*por Raphael Vidigal Aroeira
“Apronta a tua fantasia
Alegra teu olhar profundo
A vida dura só um dia, Luzia,
E não se leva nada desse mundo” Braguinha
No Carnaval de 1950, a pedido de Otávio Mangabeira, então governador da Bahia, o bloco Vassourinhas, de Pernambucano, desfilou pelas ruas do centro de Salvador e causou uma grande animação na população. A presença do clube carnavalesco pernambucano inspirou os baianos Dodô e Osmar a tocarem o frevo num instrumento inventado por eles, o pau elétrico, que viria a ser batizado de guitarra baiana. O ritmo logo ficou conhecido como frevo elétrico ou frevo baiano, reunindo adeptos como Pepeu Gomes, Gal Costa, Moraes Moreira, Caetano Veloso e, recentemente, a banda BaianaSystem. Do frevo à marchinha, passando pelo samba-enredo, o Carnaval faz parte da história do Brasil.
“Ta-Hi [Pra você gostar de mim]” (marchinha, 1930) – Joubert de Carvalho
Na pacata cidadezinha de Uberaba, o menino Joubert de Carvalho logo se engraçava quando vi ressoar o som da banda, no que corria de pijama e tudo atrás da mesma. Inicialmente, o pai era contra a investida do filho, pois achava que desviaria a atenção da medicina. Só que os editores passaram a comprar cada vez mais as músicas de Joubert e aumentar o valor dos pagamentos. Enquanto a canção ‘Príncipe’ tornou-se a primeira brasileira gravada no exterior, ‘Ta-Hi’ virou uma febre nacional.
A marchinha lançada por Carmen Miranda, intitulada a princípio ‘Pra você gostar de mim’, caiu tanto no gosto do povo que este se viu no direito inclusive de trocar o seu nome de batismo. Nunca houve um filho adotivo carregado com tanto fervor e entusiasmo. E olha que a marchinha nem era o ritmo preferido de Joubert de Carvalho, assumido apreciador de seresta e música clássica. Mas ‘Ta-Hi’ era irresistível, e ainda é. Eduardo Dussek também a regravou.
“Formosa” (marcha de carnaval, 1933) – Nássara e J. Rui
Nássara era um encantador de formas. Mesmo antes das notas e dos versos ele já trabalhava em suas linhas melódicas. Em 1928, chegou à Escola Nacional de Belas Artes e começou a desenvolver os pilares de sua paixão. Lá, formou um conjunto musical com Barata Ribeiro, Manuelito Xavier, Jaci Rosas, Luís Barbosa, e J. Rui, que se tornaria seu parceiro na canção “Formosa”.
Lançada por Luís Barbosa e gravada no carnaval de 1933 pela dupla formada por Francisco Alves e Mário Reis, a marcha foi a primeira música de Nássara a estourar na boca do povo. Sob os confetes e serpentinas não havia quem não cantasse os irresistíveis versos: “Foi Deus quem te fez formosa, formosa, ô formosa, porém este mundo te tornou presunçosa, presunçosa…”.
“Rasguei a Minha Fantasia” (marcha, 1935) – Lamartine Babo
Não é preciso tocar um instrumento para ser um grande músico. Que o diga o carioquíssimo Lamartine Babo, de quem, sobre sua relação com a festa mais popular do país, Braguinha disse: “existe o carnaval antes e depois de Lamartine”. Já em 1934, Lamartine comprovava a tese ao compor a marchinha “Rasguei a Minha Fantasia”, com o palhaço como personagem principal. A música foi lançada por Mário Reis um ano depois, em 1935, acompanhado pelos Diabos do Céu, e regravada com enorme sucesso pelas Frenéticas em 1980, no LP “Babando Lamartine”, o último com a formação original do grupo.
“Pierrô Apaixonado” (marcha, 1936) – Heitor dos Prazeres e Noel Rosa
O maior êxito da carreira de Heitor dos Prazeres veio em 1936, quando, ao lado de Noel Rosa, compôs a marcha “Pierrô Apaixonado”, sucesso carnavalesco que atravessou gerações. Lançada pela dupla formada por Joel & Gaúcho, com acompanhamento da orquestra Diabos do Céu e arranjo de Pixinguinha, a música foi incluída no filme “Alô, Alô, Carnaval”, com Carmen Miranda e Oscarito no elenco. Maria Bethânia, Ivan Lins, Teresa Cristina e Gabi Milino também regravaram esse clássico.
Quando Noel escreveu a letra, menos de um ano antes de falecer vítima de tuberculose, aos 26 anos, a doença não o impediu de manter o humor, que se pode notar nos divertidos versos, que mesclam sentimentalismo com gaiatice: “Um grande amor tem sempre um triste fim/ Com o Pierrô aconteceu assim/ Levando este grande chute/ Foi tomar vermute/ Com amendoim…”. Ao fim, uma Colombina altiva e ébria manda os pretendentes às favas e sugere que eles tomem sorvete juntos.
“Eu Dei…” (marchinha de carnaval, 1937) – Ary Barroso
A canção em destaque talvez tenha sido a marchinha de carnaval a iniciar a malícia do duplo sentido na cultura musical com acento tipicamente brasileiro. O que muito se explica em razão da conotação da festança, que tem nos deuses do vinho e do prazer, como Dionísio, todo o seu efeito e sentido. “Eu Dei…” composta por Ary Barroso e lançada por Carmen Miranda em 1937 já brincava com a relação sexual entre a expressão e as múltiplas possibilidades que ela desperta no imaginário. O desejo de cada um é que define o que foi afinal que deu Carmen, afinal ela não revela, e “adivinhe se é capaz…”.
“Yes, Nós Temos Bananas!” (marchinha, 1938) – Braguinha e Alberto Ribeiro
João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, reafirmam seu orgulho do Brasil ao cantarem os versos da música: “Yes, nós temos bananas!”. A marchinha feita pelos dois em 1938 foi um dos grandes sucessos do carnaval daquele ano e trazia uma crítica bem humorada aos norte-americanos que insistiam em chamar os países da América Latina de “república das bananas”. Exaltando as qualidades da fruta que se tornou brasileira e ainda brincando com as exportações de café, algodão e chá mate, Braguinha e Alberto Ribeiro encerram a canção com os divertidos versos: “bananas para quem quiser!”.
“Camisa Listrada” (samba-choro, 1938) – Assis Valente
A camisa presente nas passarelas de rua do carnaval de 1938 foi a listrada de Assis Valente. Nela é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão. A música retrata o descompasso do amor entre a mulher que sofre em vão e o homem que vai à folia do carnaval. É um apelo que a mulher faz para que seu homem não se fantasie.
“Camisa Amarela” (samba, 1939) – Ary Barroso
Todos temiam o gongo de “Calouros em Desfile”, programa criado por Ary Barroso que se transformou no maior marco do gênero. Nele se apresentaram nomes como Ângela Maria, Lúcio Alves, Elza Soares, que deu uma resposta enviesada para o apresentador, e até Dolores Duran, que temeu críticas por sua voz doce. Todos passaram pelo crivo de Ary Barroso.
Desfilaram na passarela exibindo vozes que brilhavam tanto quanto a “Camisa Amarela” que Aracy de Almeida cantou em 1939, segundo Ary Barroso sua melhor escolha de intérprete para uma música sua. A canção foi uma das poucas cantadas em disco pelo próprio Ary Barroso, e conta a história do folião que se perde na avenida e volta para casa, cansado, um trapo, pedaço de gente para sua amada. Além disso, a letra cita sucessos carnavalescos da época, “Florisbela” e “A Jardineira”.
“Exaltação a Tiradentes” (samba-enredo, 1949) – Mano Décio da Viola, Estanislau Silva e Penteado
“Exaltação a Tiradentes” nasceu de um sonho do sambista Mano Décio da Viola, que agregou, aos versos recebidos durante a noite, outros propostos por Estanislau Silva e Penteado. Antes da consagração, Décio e Silas de Oliveira haviam oferecido três sambas com o mesmo tema para a Escola de Samba do Império Serrano. Passada a frustração, a música foi cantada na avenida em 1949, mas só chegou ao disco em 1955, na gravação de Roberto Silva.
Outros intérpretes não menos tarimbados a registraram posteriormente, dentre os quais Jorge Goulart, com seu vozeirão, e a irrepreensível Elis Regina, além de Maria Creuza, Cauby Peixoto e Mestre Marçal. Pioneiro, como o seu inspirador, é considerado o primeiro samba-enredo a ultrapassar os limites carnavalescos.
“Retrato do Velho” (marchinha, 1951) – Haroldo Lobo e Marino Pinto
O apoio popular a Getúlio Vargas se deu de tal forma que, mais tarde, na década de 1950, ele se tornou tema de duas marchinhas de Carnaval, gênero musical que mais atingia ao que se pode chamar de massa da época. A mais famosa delas, de autoria de Haroldo Lobo e Marino Pinto, foi composta em 1951 e festejava o retorno de Getúlio ao poder.
Em clima panfletário os versos decretavam: “Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho/ Faz a gente trabalhar”, referindo-se, também, às leis trabalhistas que tanto conquistaram a massa, implantadas por Getúlio. O mais curioso é que Getúlio não gostou de ser chamado de velho na letra da música, e pensou em censurá-la, no entanto, o sucesso entre o povo era tanto que ele decidiu não fazer nada para impedir a sua execução.
“Sassaricando” (marchinha, 1952) – Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Jota Júnior
Composta sob encomenda para a peça “Jabaculê do Penacho”, a marchinha “Sassaricando” era destinada a animar o quadro “A Dança do Sassarico”. No entanto, ela agradou tanto ao produtor Valter Pinto que o espetáculo mudou de nome para “Eu Quero Sassaricar”. Interpretada por Virgínia Lane foi o maior sucesso do Carnaval de 1952. Mas não ficou restrita ao período. Em 1987, batizou novela de sucesso da Rede Globo, com Cláudia Raia como destaque. Em 2007, “Sassaricando” virou musical com Eduardo Dussek e Soraya Ravenle no elenco. De autoria de Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Jota Júnior, que utilizou o pseudônimo Zé Mário, a música foi regravada por Rita Lee e Jorge Veiga.
“Cachaça” (marchinha de carnaval, 1953) – Mirabeau, Lúcio de Castro, Héber Lobato e Marinósio Filho
Batizada pelo sambista Henricão com o nome artístico de Carmen Costa, com quem, aliás, iniciou carreira em dupla nos palcos de Juiz de Fora, numa feira de mostras no Arraial do Rancho Fundo, interior das Minas Gerais, a intérprete especializou-se em sucessos carnavalescos, sendo o mais reconhecido de todos eles “Cachaça”, marchinha de carnaval lançada em 1953, cujos versos “Se você pensa que cachaça é água/ Cachaça não é água não/ Cachaça nasce no alambique/ E água vem do ribeirão”, de inegável inspiração na sabedoria popular, ecoam até hoje nas festas momescas. A exemplo dos precedentes sambas-enredo, a música conta com a assinatura de um número expressivo de compositores, algo que se tornaria mais comum nas décadas seguintes.
“Exaltação à Mangueira” (samba, 1956) – Enéas Brites e Aloísio da Costa
Assim como os estádios de futebol são conhecidos por apelidos propagados pelo povo, as escolas de samba têm os seus hinos informais. É este o caso de “Exaltação à Mangueira”, samba composto em 1956 por dois moradores do morro. Enéas Brites e Aloísio da Costa trabalhavam com cerâmica e, durante um intervalo para o almoço, compuseram o clássico que seria puxado na avenida por ninguém menos do que Jamelão, um dos grandes ícones da agremiação. Chico Buarque e Beth Carvalho também regravaram os versos, que exaltam: “Mangueira teu cenário é uma beleza/ Que a natureza criou…”.
“O Mundo Encantado de Monteiro Lobato” (samba-enredo, 1967) – Batista da Mangueira, Darcy da Mangueira, Luiz, Dico, Jurandir e Hélio Turco
Em 1967, a pioneira Elza Soares tornou-se a primeira mulher a puxar um samba-enredo na avenida, com “O Mundo Encantado de Monteiro Lobato”, de autoria de Batista e Darcy da Mangueira, Hélio Turco, Jurandir, Luiz e Dico. A relutância em ser precoce não infringiu à Elza a fuga de seu destino. Tudo lhe veio cedo, lhe foi cedo, muito permaneceu. Por exemplo, o canto, a vontade, a luta cotidiana contra o infortúnio, a certeza da alegria. Como diz o bloco criado por ela própria, “Deu a Elza” na avenida! A música também foi gravada por Eliana Pittman, Beth Carvalho, Rosemary e outras cantoras de muito prestígio.
“Máscara Negra” (marcha-rancho, 1967) – Zé Kéti e Pereira Matos
A marcha composta por Zé Kéti se tornaria uma das grandes músicas cantadas por Dalva de Oliveira, e um dos últimos êxitos populares de ambos. Vencedora do carnaval daquele ano, a canção conta a antiga história dos laços amorosos entre Pierrô, Colombina e Arlequim. A diferença é que nos versos de Zé Kéti a trama ganha contornos líricos e suaves, aproveitando-se do grande talento do compositor. Além disso, Zé Kéti corrigia um erro histórico e dava nova chance a Pierrô, fazendo com que Arlequim fosse o rejeitado dessa vez. “Quanto riso, oh, quanta alegria!/ Mais de mil palhaços no salão”. Um sucesso carnavalesco!
“Atrás do Trio Elétrico” (frevo, 1969) – Caetano Veloso
Em 1969, enquanto no Carnaval de Salvador o povo cantava e dançava “Atrás do Trio Elétrico”, seu autor vivia no Rio a expectativa de ser libertado da prisão imposta pela ditadura. A libertação aconteceu somente na quarta-feira de cinzas, só que de forma parcial, pois Caetano Veloso e Gilberto Gil passaram a um regime de confinamento na Bahia, seguindo-se o exílio em Londres. Gravada inicialmente num compacto em 1968, com Caetano Veloso acompanhado por um pequeno grupo dirigido por Rogério Duprat, esta marcha-frevo, mais tarde alcunhada de frevo baiano, homenageava o Trio Elétrico de Dodô e Osmar, com a frase inicial que se tornou praticamente um dito popular: “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu…”.
“Heróis da Liberdade” (samba-enredo, 1969) – Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola
Silas de Oliveira morreu e nasceu numa roda de samba. Embora o pai não tenha concordado, por suas convicções pastorais e protestantes, Silas começou a ser Silas quando fundou, junto de seus pares, dentre eles o inseparável Mano Décio da Viola, a Escola de Samba do Império Serrano, e para sempre foi batizado entre batuques, pandeiros e tamborins. Mas é inegável que a principal contribuição de Silas se dá, em especial, nos terreiros dos sambas-enredo. Também conta no vasto currículo de sambas-enredo criados por Silas de Oliveira, e que ultrapassaram as barreiras do tempo, a canção “Heróis da Liberdade”, que sofreu retaliações da censura.
“Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua” (marcha-rancho, 1972) – Sérgio Sampaio
Com sua loucura lúcida, como disse Lygia Fagundes Telles de Caio Fernando Abreu, Sérgio Sampaio criou uma das mais emblemáticas canções de carnaval de todos os tempos. Em meio à ditadura militar que se instaurara no Brasil, o compositor baiano, tido por muitos como “maldito”, dá uma aura lamentosa à festa popular mais famosa do país, ao entoar versos confessionais em tom melancólico, emendando logo na sequência o refrão esperançoso que garantiu o sucesso: “Eu quero é botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer”. Além do conteúdo sexual abordado no refrão há também referências ao uso de drogas, tudo feito com muito deboche, misturando lamento e alegria e dando o seu aval definitivo à festa máxima brasileira: os quatro dias de Carnaval.
“Tristeza, Pé No Chão” (samba de carnaval, 1973) – Armando Fernandes
Clara Nunes começou a experimentar o sucesso nacional quando passou a cantar sambas, já morando no Rio de Janeiro. No entanto foi no Festival de Juiz de Fora, voltando ao estado de nascimento, Minas Gerais, que a cantora apresentou pela primeira vez ao público o que seria um dos maiores sucessos da carreira. O ano de 1973 seria de grandes realizações. Além de excursionar por Portugal e apresentar-se em Lisboa, participou do show “O Poeta, a Moça e o Violão”, ao lado de Vinicius de Moraes e Toquinho. No entanto a música que marcaria essa fase da carreira seria “Tristeza, pé no chão”, um samba de Armando Fernandes.
“Eu Bebo Sim” (samba de carnaval, 1973) – Luiz Antônio e João do Violão
A maior inflexão na trajetória de Elizeth Cardoso ocorreria em 1973, com a marchinha “Eu Bebo Sim”, de João do Violão e Luiz Antônio (1921-1996), assumida ode ao hedonismo etílico, com conclusões pra lá de divertidas que seguem embriagando foliões: “Eu bebo sim/ E tô vivendo/ Tem gente que não bebe/ E tá morrendo”. Até hoje, a música é a mais tocada do repertório de Elizeth. Em 2002, Elza Soares regravou a música acompanhada pelo Monobloco, em um conjunto que ainda apresentou “Salve a Mocidade” e “Oba”.
“Chame Gente” (frevo, 1985) – Moraes Moreira e Armandinho Macedo
Em 1985, Moraes Moreira e Armadinho compõe o que se tornaria um dos hinos da Bahia. “Chame Gente” é também o título que dá nome ao disco, lançado pela RCA Victor, e faz uma verdadeira apologia à alegria característica da musicalidade e do espírito do povo baiano. O frevo foi regravado em 2005 por Moraes Moreira e Caetano Veloso, no álbum “Pure Brazil 2: Rio, Bahia, Carnival”, lançado pela Universal.
“Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre Nós” (samba-enredo, 1989) – Niltinho Tristeza, Preto Joia, Vicentino e Jurandir
Responsável por dar à Imperatriz Leopoldinense o título do Carnaval de 1989, o samba-enredo “Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre Nós” é um marco da canção popular brasileira, tanto que o seu título tornou-se praticamente um ditado nacional, repetido para representar as mais diversas situações em que se apresenta a necessidade de escapar à repressão e clamar pela liberdade.
Ainda hoje, este samba é considerado um dos mais representativos da história do Carnaval carioca. Niltinho Tristeza, o autor mais conhecido, ficou famoso depois que sua canção “Tristeza”, parceria com Haroldo Lobo, foi gravada por Jair Rodrigues, em 1966. Como se constata, Niltinho sabia versar sobre tristeza e liberdade com igual compreensão da força desses sentimentos na nossa vida. A composição foi regravada por Dominguinhos do Estácio, no LP “Gosto de Festa”, e Dudu Nobre.
“Swing da Cor” (axé, 1991) – Luciano Gomes
Identificado com os blocos afro-baianos de Salvador, o compositor Tote Gira criou “O Canto da Cidade” para exaltar a sua relação com o Carnaval da Bahia e a força dessa manifestação cultural junto à história do povo negro. A música chegou às mãos de Daniela Mercury, que realizou ajustes na letra a fim de torna-la mais universal, sem perder a essência negra e baiana.
Assim, em 1992, esse axé potente deu título ao disco lançado por Daniela, que a tornou uma estrela nacional. Pouco antes do lançamento, a cantora baiana realizou uma histórica apresentação no vão do MASP, em São Paulo, que parou o trânsito da capital e abalou as estruturas do Museu de Arte. “O Canto da Cidade” é, até hoje, um dos grandes sucessos do Carnaval em todo o Brasil. Um ano antes, Daniela estourou com “Swing da Cor”, com o Olodum.
“Dionísio, Deus do Vinho e do Prazer” (marchinha, 2014) – Péricles Cavalcanti
Após um período de ostracismo na carreira, com longos intervalos sem gravadora, a intrépida Maria Alcina voltou a gozar de prestígio nos últimos anos junto à crítica e ao público e também entre seus colegas. O álbum “De Normal Bastam os Outros” é uma iniciativa do produtor Thiago Marques Luiz para comemorar os 40 anos de carreira da intérprete.
“É engraçado ver que as pessoas não esquecem você, e receber esse carinho dos colegas de profissão foi fantástico, fiquei emocionadíssima”, declara. No disco, além de protagonizar dueto com Ney Matogrosso, Alcina recebeu canções feitas especialmente para ela por Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes, Péricles Cavalcanti e Anastácia, cujos títulos são autoexplicativos, como nos casos de “Eu Sou Alcina” e “Dionísio, Deus do Vinho e do Prazer”, onde ela canta: “Pode me chamar de Carnaval…!”.
“Santo Profano, Deusa Mulher” (marchinha, 2018) – Raphael Vidigal
Nos últimos anos, além dos bares, BH tornou-se também a capital do Carnaval. Com uma programação ampla e diversificada, a cidade passou a receber os tão tradicionais e antigos blocos carnavalescos que, ao remeter à memória, trouxeram suas próprias inovações com misturas inusitadas e, acima de tudo, festeiras. Vale fantasia, vale confete e serpentina, principalmente, vale alegria!
O ressurgimento do Carnaval de BH está intrinsicamente ligado à questão política, pois partiu da ocupação do espação da chamada “Praia da Estação”, com trajes de banho pelos militantes, depois de uma proibição por parte da prefeitura. “Santo Profano, Deusa Mulher”, de Raphael Vidigal, retoma signos dessa festa cheia de rebeldia. A música foi finalista do Concurso Mestre Jonas.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.