Relembre sucessos de Fernanda Takai: do Pato Fu à música infantil

*por Raphael Vidigal Aroeira

“o espesso conduz ao sutil.” Carlos Drummond de Andrade

Fernanda Takai nasceu em Serra do Navio, no interior do Amapá, no dia 25 de agosto de 1971. Ainda criança, aos dois anos de idade, mudou-se para a Bahia com a família. O pai de Fernanda era geólogo e, a mãe, enfermeira, o que ocasionava as constantes mudanças. Aos nove anos, Fernanda chegou a Belo Horizonte, terra em que, finalmente, criou suas raízes. Em 1988, ela participou de sua primeira banda, Data Vênia. Mas foi com o Pato Fu que ela deslanchou na carreira. O primeiro disco veio em 1993, o irreverente “Rotomusic de Liquidificapum”, que já trazia as marcas do Pato Fu, com uma mistura de ritmos e letras, ao mesmo tempo, descontraídas e reflexivas.

Em 2007, Fernanda começou a investir na carreira-solo e homenageou Nara Leão com o disco “Onde Brilhem os Olhos Seus”, mas não deixou o Pato Fu, com quem lançou o mais recente trabalho em 2017, “Música de Brinquedo II”. Já o seu último trabalho solo foi “Será Que Você Vai Acreditar?”, que chegou à praça em 2020. No mesmo ano em que lançou o seu primeiro disco solo, ela estreou na literatura, com a reunião de contos e crônicas “Nunca Subestime Uma Mulherzinha”, de 2007. “A Mulher Que Não Queria Acreditar” e o infantil “A Gueixa e o Panda-Vermelho” deram prosseguimento à carreira literária.

“Aula de Matemática” (samba, 1958) – Tom Jobim e Marino Pinto
Roberto Menescal não cansa de repetir que, além de canto suave e “nota por nota” da bossa nova, o movimento trouxe outra contribuição para a música brasileira, ao transformar a perspectiva do gênero samba-canção. Segundo ele, “a tragédia deu lugar para a esperança”. Fernanda Takai segue com rigor essa perspectiva, ao conferir leveza a todas as 13 canções do repertório de “O Tom da Takai”, homenagem a Tom Jobim. “Aula de Matemática”, de Tom e Marino Pinto, lançada por Sylvinha Telles em 1958, é o grande achado do disco. “A ‘Aula de Matemática’ é minha contribuição como artista e mãe, porque fala de um assunto recorrente para quem tem filhos, o momento em que a matemática começa a ficar cabeluda, acho que pode ajudar muita gente”, conta Fernanda.

“Com Açúcar, Com Afeto” (MPB, 1967) – Chico Buarque
Dos vários tipos de amor que existem, um deles é o que sufoca, machuca, maltrata. Em 1967, Nara Leão lançou a resignada espera de Chico Buarque, “Com Açúcar, Com Afeto”. No DVD “À Flor da Pele”, que trata da temática feminina na obra de Chico Buarque, o compositor explica que escreveu “Com Açúcar, Com Afeto” para Nara Leão quando a cantora pediu: “Eu quero uma música daquelas das mulheres que esperam o marido”. Ela logo se converteu em um dos principais clássicos da discografia de ambos. Em 2007, ao gravar “Onde Brilhem os Olhos Seus”, Fernanda Takai regravou a canção de Chico no disco em que homenageou Nara Leão, dando voz aos grandes hits da cantora.

“Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme” (canção, 1972) – Cleide
A prolífica colaboração entre Fernanda Takai e Zélia Duncan começou em 2009, quando elas interpretaram “Boas Razões”, versão de Zélia para sucesso do francês Alex Beaupain, lançada no disco “Pelo Sabor do Gesto”, de 2009. Em 2014, a dobradinha voltou a acontecer, desta vez com Fernanda Takai no papel de anfitriã. Em “Na Medida do Impossível”, ela convidou Zélia para participar da faixa “Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme”, composta por Cleide em 1972, e eternamente associada ao cantor Reginaldo Rossi, que a gravou em 1973, estourando nas paradas. No mesmo álbum, Fernanda gravou outra versão de Zélia: “Depois que o Sol Brilhar”, do franco-judaico Yann Tiersen.

“Mucuripe” (MPB, 1972) – Belchior e Fagner
Além de considerar Hermeto Pascoal o seu “grande inspirador musical”, Lanny Gordin também é agradecido a outro personagem importante de sua sinuosa trajetória. “Com o Luiz Calanca (dono da gravadora Baratos Afins) gravei o meu primeiro disco de músicas autorais e, a partir daí, me lancei como artista solo”, relembra. A este se seguiram outros trabalhos, em que Lanny contou com a participação vocal de nomes como Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto e Fernanda Takai. No disco “Duos”, lançado em 2006, aquele considerado por um séquito de especialistas como “o maior guitarrista de todos os tempos”, interpretou com Fernanda Takai a música “Mucuripe”, clássico de Belchior e Fagner, lançado em 1972, no Disco de Bolso do já extinto jornal “O Pasquim”.

“Amar Como Jesus Amou” (religiosa, 1974) – Padre Zezinho
Nascido em Machado, no interior de Minas, e filho de violeiro, José Fernandes de Oliveira, conhecido como padre Zezinho, nunca escondeu o fascínio pela música. Aos 23 anos, já nomeado padre, começou a compor. Uma década depois, em 1974, registrou em disco um de seus grandes sucessos. “Amar Como Jesus Amou” fazia parte do álbum “Histórias Que Eu Conto e Canto”, pioneiro no uso de instrumentos como guitarra e bateria na música religiosa. “Amar Como Jesus Amou” recebeu regravações do cantor José Cid e do padre Marcelo Rossi. Mas foi em 2014, quando Fernanda Takai se juntou ao padre Fábio de Melo, que ela recebeu uma versão diferenciada. A vocalista voltou a interpretá-la em 2017.

“Severina Xique-Xique” (forró, 1975) – Genival Lacerda e João Gonçalves
“Severina Xique-Xique”, clássico do repertório de duplo sentido de Genival Lacerda, ganhou uma versão do Pato Fu para o disco “Música de Brinquedo 2”, de 2017. “A música do Genival é totalmente ‘família’, imagina, nós somos as pessoas mais ‘família’ do mundo, o primeiro crivo pelo qual ela passou foi o nosso”, justifica Fernanda Takai, em alusão aos versos que brincam com a conotação da expressão “ele tá de olho é na butique dela”. “A moral da música é positiva, é um duplo sentido que não ofende, ela aproxima a safadeza do empoderamento. A letra dá voz para a Severina, que não vai na onda do tal Pedro Caroço”, assegura o guitarrista John Ulhôa. Em “Severina Xique-Xique”, um porco de brinquedo é utilizado como percussão.

“Como Dizia o Mestre” (canção, 1975) – Benito di Paula
Antes de chegar ao mercado em edição física, o álbum de Fernanda Takai já estava nas plataformas digitais com direito a comentários faixa a faixa feitos por ela mesma. Fato que evidencia o lado antenado da artista, que aparece, em “Na Medida do Impossível – Ao Vivo no Inhotim”, de 2017, sobretudo na concepção instrumental que arregimentam as músicas. Ganha relevo sua interpretação para “Como Dizia o Mestre”, pérola brega de Benito di Paula, de 1975, e “Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme”, de Cleide, com a incidental “La Vie en Rose”, eternizada por Edith Piaf, ao fundo. É nesses momentos que a indiferença do canto de Fernanda gera cenário único. Sem expressar nenhum envolvimento com a dor ali protagonizada, o sentido crítico avoluma-se.

“Tolices” (rock, 1985) – Edgard Scandurra
No disco de estreia da banda paulistana Ira!, “Mudança de Comportamento”, de 1985, a música “Tolices”, de Edgard Scandurra, chamou a atenção. Em 2001, no disco “Ruído Rosa”, a banda mineira Pato Fu lançou a sua versão da música. O primeiro encontro entre as duas bandas ocorreu em 1999, quando Fernanda Takai dividiu com Nasi os vocais da música “Telefone”, de Júlio Barroso e Márcio Vaccari, sucesso da trupe Gang 90 & as Absurdettes na década de 1980. O projeto revisionista “Ira! Folk”, de 2017, foi filmado no Citibank Hall, em São Paulo, e rendeu CD e DVD, com as participações de Fernanda Takai e Yamandu Costa. E Fernanda marca presença em “Tolices”.

“Sobre o Tempo” (pop, 1995) – John Ulhôa
Uma trupe formada em Belo Horizonte por John Ulhôa, Fernanda Takai e Ricardo Koctus deu um drible nas expectativas da música brasileira ao misturar influências eletrônicas de bandas internacionais à prosódia dos nossos inventivos compositores, com atenção destacada para Tom Zé e Os Mutantes. O segundo disco do Pato Fu, de 1995, tinha o sugestivo e irônico nome de “Gol de Quem?”. Com regravações dos Beatles e até de Nelson Gonçalves, o grande sucesso foi uma composição de John Ulhôa. “Sobre o Tempo” versava sobre essa questão tão cara ao ser humano de forma leve, sem perder a profundidade: “Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda eu sei/ Pra você correr macio”.

“Love Is a Losing Game” (soul, 2007) – Amy Winehouse
Em inglês, Fernanda Takai dá voz à balada “Love Is a Losing Game”, de Amy Winehouse, no disco “Será Que Você Vai Acreditar?”. A morte precoce da britânica, aos 27 anos, por overdose de bebidas alcóolicas, adiou o reencontro de Fernanda com suas canções. Ela costumava interpretar “Rehab” nos shows, o que “ficou sem graça” com a partida da estrela. Embora escutasse “Love Is a Losing Game” em looping, o pudor a impedia de registrá-la. A simplicidade dos poucos acordes a cativavam desde sempre. Assim como a letra “sobre a descrença no amor”. “Tudo é questão de sorte ou azar, não adianta o esforço, porque não temos controle”, analisa Fernanda. Com um violão de nylon, esse “discurso atual”, adquiriu “contornos de bossa nova que o trazem para o Brasil”.

“Opara” (MPB, 2011) – Geraldo Azevedo e Clóvis Nunes
“O ser humano é maluco, cria coisas contra ele”, diz o compositor Geraldo Azevedo, autor do infindável sucesso “Bicho de Sete Cabeças II” (ao lado de Zé Ramalho e Renato Rocha). “As pessoas não acreditam que o planeta pode mudar, as iniciativas de revitalização são todas muito tímidas, enquanto o desmatamento, a poluição e os maus tratos são contínuos”, desabafa. As águas doces do Rio São Francisco são saudadas por Geraldo Azevedo no espetáculo “Salve São Francisco”, que rendeu disco e DVD com as participações de Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Djavan, Moraes Moreira e Fernanda Takai, que canta com o anfitrião “Opara”, nome de origem indígena.

“Fundamental” (bossa nova, 2012) – Andy Summers
As crônicas de Fernando Sabino a respeito de sua passagem pela Inglaterra renderam o livro “A Inglesa Deslumbrada”, onde o humor dá o tom periférico à ousadia do escritor. Já a passagem do inglês Andy Summers pelo Brasil, astro da extinta banda The Police, resultou em parceria com a amapaense Fernanda Takai, residente em Belo Horizonte há tempo bastante para considerar-lhe mineira quem assim o quiser. “Não vejo nenhum problema no fato da bossa nova ser a embaixatriz da música brasileira no exterior. Embora artistas como Gil, Marisa Monte e Adriana Calcanhotto venham mostrando a esse público uma mistura mais pop”, diz Fernanda que, com Andy, gravou “Fundamental”.

“Abrigo” (MPB, 2015) – Roberta Campos e Fernanda Takai
Logo em seu álbum de estreia, a mineira Roberta Campos, conterrânea de Clara Nunes (nascida em Caetanópolis), emplacou três canções em novelas. “Varrendo a Lua” mostrava com força a delicadeza da compositora. “Todo Caminho É Sorte”, o quarto álbum, de 2015, recebeu indicação ao Grammy Latino. Além de assinar a maioria das faixas, Roberta inaugura parceria com Fernanda Takai e apresenta registro íntimo de “Casinha Branca”, sucesso da música sertaneja. Aqui, aparece nítido um lado às vezes pouco divulgado de Fernanda Takai, a habilidade da compositora. “Abrigo” virou tema da novela “O Outro Lado do Paraíso”, da Rede Globo, em 2017, e ganhou bonito videoclipe.

“Karma Wall” (vanguarda, 2018) – Carlos Careqa
Nascido no interior de Santa Catarina, Carlos Careqa já foi gravado por Chico Buarque, Daniela Mercury, Letícia Sabatella e Mônica Salmaso. “Todos Nós” é nada mais, nada menos, que o 13º álbum de uma carreira iniciada no mercado fonográfico em 1993. Com 13 faixas autorais, o lançamento reafirma o caráter surpreendente do anfitrião, ao se consolidar como o disco mais sério de Careqa. As primeiras faixas utilizam imagens que poderiam soar cômicas, não fosse a intenção da voz e dos arranjos propostos por Marcio Nigro. “Karma Wall” traz um humor mais à vontade, com um Carnaval onírico no Japão, a bordo do sucesso “Mamãe Eu Quero Mamar”. A confusão de nacionalidades se completa através do canto em inglês de Fernanda Takai.

“A Cobra” (infantil, 2018) – Flávio Henrique e Chico Amaral
Nascido em Belo Horizonte no dia 20 de julho de 1968, o cantor, compositor, instrumentista, arranjador e produtor cultural Flávio Henrique, teve suas músicas gravadas por grandes nomes do cenário nacional. Em 1999, Ney Matogrosso escolheu “Olhos de Farol”, parceria do mineiro com Ronaldo Bastos, para dar título ao seu novo disco. Flávio Henrique também compôs com Paulo César Pinheiro e Luiz Tatit e viu suas canções ecoarem por meio das vozes de Milton Nascimento, Ed Motta, Fernanda Takai e Zeca Baleiro. Em 2018, o livro infantil mais vendido do sociólogo Betinho, “A Zeropéia”, transformou-se em curta metragem. Coube a Flávio Henrique e Chico Amaral criarem a música “A Cobra”, gravada pela voz doce, suave de Fernanda Takai.

“Acorda Para Ver o Sol” (MPB, 2020) – Luiza Brina e Ronaldo Bastos
“A Fernanda Takai é, para mim, uma referência de grande cantora e compositora, mulher. Admiro muitíssimo o seu trabalho e a sua carreira, desde o Pato Fu, que também marcou minha adolescência, até sua carreira-solo. A canção que a Fernanda participa no disco é a “Acorda Para Ver o Sol”, parceria que fiz com o incrível letrista Ronaldo Bastos. Começamos a gravar o arranjo dessa canção no disco, e um dia imaginei ali a voz da Fernanda, percebendo alguma semelhança entre essa canção e o trabalho solo dela. Achei que ficaria bonito. Fiz o convite e ela aceitou. Foi uma alegria”. As palavras são da mineira Luiza Brina que, em 2020, lançou o álbum “Tenho Saudade Mas Já Passou”.

“Pontal” (balada, 2020) – Arthur Nogueira e Fernanda Takai
“No ano passado, quando ganhei uma bolsa do governo do Pará para compor canções inéditas, fiquei a fim de voltar a trabalhar com música eletrônica, porém de modo diferente dos álbuns “Sem Medo Nem Esperança” (2015) e “Presente (Antonio Cicero 70)” (2016), que são mais experimentais. Apesar dos tempos sombrios, eu me sinto feliz com os caminhos que percorri com minha música até aqui, e queria que essa tranquilidade transparecesse nas canções novas. Fernanda Takai está em meus ouvidos desde antes de eu me tornar um artista também. Além da admiração, a convidei por ser uma artista que toca muito no rádio, que sabe muito sobre música pop e, portanto, é capaz de oferecer à minha música os tons mais suaves que eu procurava. Enviei a melodia para que ela me devolvesse com letra”, explica Arthur Nogueira sobre “Pontal”, parceria com Fernanda Takai lançada em seu mais recente disco.

“Terra Plana” (balada, 2020) – John Ulhoa
Após ser condenado às masmorras pelo Santo Ofício da Igreja Católica, em 1633, graças à insistência em afirmar que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário, Galileu Galilei (1564-1642) teria murmurado, bem baixinho: “E, no entanto, ela se move”. As lutas inglórias do cientista florentino inspiraram a peça “A Vida de Galileu”, encenada pela primeira vez em 1943, de autoria do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), que, segundo ele, a escreveu “para servir de exemplo e conselho aos sábios alemães tentados a abdicar de seu saber nas mãos dos chefes nazistas”. Antes dessa prosopopeia, no século VI a.C., o matemático Pitágoras (570-495 a.C.) já havia compreendido a natureza esférica do planeta, tema que a cantora Fernanda Takai se vê impelida a resgatar em pleno 2020. “Terra Plana” abre o mais novo disco de inéditas da artista, “Será Que Você Vai Acreditar?”, verso pinçado desta faixa.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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