Relembre os sucessos de Manacéia, compositor de ‘Quantas Lágrimas’

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Ah, quantas lágrimas eu tenho derramado
Só em saber que não posso mais
Reviver o meu passado” Manacéia

Não é exagero dizer que a Portela nasceu com Manacéia. Irmão dos também compositores Mijinha e Aniceto, ele cresceu em meio aos os blocos carnavalescos “Quem Fala de Nós Come Mosca”, “Quem Nos Faz É O Capricho” e “Vai Como Pode”, que, em meados da década de 1930, se uniram para dar nome à Portela. Manacéia era, então, uma criança de cinco anos e já brincava de Carnaval, fascinado com aquele universo de ritmos e cores. Nascido no Rio de Janeiro, no dia 26 de agosto de 1921, portanto há um século, Manacéia morreu em 10 de novembro de 1995, aos 74 anos. Em sua homenagem, uma rua do bairro Madureira passou a se chamar Rua Manacéia. Manacé José de Andrade é o nome de batismo deste grande sambista carioca!

“Minha Querida” (samba, 1957) – Manacéia
Manacéia não tinha completado 10 anos quando começou a participar dos desfiles da Portela. Rapidamente, o garoto aprendeu a tocar tamborim e, ao alcançar a maioridade, apresentou os seus primeiros sambas à escola, como “Princesa Isabel”, “O Despertar do Gigante”, “Riquezas do Brasil”, “Brasil de Ontem” e “Descoberta do Brasil”, esta última em parceria com Risadinha. Foi somente em 1957, que Manacéia atingiu a glória de ter o seu primeiro samba gravado. “Minha Querida” foi lançada no histórico LP “A Vitoriosa Escola de Samba da Portela”. Na ocasião, a maior campeã do Carnaval carioca já contava com 12 títulos em sua galeria. A música foi regravada por Marquinhos de Oswaldo Cruz, em 2000, quando ele lançou o CD “Uma Geografia Popular”.

“Nascer e Florescer” (samba, 1962) – Manacéia
A gravação de “Nascer e Florescer” começa com o som de passarinhos, que depois passam a conviver com os instrumentos, até que a voz grave e bonita de Monarco toma as rédeas do samba. Uma das mais delicadas composições de Manacéia dá a medida das dificuldades impostas pelo mercado. A música foi composta em 1962, mas só chegou ao disco no ano 2000, cinco anos após a morte do compositor. Felizmente, a posteridade legou aos fãs a chance de conhecer essa pérola da música brasileira, graças ao empenho de Marisa Monte, que produziu o álbum “Tudo Azul”, da Velha Guarda da Portela. Os arranjos do disco ficaram a cargo de Paulão Sete Cordas. Também de Manacéia, ainda foi gravada a música “Sempre Teu Amor”, outra preciosidade.

“Sempre Teu Amor” (samba, 1963) – Manacéia
“Sempre Teu Amor” apareceu pela primeira vez em disco no ano de 1963, no álbum “Grandes Sucessos da Portela”, na interpretação de Abílio Martins e Zezinho. Em 1976, dois anos depois de estourar com o clássico “Quantas Lágrimas”, a sempre atenta Cristina Buarque voltou à obra de Manacéia. No disco “Prato e Faca”, ela resgatou “Sempre Teu Amor”, ampliando o acesso a essa composição de teor romântico que, como anuncia o título do disco de Cristina, lança mão do prato e da faca no início de sua percussão. A faixa traz a participação da Velha Guarda da Portela. A produção do álbum ficou a cargo de Fernando Faro. Em 1988, Beth Carvalho regravou a música no disco “Alma do Brasil”. “Eu não sou ninguém/ Como tu sabes amor/ Só tenho a vida”, canta.

“Quantas Lágrimas” (samba, 1970) – Manacéia
Produzido por Paulinho da Viola, o disco “Portela, Passado de Glória”, foi lançado em 1970. O trabalho apresentou composições dos mais ilustres nomes da Escola de Samba na interpretação da Velha Guarda da Portela. Entre elas, a música “Quantas Lágrimas”, que, como o próprio disco, não recebeu a atenção merecida e passou despercebida. Felizmente, o Brasil tem Cristina Buarque que, quatro anos depois, em 1974, estreou em disco e chamou a atenção do país para a beleza de “Quantas Lágrimas”. A música se transformou no maior sucesso da carreira de Cristina e de Manacéia, e recebeu mais de 40 regravações, passando pelas vozes de Teresa Cristina, Zélia Duncan, Noite Ilustrada, Paulinho da Viola, Marisa Monte, Nana Caymmi, e etc.

“Carro de Boi” (samba, 1976) – Manacéia
No mesmo disco de 1976 em que deu voz a “Sempre Teu Amor”, Cristina Buarque sacou da cartola outra composição emblemática de Manacéia. “Carro de Boi” também conta com a participação de uma esperta cuíca em seu arranjo. A música ganhou o registro de Beth Carvalho um ano depois, em 1977, no álbum “Nos Botequins da Vida”. Beth voltou à canção em 1987, no disco ao vivo gravado em Montreux, na Suíça. A música parte de uma ideia simples, composta com poucos versos e uma melodia envolvente. “Meu carro de boi ficou no lamaçal/ Vai buscar meu boi, vai buscar meu boi, menino”, diz a letra. Com a gravação de Beth, Manacéia passava a incluir mais uma sambista de estirpe no rol de cantoras que regravaram a sua obra, como Cristina e Marisa.

“Quando Quiseres” (samba, 1977) – Manacéia
Zeca Pagodinho já era um nome consagrado do Cacique de Ramos, apadrinhado por Beth Carvalho, quando, em 1992, lançou o disco “Um dos Poetas do Samba”, que o mostrava na capa ainda magrinho, no início de uma carreira de sucesso iniciada em 1983. “Essa faixa é dedicada à Velha Guarda da Portela e eu vou de carona nesse mi menor”, dizia Zeca na introdução do pot-pourri com “Quando Quiseres”, “Meu Tamborim” “Dá-me Um Sorriso” e “Vida de Fidalga”, e emendava os primeiros versos da música de Manacéia: “Quando você se arrepender/ E quiser que o nosso amor volte a viver/ O meu coração não lhe aceitará/ Você de tristeza vai chorar”. A primeira gravação do samba foi da cantora Sônia Lemos, e depois de Cristina Buarque e Tia Surica.

“Manhã Brasileira” (samba, 1977) – Manacéia
“Quando amanhece/ O céu resplandece/ Os raios do sol a brilhar/ Os passarinhos começam a cantar/ Anunciando a manhã brasileira/ Gorjeando sobre a mais alta palmeira/ Todos cantam com alegria/ Como é tão lindo ver o romper do dia”. São de Manacéia a voz e o cavaquinho que introduzem os primeiros versos de “Manhã Brasileira”, na gravação feita em 1979 para o disco “Negritude”, de Zezé Motta, que surge em cena logo em seguida. A música foi lançada em 1977, no álbum “Samba Pé no Chão”, da cantora Luiza Maura. Em 2008, Zeca Pagodinho voltou a interpretar Manacéia, em um pot-pourri que contemplava, além de “Manhã Brasileira”, as músicas “Falsas Juras” e “Pecadora”. O álbum coletivo “O Samba É Minha Nobreza” trouxe nova versão.

“Volta Meu Amor” (samba, 1977) – Manacéia e Áurea Maria
Manacéia tinha o hábito de compor, sozinho, melodia e letra de suas músicas. Em 1977, porém, ele abriu uma honrosa exceção, ao compor com sua filha, Áurea Maria, o samba “Volta Meu Amor”, lançado naquele ano pela cantora Sônia Lemos. Acompanhado pela Velha Guarda da Portela, sua escola de samba do coração, Zeca Pagodinho registrou a música em 1989, no disco “Boêmio Feliz”, ao lado de “Cada um pro Seu Lado”, “Eu Já Ando Cheio de Aborrecimento”, “Dona do Meu Coração” e “Cantar de um Rouxinol”. Marisa Monte resgatou a canção, também acompanhada pela Velha Guarda da Portela, no ano 2000, quando produziu e participou do disco “Tudo Azul”. “Foi embora meu grande amor/ Fiquei tão sozinho, sem um carinho/Neste mundo”.

“Obrigado pelas Flores” (samba, 1979) – Manacéia e Monarco
Outra parceria rara de Manacéia foi com Monarco, portelense histórico como ele. Juntos, eles criaram o samba “Obrigado pelas Flores”, lançado em 1979, no LP “Beth Carvalho no Pagode”. A letra, cheia de lirismo, oferece a troca de uma canção pelas flores recebidas. Décadas depois, Monarco finalmente colocou voz na música de sua autoria. Primeiro, em 2017, ao participar do álbum “Do Começo ao Infinito”, de Ana Costa e Carrapicho Rangel. Um ano depois, em 2018, com seu próprio disco, “Monarco de Todos os Tempos”, em que matava a saudade de vários parceiros, incluindo Manacéia. Afinal de contas, quando Monarco passou a integrar a ala de compositores da Portela, em 1950, Manacéia já tinha os seus sambas cantados com euforia na avenida.

“A Natureza” (samba, 1983) – Manacéia
Dois nomes históricos da Vila Isabel, cantando o samba de um compositor da Portela. Encontros que só a música permite. Em 1983, no seu disco de estreia, o bamba Luiz Carlos da Vila convidou Martinho da Vila para cantar com ele “A Natureza”, música de Manacéia. A letra toca em um tema que se tornou cada vez mais sensível com o passar dos anos: o respeito ao meio-ambiente, não sem deixar uma mensagem de esperança. “Quando a natureza se aborrece/ Toda a beleza na terra desaparece/ O céu todo escurece/ A chuva logo desce/ Mas isto desaparece/ Quando o céu se resplandece/ Os raios de sol logo descem/ Clareando todo universo”, cantam Martinho e Luiz Carlos da Vila. A música foi regravada em 2020, numa nova versão da Velha Guarda da Portela.

“Flor do Interior” (samba, 1986) – Manacéia
Clara Nunes deixou o Brasil mais triste quando, em 1983, morreu com apenas 40 anos, após se submeter a uma cirurgia de varizes e sofrer uma reação alérgica fatal à anestesia. Como não poderia deixar de dizer, a partida precoce de Clara, portelense de coração, comoveu seus colegas de escola, dentre eles Manacéia que, em 1986, registrou no disco “Doce Recordação”, produzido pelo japonês Katsunori Tanaka, o belo samba “Flor do Interior”, de sua autoria, acompanhado de perto pela Velha Guarda da Portela. Ao longo da vida, foram poucas vezes em que Manacéia teve a oportunidade de gravar em disco, o que se repetiu com muitos sambistas talentosos de sua geração. “A Velha Guarda da Portela/ Chorou, chorou/ Até hoje ainda chora/ Sua madrinha foi embora…”.

“Amor Proibido” (samba, 1990) – Manacéia
Filha do compositor Mauro Diniz, neta de Monarco e afilhada de Zeca Pagodinho, a cantora Juliana Diniz carrega o samba no DNA, assim como a ligação com a Portela. Depois de estrear em disco com “Apoteose ao Samba”, de 2003, ela gravou, em 2005, um novo trabalho, com a produção de Zeca Pagodinho e Rildo Hora. Para o repertório, escolheu um samba de Manacéia, “Amor Proibido”, lançado em 1990 por Gera, ex-jogador de futebol que atuou por Sport e Santa Cruz e, após penduras as luvas (era goleiro), resolveu se dedicar ao samba. A música ainda recebeu outra gravação, em 1994, no álbum “Resgate”, com o próprio Manacéia, Cristina Buarque e Monarco. “Eu imploro noite e dia ao meu criador/ Que faça me esquecer daquele grande amor…”, diz.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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