*por Raphael Vidigal Aroeira
“Não tem dó no peito, não tem jeito
Não tem coração que esqueça
Não tem ninguém que mereça
Não tem pé, não tem cabeça” Geraldo Azevedo, Zé Ramalho & Renato Rocha
Geraldo Azevedo nasceu em Petrolina, interior de Pernambuco, no dia 11 de janeiro de 1945. O garoto cresceu às margens do Rio São Francisco e, desde cedo, se interessou pela música, com o incentivo da mãe, professora que promovia eventos culturais na cidade, e do pai, que foi quem lhe deu o primeiro violão. Rapidamente, Geraldo começou a se apresentar nas rádios da cidade, até que se muda para Recife, para se preparar para a faculdade de arquitetura.
Na capital, funda o grupo Construção com Naná Vasconcelos, Teca Calazans e Paulo Guimarães, se apresentando em universidades e festivais culturais. Em 1966, Geraldo Azevedo estreia oficialmente como compositor, quando Teca grava “Aquela Rosa”, parceria com Carlos Fernando inscrita no Festival de Música Popular do Nordeste. A partir daí, passa a acompanhar a cantora Eliana Pittman e se muda para o Rio de Janeiro, onde conhece Alceu Valença.
Os dois pernambucanos logo se tornam amigos e gravam, juntos, o primeiro disco. “Quadrafônico” é lançado em 1972. Na sequência, cada um parte para a carreira-solo, mas mantém a parceria que resulta em músicas de sucesso como “Caravana” e “Táxi Lunar”, esta última com a participação de Zé Ramalho na composição. Entre os maiores sucessos da carreira de Geraldo Azevedo estão músicas como “Dona da Minha Cabeça”, “Dia Branco” e “Moça Bonita”. E, atualmente, leva ao palco um projeto musical em parceria com Chico César.
“Aquela Rosa” (marcha, 1966) – Geraldo Azevedo e Carlos Fernando
“Fui para o Rio de Janeiro por conta de uma peça de teatro que foi selecionada para o Festival Universitário. No dia da nossa estreia, os diretores do Teatro Opinião estavam presentes e me convidaram para trabalhar na peça do Plínio”, conta Teca Calazans. Posteriormente, ela atuaria em programas da TV Globo, até assumir, em 1983, o comando do semanário “Forró”, na Televisão Educativa, a convite do compositor Fernando Lobo, em substituição a Carmélia Alves. A tônica era o imenso e diversificado caldo rítmico do Nordeste. Teca não poderia estar mais em casa e à vontade. Na capital carioca, a estadia foi rápida. Ela tinha na praça um compacto simples com uma adaptação dela própria e uma marcha de Geraldo Azevedo e Carlos Fernando, “Aquela Rosa”.
“Caravana” (MPB, 1975) – Geraldo Azevedo e Alceu Valença
Letícia Persiles olhou “bem dentro dos olhos de uma andorinha” e percebeu que todo aquele “horizonte sem fim poderia também ser contemplado no fundo dos olhos de Maria Bonita”, a primeira cangaceira a integrar um bando, a quem ela dedica “O Baile das Andorinhas”, seu mais novo disco. Com sete faixas inéditas, sendo cinco da lavra da anfitriã, ela apresenta uma regravação para “Caravana”, de Geraldo Azevedo e Alceu Valença. “Amo essa música! Ela me remete muito ao universo do Cangaço. Quando na letra aparecem as velas e o cais, sempre me vem à mente as canoas de tolda, como a Luzitânia e a Prazeres, que levaram tantos cangaceiros de uma margem a outra do Rio São Francisco”, avalia Letícia. A música foi lançada em 1975 e integrou a trilha da novela “Gabriela”, da Rede Globo, protagonizada por Sônia Braga.
“Táxi Lunar” (MPB, 1979) – Geraldo Azevedo, Alceu Valença e Zé Ramalho
Geraldo Azevedo teve um início de carreira prodigioso. Autodidata, começou a tocar violão aos 12 anos. Com a mudança de Petrolina, no interior de Pernambuco, para o Rio de Janeiro, ele agarrou a chance de acompanhar Eliana Pittman (que gravou sua primeira música, “Aquela Rosa”, em 1968), Geraldo Vandré, Naná Vasconcelos e Teca Calazans. Tudo isso antes de unir sua travessia à do conterrâneo Alceu Valença, na capital fluminense. Juntos, eles estreariam em disco no ano de 1972.
“Todo disco que eu gravo, acontece de surgir uma música durante o processo. E foi assim com ‘Táxi Lunar’. O violão achou a música para mim, e fiquei com aquela melodia na cabeça. Num dia, em Santa Teresa (bairro do Rio), mostrei a música para o Zé (Ramalho), que teve a inspiração para o refrão. Ele fez outras partes também, mas eu achei pesado. Aí mostrei para o Alceu, que completou a música inspirado por uma namorada da época”, relembra Azevedo, também autor de “Canta Coração”, “Barcarola de São Francisco”, etc.
“Bicho de 7 Cabeças” (MPB, 1979) – Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha
No final da década de 1970, o pernambucano Geraldo Azevedo lançou a música “Bicho de 7 Cabeças”, de sua autoria com o paraibano Zé Ramalho e Renato Rocha. Desde o início da década, a música brasileira sofria uma oxigenação com as criações que vinham do nordeste do país. Essa canção insurge de forma tão vigorosa que recebeu inúmeras regravações em diferentes períodos, sempre mantendo o poder de impacto proveniente de sua melodia e letra. Nesta obra, os ditados transcritos são aqueles que emergem dos momentos de raiva, desacordo, com o intuito de expressar exagero e inconsequência. Por isso o clima não poderia ser outro. “Não tem pé, nem cabeça” e “Bicho de 7 cabeças” aparecem no decorrer desta simbólica peça.
“Moça Bonita” (forró, 1981) – Geraldo Azevedo e Capinam
Capinam também explorou com proeza as matizes da canção nordestina. Depois de surgir e se consagrar com um tipo de baião mais moderno em relação àquele espalhado por Luiz Gonzaga, o letrista se encontrou com o pernambucano Geraldo Azevedo. “Moça Bonita”, que mistura influências advindas do frevo e do forró, foi veiculada na trilha-sonora do seriado “Terras-do-Sem-Fim”, da Rede Globo, em 1981, o que contribuiu para seu sucesso. Mas o mérito maior, sem dúvida, é dos dois autores e da interpretação de Azevedo, que a repete sempre.
“Dia Branco” (balada, 1981) – Geraldo Azevedo e Renato Rocha
“Dia Branco” ostentou durante muito tempo o título de canção brasileira mais executada em casamentos e, talvez, ainda hoje, esteja entre as primeiras nesse ranking romântico. A história de sua criação é curiosa. O batismo teria sido inspirado pelo famoso “Álbum Branco” dos Beatles, que, naquela época, fazia a cabeça de Geraldo Azevedo, pernambucano que rumou para o Sudeste a convite da cantora Eliana Pittman em busca de oportunidades para seu trabalho. A travessia, no entanto, não foi das mais fáceis. Geraldo Azevedo levou nove anos até conseguir gravar o seu primeiro LP. Pode-se dizer que “Dia Branco”, parceria com Renato Rocha, ajudou a asfaltar o caminho que havia sido aberto com “Bicho de Sete Cabeças” dois anos antes. A canção dolente ainda toca corações.
“Inclinações Musicais” (MPB, 1981) – Geraldo Azevedo e Renato Rocha
Com direção dos cearenses Fagner e Fausto Nilo, o disco “Romance Popular”, lançado por Nara Leão, em 1981, traz em seu repertório apenas canções de compositores nordestinos. Dentre eles, além dos citados, comparecem Geraldo Azevedo, Capinam, Moraes Moreira, Robertinho do Recife, e até um poema do maranhense Ferreira Gullar musicado por Fagner. Como curiosidade, há uma composição autoral de Nara Leão, em uma parceria com Fagner e Fausto Nilo. De Geraldo Azevedo e Renato Rocha, Nara cantou a bela “Inclinações Musicais”, que ganhou uma versão de Geraldo e foi regravada pela cantora em 1985, no belo disco dividido com Roberto Menescal, “Um Cantinho, Um Violão”.
“Dona da Minha Cabeça” (forró, 1986) – Geraldo Azevedo e Fausto Nilo
O compositor Fausto Nilo conheceu os integrantes do “Pessoal do Ceará” ainda na década de 70, e, desde então, passou a ser gravado por cantores como Fagner e Belchior, e, mais tarde, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Geraldo Azevedo, entre outros. No ano de 1979, o Trio Elétrico Dodô e Osmar, banda criada pelos inventores do trio elétrico na Bahia, lançou no carnaval a música “Bloco do Prazer”, parceria de Nilo com o novo baiano Moraes Moreira. Já em 1986, Fausto Nilo conheceu outro sucesso popular, com “Dona da Minha Cabeça”, uma parceria com Geraldo Azevedo.
“Chorando e Cantando” (MPB, 1986) – Geraldo Azevedo e Fausto Nilo
Demorou 38 anos até que alguém tivesse coragem de desmentir, numa letra de música, a dupla de compositores Braguinha (1907-2006) e Antônio Almeida (1911-1985). Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo não esperaram tanto tempo para se reunir novamente. O trio voltou aos palcos em 2016 com o show que celebrava os 20 anos do “Grande Encontro”, cuja estreia, em 1996, ainda trazia Zé Ramalho em sua formação. Dentre os muitos sucessos da apresentação, lá está “Chorando e Cantando”, parceria de Fausto Nilo com Geraldo Azevedo, que dá o “troco” na histórica toada “A Saudade Mata a Gente”, lançada por Dick Farney. O segundo verso da canção de 1986 é definitivo: “Saudade já não mata a gente/ A chama continua no ar/ O fogo vai deixar semente/ A gente ri, a gente chora/ Fazendo a noite parecer um dia”. A música foi gravada, no mesmo ano, por Geraldo Azevedo e Elba Ramalho.
“Opara” (MPB, 2011) – Geraldo Azevedo e Clóvis Nunes
“O ser humano é maluco, cria coisas contra ele”, diz o compositor Geraldo Azevedo, autor do infindável sucesso “Bicho de Sete Cabeças II” (ao lado de Zé Ramalho e Renato Rocha). “As pessoas não acreditam que o planeta pode mudar, as iniciativas de revitalização são todas muito tímidas, enquanto o desmatamento, a poluição e os maus tratos são contínuos”, desabafa. As águas doces do Rio São Francisco são saudadas por Geraldo Azevedo no espetáculo “Salve São Francisco”, que rendeu disco e DVD com as participações de Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Djavan, Moraes Moreira e Fernanda Takai, que canta com o anfitrião “Opara”, nome de origem indígena.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.