer maneira de amor vale à pena/ Qualquer maneira de amor vale amar”, sublinham os versos. Milton, Caetano e Gal Costa a interpretaram juntos no especial “Chico & Caetano”, levado ao ar pela Rede Globo em 1986. Um marco da TV brasileira.

“O Que Será [À Flor da Pele]” (MPB, 1976) – Chico Buarque
Lançada durante a ditadura militar, “O Que Será (À Flor da Pele)?” é uma das canções imbrincadas de Chico Buarque que suscitam uma beleza difícil de ser explicada. Composta para a trilha sonora do filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, em 1976, e regravada por Milton Nascimento, ela alinha com rigor de costura cada palavra do inspirado poema do autor, cujo simbolismo tem a percepção ampliada pela lentidão com que suas frases aparecem aqui (feito imagens) para o espectador-ouvinte: “o que não tem vergonha, nem nunca terá/ o que não tem governo, nem nunca terá/ o que não tem juízo”. Quanta atualidade no que traz a natura do indefinível. A letra é das mais belas da MPB.

“Menino” (clube da esquina, 1976) – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
No dia 28 de março de 1968, o estudante Edson Luís foi brutalmente assassinado pela Polícia Militar enquanto jantava no restaurante universitário Calabouço, no Rio de Janeiro. Em plena ditadura militar, a morte gerou comoção na sociedade brasileira, que se uniu para protestar contra o regime e foi igualmente reprimida. Impactado pelo episódio, o escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveria a respeito no livro “Dias e Noites de Amor e de Guerra”, em 1977. Um ano antes, Milton Nascimento finalmente conseguiria lançar a música que fizera com Ronaldo Bastos sobre o crime, “Menino”, um grito contra o horror.

“Calix Bento” (folia de reis, 1976) – Tavinho Moura
Entre trilhas sonoras, títulos da discografia-solo e outros em parceria, o músico Tavinho Moura contabiliza 18 álbuns na carreira, sem contar as participações. Mineiro de Juiz de Fora, ele recolheu, em 1976, a música de domínio público “Calix Bento”, oriunda da folia de reis, que ele adaptou para ser lançada naquele ano por Milton Nascimento, com enorme repercussão. Outra gravação de sucesso para a mesma música foi a da dupla caipira Pena Branca & Xavantinho. A canção desperta o histórico barroco e colonial das Minas Gerais.

“Circo Marimbondo” (samba, 1976) – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
Criado em Três Pontas, no interior de Minas, Milton Nascimento despontou como o principal nome do Clube da Esquina, movimento que provocou uma revolução na música brasileira, ao assimilar influências barrocas e da canção estrangeira. Ao lado do parceiro Ronaldo Bastos, Milton compôs, em 1976, o samba “Circo Marimbondo”, e convidou Clementina de Jesus para participar da faixa, incluída no histórico disco “Geraes”. “Circo Marimbondo/ Circo Marambaia/ Eu cheguei de longe/ Não me atrapáia”, canta a dupla. No repertório do álbum de Milton, ainda se destacava “O Que Será (À Flor da Pele)”, em dueto com Chico Buarque.

“O Cio da Terra” (MPB, 1977) – Chico Buarque e Milton Nascimento
“O Cio da Terra” é uma canção de Chico Buarque e Milton Nascimento, em que se acentuam as características do “Clube da Esquina”, fortemente marcada pelo barroquismo da música mineira e atenta às transformações harmônicas vindas do exterior, em especial os “Beatles”. Lançada em 1977 para integrar o compacto “Primeiro de Maio”, que celebrava o dia do trabalhador e fazia coro ao movimento sindical do ABC paulista liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, futuro presidente do Brasil, a música consegue ir além da abordagem ao ofício agrário, por mais que inspirada no canto das mulheres camponesas que colhiam algodão e eram observadas por Milton. O que “O Cio da Terra” conta é o eterno ciclo de renascimento e transformação, do trigo em pão, da cana em mel, e da terra em chão, como na vida do homem, feita de perdas e ganhos. A música foi regravada por Mercedes Sosa, Pena Branca & Xavantinho, e outros.

“Caxangá” (clube da esquina, 1977) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Tutti Maravilha não esconde de ninguém que considera Elis Regina a maior cantora da história da música brasileira, tanto que, no “Bazar Maravilha”, programa que ele comanda há décadas na rádio Inconfidência, dedica um quadro especial a Elis, anunciada apenas como “Ela”. Sendo assim, não é tarefa simples para o locutor eleger a sua gravação predileta da cantora com quem travou amizade e chegou a trabalhar como produtor de shows em Belo Horizonte. Mas Tutti não foge da raia, e aponta para “Caxangá”, parceria de Milton Nascimento e Fernando Brant, lançada pela cantora em 1977, com direito a dueto entre Elis e o próprio Milton, o outro cantor favorito do radialista.

“Credo” (clube da esquina, 1978) – Milton Nascimento e Fernando Brant
A primeira canção do álbum “Clube da Esquina 2” é, na opinião da cantora Bárbara Barcellos, uma das que melhor descreve o momento do país. “Tenha fé no nosso povo que ele acorda/ Tenha fé no nosso povo que ele assusta/ (…) Caminhemos pela noite com a esperança/ Caminhemos pela noite com a juventude”, dizem os versos escritos por Fernando Brant (1946-2015) para “Credo”, parceria com Milton Nascimento. “É uma música de protesto em meio a um contexto político e social e que tem sido cada vez mais atual”, avalia Bárbara. Essa perenidade do discurso que transparece em outras canções, como “San Vicente” e “Nuvem Cigana”, é uma das principais contribuições dos letristas do Clube da Esquina, de acordo com o músico Pablo Castro que acompanhou Lô Borges na turnê do “Disco do Tênis”.

“O Que Foi Feito Devera” (clube da esquina, 1978) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Mônica Salmaso percebeu esse mesmo teor político em “O que Foi Feito Devera”, que ela gravou pela primeira vez no disco “Vendedor de Sonhos”, de 2020. “Eu fiquei assustada ao sentir o quanto essa música se tornou atual de novo. Não podemos perder de vista que ela fala sobre desesperança e que precisamos lutar, com todas as nossas forças, contra isso”, aponta Mônica. A canção recebeu a voz de Elis Regina (1945-1982) em 1978, no histórico LP “Clube da Esquina 2”. Mônica guarda na memória o registro “muito forte” de Elis para versos do calibre de “o que foi feito, amigo, de tudo que a gente sonhou/ o que foi feito da vida, o que foi feito do amor”. Apesar disso, Mônica não considera que tenha sido um desafio cantá-la depois de Elis. “Não tenho isso, acho que não devemos brigar com a referência. Adorei cantar ouvindo dentro de mim a Elis, faz até um carinho na gente”, confidencia.

“Maria, Maria” (clube da esquina, 1978) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Foi em 2018 que, finalmente, a música “Maria, Maria” ganhou um videoclipe à altura de seu sucesso. Clássico incontestável da obra de Milton Nascimento e símbolo do Clube da Esquina, a produção audiovisual trouxe Camila Pitanga, Zezé Motta e Sophie Charlotte no elenco, entre outras atrizes. Lançada em 1978 no não menos histórico LP “Clube da Esquina 2”, a música nasceu a pedido de um balé do Grupo Corpo, com roteiro de Fernando Brant (1946-2015). Por conta disso, a história sobre várias mulheres negras que trabalharam na casa de Brant, no tempo em que ele morou em Diamantina, inspirou a letra do poeta mineiro. Elis Regina gravou a música no ano de 1980.

“Cigarra” (MPB, 1978) – Milton Nascimento e Ronaldo Bastos
O disco “Cigarra”, lançado por Simone em 1978, trouxe um verdadeiro desfile de hits, a começar pela música-título, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. “Medo de Amar Nº 2”, de Sueli Costa e Tite de Lemos, “Diga Lá, Coração”, de Gonzaguinha, “As Curvas da Estrada de Santos”, de Roberto e Erasmo Carlos, e “Ela Disse-me Assim”, de Lupicínio Rodrigues, completavam o repertório de sucessos. Em meio a essas canções, “Então Vale a Pena”, de Gilberto Gil, traduzia liricamente a percepção da morte. E era assertiva na conclusão: “Se a morte faz parte da vida/ E se vale a pena viver/ Então morrer vale a pena”, diz.

“Bela, Bela” (MPB, 1979) – Milton Nascimento e Ferreira Gullar
Ferreira Gullar iniciou sua parceria com Milton Nascimento em 1979, quando a partir de versos do célebre “Poema Sujo” eles deram forma a “Bela, Bela”, música que entrou para a trilha de peça teatral protagonizada por Esther Góes e Rubens Corrêa. Milton só registrou a canção em 1981, no disco “Caçador de Mim”. “Bela, bela/ Mais que bela/ Mas como era o nome dela?/ Não era Helena, nem Vera/ Nem Nara, nem Gabriela/ Nem Tereza, nem Maria/ Seu nome, seu nome era”, cantava ele no encerramento do álbum. Antes, em 1978, Paulo Diniz compôs outra melodia para os mesmos versos, e a gravou no disco “É Marca Ferrada”. A versão de Milton ganhou outro registro, em 1988, com a participação da cantora Alaíde Costa e foi gravada por Wagner Tiso, em 1979.

“Um Cafuné na Cabeça Malandro, Eu Quero Até de Macaco” (MPB, 1980) – Milton Nascimento e Leila Diniz
Carlos Drummond de Andrade a homenageou com poesia. Martinho da Vila, Erasmo Carlos, Rita Lee, Elton Medeiros, Paulo César Pinheiro, Carlinhos Vergueiro e Taiguara o fizeram em canções. Milton Nascimento se valeu de um delicado poema de Leila Diniz (1945-1972) para criar a música “Um Cafuné na Cabeça, Malandro, Eu Quero Até de Macaco”, título pinçado de um bordão da própria protagonista, e que ajuda a entender um pouco de sua personalidade. A música foi lançada em 1980, no disco “Sentinela”, depois de ser apresentada em comícios políticos que lutavam pelas Diretas Já e contra a ditadura militar.

“A Arca de Noé” (infantil, 1980) – Toquinho e Vinicius de Moraes
Em 1980, os poemas de Vinicius de Moraes que abordavam a história bíblica da “Arca de Noé” ganharam a primeira versão em disco, com melodias de Toquinho. Vários artistas participaram desse trabalho – que teve a arte da capa feita por Elifas Andreato –, como Elis Regina, Milton Nascimento, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Marina Lima e o conjunto As Frenéticas. Coube a Milton interpretar, justamente, a “Arca de Noé”, parceria de Vinicius e Toquinho. Essa faixa é interpretada ao lado de Chico Buarque, que declama a introdução.

“Canção da América” (clube da esquina, 1980) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Tão célebre quanto o “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, de Tolstoi, ficou o “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”, “todo artista tem de ir aonde o povo está”, “sou do mundo, sou Minas Gerais”, e outras máximas propagadas por Fernando Brant, autor, em parcerias com Milton Nascimento, de músicas como “Travessia”, “Canção da América”, “Nos Bailes da Vida”, “Bola de meia, bola de gude”, “Aqui é o país do futebol”, e uma infinidade de outras que não perdem a qualidade pela quantidade. “Canção da América” nasceu originalmente em inglês, e ganhou versão em português depois, sendo lançada em 1980, pelas vozes de Milton e do grupo Boca Livre.

“Encontros e Despedidas” (clube da esquina, 1981) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Baiana, natural de Salvador, nascida no dia 25 de dezembro, data em que se comemora o Natal, e jogadora de basquete profissional, inclusive convocada para a disputa de Mundial da categoria pela Seleção Brasileira, Simone trazia inúmeros adjetivos para se tornar conhecida. Porém, a cantora de nome único, sem a necessidade de sobrenome ou alcunha, uma raridade no meio, tornou-se consagrada justamente através da música. Como se não bastasse a voz, ao mesmo tempo suave e marcante, agregou como característica indissociável de suas gravações a interpretação única, positiva, temperada pela galhardia e o desbravamento inerentes à própria personalidade. Em 1981, ela lançou “Encontros e Despedidas”, preciosidade de Milton Nascimento e Fernando Brant.

“Coração Civil” (clube da esquina, 1981) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Em março de 1983, Fafá de Belém ganhou de presente uma música dos amigos Milton Nascimento e Fernando Brant, batizada de “Menestrel das Alagoas”. Imediatamente ela se perguntou por que havia sido escolhida para homenagear Djavan. Logo o engano se desfez e ela recebeu no estúdio o verdadeiro homenageado, o senador Teotônio Vilela, um dos símbolos pela redemocratização do Brasil, que lutava contra um câncer e faleceria antes de a canção ser entoada por Fafá nos comícios pelas Diretas Já. Também de Milton e Fernando Brant é outra canção emblemática. “Coração Civil”, lançada em 1981 por Milton, ganhou regravações de Tadeu Franco e de Ney Matogrosso.

“Caçador de Mim” (MPB, 1981) – Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá
Milton Nascimento tem a capacidade de tomar para si as canções que interpreta. Não por acaso é considerado por muitos como o maior cantor brasileiro de todos os tempos – com vistas até para o mundo. Ele realizou esse feito com “Beatriz” (de Chico Buarque e Edu Lobo) e “O Que Será (À Flor da Pele)”, também de Chico, para ficar só nos exemplos mais marcantes. Outro caso é o de “Caçador de Mim”, parceria de Sérgio Magrão, do 14 Bis, com Luiz Carlos Sá, do extinto trio Sá, Rodrix e Guarabyra. A interpretação definitiva de Milton, em 1981, a atrelou para sempre ao intérprete, embora tenha recebido outras gravações igualmente bem-feitas e dignas, mas sem a tal “voz de Deus”.

“Canção do Novo Mundo” (clube da esquina, 1981) – Beto Guedes e Ronaldo Bastos
“Contos da Lua Vaga” é o nome de um filme japonês de 1953, dirigido por Kenji Mizoguchi, até hoje apontado como uma das principais contribuições do cinema oriental à sétima arte. A história se baseia em contos do século XVI e reúne uma série de acontecimentos de um período violento no Japão, quando o país enfrentou uma guerra civil. Misticismo e realidade atuam juntos no filme. Certamente Beto Guedes assistiu a este clássico do cinema mundial, tanto que o seu LP de 1981 se chamou, justamente, “Contos da Lua Vaga”. Entre as músicas do repertório, destacou-se “Canção do Novo Mundo”, mais uma parceria com Ronaldo Bastos, logo regravada por Milton Nascimento em 1983.

“Nos Bailes da Vida” (clube da esquina, 1981) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Se o compositor tende a ficar à sombra de seu intérprete, Fernando Brant teve, para iluminar suas palavras, a voz e a melodia de Milton Nascimento e a entrega incomparável da maior cantora do Brasil, Elis Regina, além de inspirados encontros afetivos e musicais com Lô Borges e Geraldo Vianna. A associação entre música e sentimento, afeto e literatura, aliás, é uma constante em sua obra. A luta pelos direitos autorais e a atividade de cronista corroboram com a imagem do sujeito simples preocupado com seu tempo e os seus companheiros. Uma das frases máximas que Brant ajudou a consolidar foi “todo artista tem de ir aonde o povo está”, de “Nos Bailes da Vida”, parceria com Milton de 1981, gravada por Joanna, Fafá de Belém e até Mercedes Sosa.

“Amor Amigo” (clube da esquina, 1981) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Foi só após a morte de Elis que Milton começou a declarar publicamente em entrevistas o amor que nutria pela intérprete. Esse sentimento reprimido foi poetizado na música “Amor Amigo”, parceria de Milton e Fernando, lançada no álbum “Caçador de Mim”, em 1981, um ano antes da partida prematura de Elis, aos 36 anos. “Essa música fala sobre o amor real, entre homem e mulher, que o Milton sentia pela Elis, mas que, devido à timidez dele e pelo fato de serem amigos, ele nunca teve coragem de revelar. O Milton é apaixonado pela Elis de tal forma que não compõe pensando na própria voz, mas na voz da Elis”, observa a belo-horizontina Paula Santoro. Na visão da cantora, a letra de Fernando Brant se vale da metáfora do mar para retratar “os mistérios do feminino e da mulher que ele (Milton) nunca teve”. Por fim, ela acrescenta que “são comoventes” os versos “mas o que eu vou dizer/ você nunca ouviu de mim/ pois minha solidão/ foi não falar, mostrar vivendo”.

“Coração Brasileiro” (MPB, 1982) – Celso Adolfo
Celso Adolfo nasceu em São Domingos do Prata, interior de Minas Gerais, no dia 9 de setembro de 1952. Cantor e compositor, ele começou a carreira em 1983, quando lançou o disco “Coração Brasileiro”, produzido por Milton Nascimento. Da lavra de Celso Adolfo, há outras canções de destaque, como “Nós Dois”, que mereceu inúmeras gravações, entre elas a de Tadeu Franco. “Brasil, Nome de Vegetal” contou com a participação especial de Milton. Entre os discos de Celso Adolfo, há também títulos como “Anjo Torto”, “Festa do Padroeiro” e “Paixão Atleticana”. Ele ainda tem parcerias com Juarez Moreira.

“Coração de Estudante” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Wagner Tiso
Guardião de sentimentos e propulsor da vida, o coração pode também ser político, como comprovam Milton Nascimento e Wagner Tiso. No ano de 1983 os dois receberam a incumbência de criar uma música para o filme “Jango”, sobre a trajetória do presidente João Goulart, deposto pelo regime militar responsável por instaurar a ditadura que perdurou no país por duas décadas. Nada mais propício, portanto, do que reportar-se ao coração utopista e ideológico daqueles que trazem a esperança. Por essas e outras, aliás, foi que “Coração de estudante” ultrapassou o propósito inicial e serviu como hino pela campanha das “Diretas Já” no ano de 1984, executada no funeral do também mineiro Tancredo Neves, um ano depois, antes de ser empossado presidente.

“Menestrel das Alagoas” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Em março de 1983, Fafá de Belém ganhou de presente uma música dos amigos Milton Nascimento e Fernando Brant, batizada de “Menestrel das Alagoas”. Imediatamente ela se perguntou por que havia sido escolhida para homenagear Djavan. Logo o engano se desfez e ela recebeu no estúdio o verdadeiro homenageado, o senador Teotônio Vilela, um dos símbolos pela redemocratização do Brasil, que lutava contra um câncer e faleceria antes de a canção ser entoada por Fafá nos comícios pelas Diretas Já. Na ocasião, a cantora também abriu uma caixa com uma pomba-branca que voou, levando a mensagem de esperança, por sugestão do cartunista Henfil. “Menestrel das Alagoas”, assim, se tornou emblema de um momento histórico para todo Brasil.

“Fruta Boa” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Fernando Brant
“Fruta Boa”, parceria de Fernando Brant com Milton Nascimento, foi lançada por Nana Caymmi em 1983, no disco que a cantora dividiu com o pianista César Camargo Mariano, batizado de “Voz e Suor”. “Só pela beleza essas músicas já valem, elas são emocionantes acima de tudo. E isso tem a ver com a música mineira que decorre do século XVIII em Vila Rica e chega ao século XX com a mistura desses contrastes de uma cidade planejada em relação a ladeiras, picos e construções coloniais. As letras do Fernando Brant ajudaram a formatar a musicalidade do Clube da Esquina, que, no disco de 1972, sintetiza esses movimentos. Digo que é o primeiro álbum de world music do mundo”, avalia Rodrigo Toffolo, maestro da Orquestra Ouro Preto.

“Beatriz” (valsa, 1983) – Chico Buarque e Edu Lobo
Inspirado em uma história real passada na Áustria do século XIX, o escritor alagoano Jorge de Lima (1893-1953) criou, em 1938, o poema épico e surrealista “O Grande Circo Místico”. Transformado em balé, o espetáculo ganhou trilha musical de Chico Buarque e Edu Lobo no ano de 1983, quando a dupla compôs a belíssima “Beatriz”. Interpretada por Milton Nascimento, a valsa faz uma elegia para a personagem que dá nome à canção e, com igual sensibilidade nos versos e acordes, cria uma imagem fluida e apaixonante. “Olha, será que ela é moça? Será que ela é triste? Será que é o contrário…?”. A música ganhou regravações de Tom Jobim, Ana Carolina e do próprio Chico. A protagonista é toda circense.

“Lágrimas do Sul” (clube da esquina, 1985) – Milton Nascimento e Marco Antônio Guimarães
A linguagem das melodias e das letras do “Clube da Esquina” e de seu mentor mais conhecido, o mineiro de coração, mas carioca de nascimento Milton Nascimento, se harmonizam numa aparente discrição, cuja força perene dos versos ressoa pela suavidade das notas, da imprescindível elegância. Porém, e mais de uma vez, quando é necessário, essa voz se insurge de maneira arrebatadora e menos quieta. Exemplo pronto é a música “Lágrimas do Sul”, parceria com Antônio Guimarães que integra o disco de Milton “Encontros e Despedidas”, lançado em 1985. Sem abrir mão da poesia, da delicadeza, da sensibilidade, Milton Nascimento combate o racismo e exalta a força africana.

“Canções e Momentos” (clube da esquina, 1986) – Milton Nascimento e Fernando Brant
Quando começou a produzir “Revivências”, álbum em que, pela primeira vez, canta exclusivamente músicas da lavra alheia, o mineiro Sérgio Pererê decidiu agregar “Canções e Momentos”. Clássico da música brasileira composto por Milton Nascimento e Fernando Brant, ganhou a voz de Maria Bethânia em 1986, no disco “Dezembros”, e reflete sobre o próprio ofício de cantar. “Há canções e há momentos/ Que eu não sei como explicar/ Em que a voz é um instrumento/ Que eu não posso controlar/ Ela vai ao infinito/ Ela amarra a todos nós/ E é um só sentimento/ Na plateia e na voz”, diz a sensível letra de Brant.

“Chico Rei” (clube da esquina, 1986) – Wagner Tiso e Fernando Brant
Wagner Tiso tentou falar, ensaiou um discurso, mas não teve jeito: começou a chorar. Ele estava no encerramento da turnê “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento, no Mineirão, diante de quase 15 mil espectadores. “Sou ‘manteiga-derretida’”. Conhecido por melodias sofisticadas para parcerias com Milton Nascimento, Fernando Brant e Ferreira Gullar, além de adaptações sobre temas do maestro Heitor Villa-Lobos, ele afirma que nunca se importou com o sucesso. Nascido em Três Pontas, no Sul de Minas, Tiso se tornou vizinho de Milton ainda criança. “Quando o Bituca tinha dois anos, o levaram pra morar em frente à minha casa”, recorda. A história da dupla estava só começando. Em 1959, Milton fundou o conjunto Luar de Prata e convidou Tiso para tocar acordeom. Foi Milton quem gravou, em 1986, “Chico Rei”, parceria do pianista com Fernando Brant, feita para a trilha sonora do filme homônimo.

“Bola de Meia, Bola de Gude” (clube da esquina, 1988) – Fernando Brant e Milton Nascimento
Dois dos principais nomes do “Clube da Esquina”, e parceiros de toda vida, Fernando Brant e Milton Nascimento compuseram juntos, em 1988, “Bola de meia, bola de gude”. Fernando, o autor dos versos, como sempre, Milton o responsável por dar voz e pela melodia. A música entrou para a trilha da novela “Coração de Estudante”, também música de Milton Nascimento, em parceria com Wagner Tiso; no ano de 2002 e na gravação do grupo 14 Bis, e referendou, ainda mais, o sucesso já consagrado. Os versos chamam a atenção para que jamais se esqueça do valor da infância, a importância de manter a chama da criança acesa no coração, as esperanças e os sonhos. “Há um menino, há um moleque/ Morando sempre no meu coração/ Toda vez que o adulto balança/ Ele vem pra me dar a mão…”.

“Benke” (clube da esquina, 1990) – Milton Nascimento e Márcio Borges
Milton Nascimento nunca escondeu os fortes traços de influência sacra e barroca em sua música. Protagonista e propagador do “Clube da Esquina”, ele compôs com o companheiro de estilo Márcio Borges a música “Benke”, em 1990. O título é uma homenagem a uma criança indígena, do povo Kampa, e é “dedicada a todos os curumins e todas as raças do mundo”, afirma Milton. Os versos buscam atentar o homem da cidade para os ensinamentos trazidos pelos nativos, o olhar que muitas vezes escapa à ternura das matas, da lua branca e de todos os ambientes desse planeta que são recheados de natureza.

“A Terceira Margem do Rio” (MPB, 1991) – Caetano Veloso e Milton Nascimento
Caetano Veloso e Milton Nascimento se inspiraram em um conto de Guimarães Rosa para compor a canção “A Terceira Margem do Rio”, do qual também extraíram o título. No conto em questão, um pai de família abandona os filhos para permanecer no meio do rio, no que seria a sua “terceira margem”, não indo e nem voltando, mas permanecendo. E como Caetano reafirma: o pai “não diz”, é “puro silêncio”, referência que deve servir também à imagem de Deus. A música foi lançada no disco “Circuladô”, de 1991, cantada por Caetano Veloso.

“Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” (MPB, 2003) – Lô Borges e Márcio Borges
Na opinião de Márcio Borges, o interesse contínuo pela música gerada por garotos que eram fãs de Beatles e uniram referências da tradição barroca à bossa nova tem a ver com o próprio reconhecimento internacional que o Clube da Esquina conquistou. “Foi um acontecimento que influenciou a música popular do mundo todo. A influência da obra de Milton e seus parceiros para os compositores de jazz americanos e europeus e para a música latino-americana é incomparável”, assegura Borges. Em 2003, ele compôs com o irmão Lô Borges a balada romântica “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, nos moldes do Clube da Esquina, lançada por Milton Nascimento no revigorante disco “Pietá”.

“Dia Comum” (clube da esquina, 2011) – Ronald Valle
O cartunista, chargista, escritor, jornalista Ziraldo, para ficar no básico, é um moleque atrevido, maluquinho, menino. Obediente à sua própria escrita, afirma: “Tudo na vida tem limite, isso de ‘perder o amigo, mas não a piada’ é, em si, uma piada. Ninguém é sozinho na vida. É preciso ter coragem para dizer as verdades e aguentar as consequências”. “Na época do Pasquim criamos várias charges sobre a tragédia que se transformou no filme, aliás, belíssimo, ‘Os Sobreviventes dos Andes’, e o Quino, muito meu amigo, inventor da Mafalda, disse que era um absurdo fazer graça com aquilo, ao que eu retruquei que cada um tem o seu próprio absurdo, o humor tem um limite peculiar”. No filme “Uma Professora Muito Maluquinha”, inspirado em uma de suas criações, Milton Nascimento interpreta “Dia Comum”, de Ronald Valle. Ali, a beleza do aprendizado aparece de forma sutil, mas deixa claro que “vai mudar sua vida”.

“Mais Bonito Não Há” (MPB, 2017) – Milton Nascimento e Tiago Iorc
Sabedoria e energia volta e meia se encontraram nos palcos da nossa canção, com a juventude recebendo o que de melhor poderia oferecer à velha guarda e vice-versa. Sem perder tempo com paradigmas, nossos artistas mostraram que idade é uma questão de estilo, muito mais do que de gênero, tanto que rock, samba, choro e baião se misturaram nesse caldo musical. Depois de assistir a um programa de televisão, Milton Nascimento resolveu convidar Tiago Iorc para uma parceria. Além de uma turnê, o encontro gerou a música “Mais Bonito Não Há”, lançada em 2017.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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