Relembre os grandes sucessos de Monarco, eterno bamba da Portela

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Se o teu amor
Fosse um amor de verdade
Eu não queria e nem podia
Ter maior felicidade” Monarco & Chico Santana

Hildemar Diniz, mais conhecido como Monarco, nasceu no Rio de Janeiro no dia 17 de agosto de 1933, e morreu na mesma cidade no último dia 11 de dezembro de 2021, aos 88 anos. Cantor, compositor e presidente de honra da Portela, tornou-se um dos mais ativos nomes da escola de samba. Desde 1950, ele integrava a ala de compositores da Portela, onde se tornou líder da velha guarda. Sua especialidade eram os “sambas de terreiro” ou “sambas de quadra”. Entre os maiores sucessos de Monarco estão músicas como “Coração em Desalinho”, “Lenço”, “Passado de Glória”, “O Quitandeiro”, “Amor Verdadeiro”, gravadas por Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola e Marisa Monte.

“Ministério da Economia” (samba, 1951) – Geraldo Pereira e Arnaldo Passos
“Ministério da Economia” era supostamente uma música para fazer afagos em Getúlio Vargas, então presidente do Brasil. Mas o samba não ficou datado justamente pelo caráter irônico que se pode atribuir a ele, ao se constatar o protagonista esbanjando o fato de não precisar “comer mais gato”. A música em parceria com Arnaldo Passos foi novamente lançada pelo próprio Geraldo Pereira, e recebeu as regravações do portelense Monarco e de Jards Macalé.

“Cântico à Natureza (Primavera)” (samba, 1955) – Nelson Sargento e Alfredo Português
Nelson Sargento passou quatro anos tentando emplacar um samba-enredo para a Mangueira desfilar na avenida, até que, em 1955, conseguiu. Batizado por ele e o padrasto, Alfredo Português, de “Cântico à Natureza”, a canção ficaria mais conhecida como “Primavera”, cujos versos, sublinhados por uma delicada melodia, logo trazem à memória um tempo de bem-estar e esperança: “Oh primavera adorada/ Inspiradora de amores/ Oh primavera idolatrada/ Sublime estação das flores”. As outras estações do ano são também citadas na letra, mas é a primavera que se impõe, abrindo e fechando a canção. Lançada por Jamelão em 1955, ela chegou a ter o nome do cantor credenciado entre os compositores, o que era comum na época, mas foi escrita somente por Nelson e o padrasto. Ganhou regravações de Monarco, Chico César e de Ivo Meireles.

“Nascer e Florescer” (samba, 1962) – Manacéia
A gravação de “Nascer e Florescer” começa com o som de passarinhos, que depois passam a conviver com os instrumentos, até que a voz grave e bonita de Monarco toma as rédeas do samba. Uma das mais delicadas composições de Manacéia dá a medida das dificuldades impostas pelo mercado. A música foi composta em 1962, mas só chegou ao disco no ano 2000, cinco anos após a morte do compositor. Felizmente, a posteridade legou aos fãs a chance de conhecer essa pérola da música brasileira, graças ao empenho de Marisa Monte, que produziu o álbum “Tudo Azul”, da Velha Guarda da Portela. Os arranjos do disco ficaram a cargo de Paulão Sete Cordas. Também de Manacéia, ainda foi gravada a música “Sempre Teu Amor”, outra preciosidade.

“Passado de Glória” (samba, 1970) – Monarco
Não é exagero dizer que a Portela nasceu com Manacéia. Irmão dos também compositores Mijinha e Aniceto, ele cresceu em meio aos os blocos carnavalescos “Quem Fala de Nós Come Mosca”, “Quem Nos Faz É O Capricho” e “Vai Como Pode”, que, em meados da década de 1930, se uniram para dar nome à Portela. Manacéia era, então, uma criança de cinco anos e já brincava de Carnaval, fascinado com aquele universo de ritmos e cores. Em 1970, Monarco, que foi parceiro de Manacéia, compôs um samba para exaltar as conquistas da escola de samba, com “Passado de Glória”. Logo, a música foi lançada pela Velha Guarda da Portela e regravada por Paulinho da Viola.

“Lenço” (samba, 1971) – Monarco e Chico Santana
Em 1956, Monarco teve a sua primeira música lançada em disco pela voz do cantor Risadinha, que gravou “Vida de Rainha”, uma parceria com Alvaiade. Tempos depois, em 1971, chegou o primeiro sucesso de fato, com o registro de Paulinho da Viola para o samba “Lenço”, de Monarco e Chico Santana. A composição logo se tornou um dos grandes clássicos da obra de Monarco, com melodia inspirada e uma letra de desamor resignado, em que o protagonista desiste do sentimento para não sofrer mais. “Lenço” ganhou regravações de Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Leila Pinheiro e da Velha Guarda da Portela.

“Tudo, Menos Amor” (samba, 1973) – Monarco e Walter Rosa
O samba, como samba, se fez em terreiro, vindo da África, batizado a partir de palavra que designava tradicional dança de Angola, que logo migrou primeiro para a Bahia e depois chegou, também através dos escravos e seus descendentes, ao Rio de Janeiro, onde se transformou em ritmo, estilo e até modo de vida, responsável por caracterizar seus músicos e cantores pejorativamente de “malandros”. É Martinho da Vila que atesta a importância de Noel Rosa nesse procedimento, “branco sem preconceitos que subiu o morro e trouxe o samba ao centro de todas as classes sociais”. Ao abordar as raízes do samba no álbum “Origens (Pelo Telefone)”, Martinho deu voz a “Tudo, Menos Amor”, samba da dupla formada por Monarco e o parceiro Walter Rosa.

“O Quitandeiro” (samba, 1976) – Monarco e Paulo da Portela
Outra música de imenso sucesso composta por Monarco foi “O Quitandeiro”, em parceria com o companheiro Paulo da Portela. O samba foi lançado pelo próprio Monarco, em 1976, e logo caiu no gosto popular, tanto que recebeu mais de 20 regravações, entre elas a de Beth Carvalho, eterna madrinha do samba. A letra cita alguns personagens históricos da música popular, como o compositor e comediante Chocolate, e se baseia na simples premissa da vida daquele que cuida dos alimentos e os prepara com carinho e cuidado ao outro. Roberto Ribeiro foi responsável por outra bela interpretação de “O Quitandeiro”.

“Jardim da Solidão” (samba, 1979) – Monarco
Clara Francisca Gonçalves Pinheiro, mais conhecida como Clara Nunes nasceu no dia 12 de agosto de 1942, em Caetanópolis, então município de Paraopeba, interior de Minas Gerais, e morreu aos 40 anos, após se submeter a uma cirurgia de varizes e sofrer uma reação alérgica fatal à anestesia. Clara Nunes começou a cantar em Belo Horizonte, na rádio Inconfidência, após deixar o emprego de tecelã numa fábrica de sua cidade. Em 1963, ganhou um programa exclusivo na TV Itacolomy, batizado de “Clara Nunes Apresenta”, que ficou no ar durante um ano e meio. Em 1966, estreou em disco. No LP “Esperança”, de 1979, gravou o belo samba “Jardim da Solidão”, de Monarco.

“Obrigado pelas Flores” (samba, 1979) – Manacéia e Monarco
Outra parceria rara de Manacéia foi com Monarco, portelense histórico como ele. Juntos, eles criaram o samba “Obrigado pelas Flores”, lançado em 1979, no LP “Beth Carvalho no Pagode”. A letra, cheia de lirismo, oferece a troca de uma canção pelas flores recebidas. Décadas depois, Monarco finalmente colocou voz na música de sua autoria. Primeiro, em 2017, ao participar do álbum “Do Começo ao Infinito”, de Ana Costa e Carrapicho Rangel. Um ano depois, em 2018, com seu próprio disco, “Monarco de Todos os Tempos”, em que matava a saudade de vários parceiros, incluindo Manacéia. Afinal de contas, quando Monarco passou a integrar a ala de compositores da Portela, em 1950, Manacéia já tinha os seus sambas cantados com euforia na avenida.

“Coração em Desalinho” (samba, 1986) – Monarco e Ratinho
Zeca Pagodinho foi descoberto pela madrinha do samba em uma de suas visitas ao Cacique de Ramos. Beth Carvalho gravou “Camarão que dorme a onda leva” e tornou-o conhecido em território nacional, o que o permitiu gravar seu primeiro disco. Foi em sua estreia como cantor, portanto, que Zeca apresentou ao Brasil, logo de cara, um dos maiores sucessos da carreira. “Coração em desalinho”, um samba lançado em 1986 é cria de Monarco e Ratinho. O primeiro, no entanto, aparece identificado nos créditos do álbum com o pseudônimo Diniz, seu sobrenome de batismo. A música serve de alento aos corações machucados, já que “quem canta seus males espanta…”, como diz o ditado. Regravada pelas cantoras Beth Carvalho, Mart’nália e Maria Rita.

“Vai Vadiar” (samba, 1998) – Monarco e Ratinho
Zeca Pagodinho já era um nome consagrado do Cacique de Ramos, apadrinhado por Beth Carvalho, quando, em 1992, lançou o disco “Um dos Poetas do Samba”, que o mostrava na capa ainda magrinho, no início de uma carreira de sucesso iniciada em 1983. “Essa faixa é dedicada à Velha Guarda da Portela e eu vou de carona nesse mi menor”, dizia Zeca na introdução do pot-pourri com “Quando Quiseres”, “Meu Tamborim” “Dá-me Um Sorriso” e “Vida de Fidalga”. Já em 1998, Zeca popularizou o samba “Vai Vadiar”, do portelense ilustre Monarco com Ratinho, parceiro de “Coração em Desalinho”.

“Coração do Brasil” (samba, 1998) – Jards Macalé
Jards Macalé, um dos mais irreverentes e criativos compositores nacionais, com trajetória incomum dentro deste cenário, apelidado até, em certo momento e a contragosto, de “maldito”, prestou uma homenagem à identidade brasileira a seu modo, cinco anos antes de encampar o mote “Amor, Ordem & Progresso” para a bandeira, em 1998. “Coração do Brasil” é um samba, lançado no álbum “O Q FAÇO É MÚSICA”, com um único verso de única palavra repetido exaustivamente: “Coração/ Ah coração!/ Coração/ Ah coração!”. A música recebe o acompanhamento da Velha Guarda da Portela, de Monarco e Cristina Buarque nos coros e vocais, além de Ovídio e Gordinho na percussão, e é dedicada ao cineasta Nelson Pereira dos Santos, um dos ícones do Cinema Novo. Condensa em seu bojo misto de lamento e exaltação.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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