*por Raphael Vidigal Aroeira
“Tal como às vezes, antes de uma tempestade,
O céu fica saliente e as nuvens não se movem,
E os arrojados ventos perdem toda a voz,
E abaixo a terra ostenta a quietação da morte,
Mas logo rasga os ares o hórrido trovão,
Assim depois da pausa, ativa-se a vingança” William Shakespeare
Agnaldo Timóteo nasceu em Caratinga, interior de Minas Gerais, no dia 16 de outubro de 1936, e morreu no dia 3 de abril de 2021, aos 84 anos, vítima da Covid-19. Desde pequeno, Agnaldo demonstrou o interesse pela música, apresentando-se em circos que passavam por sua cidade natal, onde conheceu o conterrâneo Ziraldo, que viria a se tornar um conhecido cartunista. Aos 16 anos, deixou Caratinga em direção a Governador Valadares, onde começou a trabalhar como torneiro mecânico.
Agnaldo passava os dias ouvindo músicas de Cauby Peixoto e Ângela Maria, seus maiores ídolos. Em seguida, foi para Belo Horizonte e, com a ajuda do radialista Aldair Pinto, se apresentou nas rádios Itatiaia, Inconfidência, Mineira e Guarani. Conheceu Ângela Maria quando ela se apresentou na cidade e seguiu o conselho de ir para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades. Antes de estourar, Agnaldo foi motorista de Ângela Maria.
A virada na carreira veio com “Meu Grito”, música de Roberto Carlos que ele gravou em 1967. Daí pra frente, ele emplacou uma coleção de sucessos, como “Galeria do Amor”, “Os Verdes Campos da Minha Terra”, “A Casa do Sol Nascente”, “Os Brutos Também Amam”, “Mãezinha Querida” e vários outros. Quando morreu, Agnaldo gravava um tributo para Ângela Maria, com quem dividiu dois discos, e deixou cerca de seis faixas prontas. Ele, que nunca foi dado a modéstias, dizia que “cantava como ninguém”.
Análise. Agnaldo Timóteo é descendente direto de Nelson Gonçalves, Francisco Alves, Cauby Peixoto, Vicente Celestino, Carlos Galhardo e Silvio Caldas, entre tantos outros, embora nenhum deles tenha nascido no interior das Minas Gerais, em Caratinga.
Pertence à linhagem de Altemar Dutra, Nelson Ned, Wando, estes sim seus contemporâneos e conterrâneos de terras mineiras, embora o último sem a força e extensão vocal dos demais, mas listado entre os propagadores da música romântica que, em seu período auge de atuação, provavelmente pelo inconformismo dos que não obtinham os mesmos números de vendagem, foram pejorativamente taxados como “cafonas”, e, mais tarde, “bregas”.
A primeira expressão, inclusive, teria sido fortemente divulgada pelo irreverente Carlos Imperial, segundo palavras do próprio Agnaldo Timóteo, cuja voz límpida, clara e potente ainda ecoa. Foram mais de 80 anos de polêmica existência.
E ecoa porque Agnaldo soube, em cenário inchado por vários intérpretes de características similares à sua, diferenciar-se pelo repertório e, acima de tudo, a postura altiva, de imposição, bem ao compasso do que cantava, impedindo deste modo a dissociação entre obra e intérprete.
Intérpretes bem mais quistos pela crítica especializada foram também acusados de cantar na obra a própria vida, com uma total entrega, sendo os casos de Elis Regina, Elza Soares, etc., mas em Timóteo o caráter popular, em diversos casos, popularesco, impregna-se sem comprometer, com isto, a qualidade da afinação, a emissão vocal e principalmente a capacidade em alimentar os sentimentos da música através de gestos corporais e sonoros, captando nuances e oferecendo-as ao público sem deixar de serem suas, ou seja, sentindo-as até o último momento ou, ao menos, passando esta impressão. Agnaldo Timóteo canta e fala com coração.
Política. A atuação política de Agnaldo Timóteo começou cedo. Em 1983, o cantor de Caratinga, no interior de Minas, se elegeu deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro, partido à época comandado por Leonel Brizola. Posteriormente, também foi deputado pelo PPR, entre 1995 e 1996, quando renunciou para assumir o cargo de vereador. Em 2004, foi novamente eleito vereador por São Paulo. A última eleição disputada foi em 2016, quando não se elegeu. Defensor do ex-presidente Lula, ele cogitou se filiar ao PT após passar por outras legendas.
“Alguém Me Disse” (bolero, 1947) – Evaldo Gouveia e Jair Amorim
“Alguém me disse/ Que tu andas novamente/ De novo amor, nova paixão/ Toda contente/ Conheço bem tuas promessas/ Outras ouvi iguais a essas/ E esse teu jeito de enganar/ Conheço bem”, esses versos já foram cantados por Gal Costa, Alcione, Emílio Santiago, Ana Carolina, Agnaldo Timóteo, Nelson Gonçalves, Joanna e Simony, mas foi a gravação de Anísio Silva (1920-1989), nascido há 100 anos, a responsável pelas mais de 2 milhões de cópias vendidas, consagrando-o como o primeiro cantor brasileiro a faturar um disco de ouro, em 1960, à época ainda sem o mesmo peso do prêmio Roquette Pinto, até então o mais desejado entre os intérpretes. A música acabou lançada, naquele mesmo ano, por Maysa, Cauby Peixoto e o grupo cubano Trio Avileño, em uma versão em espanhol, feito equiparável apenas à clássica “Marina”, de Dorival Caymmi, gravada por Dick Farney, Francisco Alves, Nelson Gonçalves e o próprio autor de uma só tacada, todas em 1947.
“Dolores Sierra” (bolero, 1956) – Wilson Batista e Jorge de Castro
Para provar que a prostituição não é um tema de impacto somente no Brasil, Wilson Batista e Jorge de Castro ambientaram a história de Dolores Sierra na Espanha, em Barcelona, com passagem por Salamanca, sua cidade natal. O bolero foi lançado em 1956 por Nelson Gonçalves, um dos cantores mais populares do período e o último representante do estilo “gogó de ouro” com forte apelo na era do rádio, ao lado de nomes como Carlos Galhardo, Francisco Alves, Orlando Silva e Cauby Peixoto. A trajetória típica e romantizada da protagonista revela interessantes aspectos históricos, como a lendária e frequente prostituição nos portos e cais, para atender aos marinheiros, e a dissociação, neste caso, entre sexo e amor. “Não tem castanholas/E faz companhia a quem lhe der mais…”, afirma um dos versos. Também gravada por Agnaldo Timóteo.
“Mamãe” (bolero, 1959) – Herivelto Martins e David Nasser
O jornalista David Nasser e o compositor e intérprete do Trio de Ouro, Herivelto Martins, compuseram juntos um sem número de canções de sucesso de cunho afetivo. A maioria delas, no entanto, enveredava para o lado dos amores desfeitos, das paixões que não deram certo, e por aí vai, especialmente inspiradas na relação de Herivelto Martins com a cantora Dalva de Oliveira. Mas em 1959 os dois compuseram um bolero em elegia às mães, que pela simplicidade e descrição dos costumes daquela época, rapidamente mostrou seu poder de identificação com uma expressiva parcela do público. Tudo isso sublinhado pela interpretação magnífica e passional de Ângela Maria. Mais tarde a música seria regravada em dueto com Agnaldo Timóteo, também versado em canções para homenagear as mães. “Ela é a dona de tudo, é a rainha do lar…”.
“Fica Comigo Esta Noite” (samba-canção, 1961) – Adelino Moreira e Nelson Gonçalves
Angela Maria, Núbia Lafayette, Maria Bethânia, Angela Ro Ro, Tetê Espíndola e até o grupo punk Camisa de Vênus gravaram suas canções, mas é impossível dissociar o nome de Adelino Moreira da voz de Nelson Gonçalves. Tanto que o cantor gaúcho ganhou o epíteto de “O Boêmio”, após o estrondoso sucesso de “A Volta do Boêmio”, música de Adelino lançada por Nelson em 1957. Além de intérprete principal de Adelino Moreira, Nelson Gonçalves é seu parceiro em mais de vinte composições. A mais conhecida certamente é “Fica Comigo Esta Noite”, que virou tema de musical e título de filme erótico. Em 1980, Angela Ro Ro sublinhou a sensualidade da canção ao reforçar os tons de bolero contidos em seu ritmo. Outros artistas deram a sua versão para a história, como Agnaldo Timóteo, Simone, Núbia Lafayette e Fábio Jr.
“A Pretendida” (bolero, 1968) – Pepe Ávila
A morte precoce escondeu das novas gerações a potência popular de Altemar Dutra. Custa-se a crer que o homem de quem ninguém se lembra mais arrastava multidões, hoje replicadas em shows de celebridades do porte de Ivete Sangalo, Annita, e das inúmeras duplas sertanejas, uma mais parecida com a outra. A quem resta um pouco de curiosidade, o disco póstumo “Altemar Dutra e Convidados”, de 1993, junta o anfitrião a nomes que, se não seguiram estritamente o seu estilo, tiveram nele uma influência e inspiração. Fafá de Belém, Joanna, Fagner, Sérgio Reis, Alcione, Agnaldo Timóteo e outros que vieram antes, como Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Miltinho e Angela Maria, dividem os vocais em faixas do calibre de “Eu Nunca Mais Vou Te Esquecer”, “Que Queres Tu De Mim”, “Somos Iguais”, “O Trovador”.
“Impossível Acreditar Que Perdi Você” (balada, 1972) – Márcio Greyck e Cobel
Márcio Pereira Leite nasceu em Belo Horizonte, no dia 30 de agosto de 1947. Músico, cantor e compositor, Márcio Greyck adotou o nome artístico logo na primeira gravação, em 1967, quando lançou a música “Venha Sorrindo” e um LP em que se destacou a versão “Minha Menina”, para o sucesso “Eleanor Rigby”, de John Lennon e Paul McCartney. No mesmo ano, foi contratado pela TV Tupi de São Paulo para apresentar o programa “O Mundo É dos Jovens”, que ficou no ar até 1968. Entre seus sucessos como compositor, destacam-se “Impossível Acreditar Que Perdi Você”, parceria com Cobel lançada em 1972 e regravada por Fábio Jr., Wilson Simonal, Agnaldo Timóteo e Vanessa da Mata, e “Vivendo por Viver”, que ganhou as vozes de Roberto Carlos, Sérgio Reis e Zezé Di Camargo & Luciano.
“A Galeria do Amor” (bolero, 1975) – Agnaldo Timóteo
De acordo com o pesquisador musical Rodrigo Faour, autor de “História Sexual da MPB”, a primeira menção à homossexualidade na música brasileira teria acontecido em 1903, na cançoneta “O Bonequinho”, de autoria desconhecida. Já em 1931, com o samba “Mulato Bamba”, Noel Rosa prestava homenagem a Madame Satã, notório capoeirista e transformista da Lapa, assumidamente homossexual. Em 1975, Agnaldo Timóteo lançou o estrondoso sucesso “A Galeria do Amor”, que, de maneira enviesada, fazia referência à homossexualidade do cantor, ao citar, na música, a boate Alaska, ponto dos homossexuais no Rio. Já na década de 1980, Cazuza também iria se referir à Alaska, na música “Só as Mães São Felizes”. Agnaldo, porém, sempre manteve postura dúbia em relação à homossexualidade diante das câmeras.
“Grito de Alerta” (samba-canção, 1980) – Gonzaguinha
O discurso do embate político cedia espaço, em 1980, para um envolvente Gonzaguinha, que, acostumado a ouvir na infância Jamelão, Lupicínio Rodrigues e músicas portuguesas, entregava para Maria Bethânia consagrar um samba-canção de sua autoria, em que discutia as difíceis questões do coração. Deixando de lado a razão, “Grito de Alerta” era uma tentativa sincera de se desapegar de questões menores e amar de portas abertas. A música foi inspirada em um caso de amor vivido pelo cantor Agnaldo Timóteo, amigo de Gonzaguinha, que a registrou.
“Seu Amor Ainda É Tudo” (balada, 1982) – Moacyr Franco
Moacyr Franco nasceu em Ituiutaba, interior de Minas, no dia 5 de outubro de 1936. Ator, cantor, compositor, comediante e apresentador de TV, Moacyr Franco transita por vários gêneros musicais. O seu primeiro sucesso na música foi com a marchinha “Me Dá Um Dinheiro Aí”, em 1959. Outro êxito desse período foi a balada romântica “Eu Nunca Mais Vou Te Esquecer”, que ganhou diversas regravações. Na década de 1980, Moacyr passou a investir na música sertaneja, obtendo prestígio com músicas como “Ainda Ontem Chorei de Saudade”, que virou um clássico, e “Seu Amor Ainda É Tudo”. Ambas receberam versões de nomes como Michel Teló, Zezé Di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone, Paula Fernandes, Chitãozinho & Xororó e Agnaldo Timóteo.
“Na Hora do Adeus” (bolero, 1989) – Carlos Colla, Chico Roque e Matogrosso
Carlos Colla voltou a investir no romantismo derramado ao compor, com Chico Roque e Matogrosso, “Na Hora do Adeus”. A música foi lançada em 1989 por Reginaldo Rossi, no LP “Momentos de Amor”, e recebeu uma regravação da dupla formada por Matogrosso & Mathias, em 1991. Desde então, nunca mais parou de fazer sucesso, tanto que recebeu regravações de Agnaldo Timóteo, César Menotti & Fabiano, Leonardo, Eduardo Costa, Gusttavo Lima e outros.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.