Poeta, pintora e compositora, Maria Inês Aroeira alcança sucesso nas redes

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Alguns guardam o Domingo indo à Igreja –
Eu o guardo ficando em casa –
Tendo um Sabiá como cantor –
E um Pomar por Santuário” Emily Dickinson

O último ato da peça “Um Bonde Chamado Desejo”, clássico de Tennessee Williams (1911-1983) que estreou em 1947, traz uma frase que jamais saiu da cabeça de Maria Inês Aroeira Braga, quando a protagonista Blanche Dubois afirma: “Sempre dependi da bondade de estranhos”. “Quando eu estava no hospital, sendo tão bem tratada por gente que nunca vi na vida, todos com tanto carinho, sempre me lembrava da saída triunfal da Blanche”, conta ela, que no ano passado teve que se submeter a uma cirurgia no quadril após uma queda. Plenamente recuperada, Maria Inês prefere não revelar sua idade.

O contato com as artes, no entanto, vem de longe. Dona de um canal de poesias no YouTube que supera os 20 mil inscritos, ela se lembra de escrever o primeiro poema quando tinha 8 anos. “Nasci com a arte dentro de mim, e de maneira tão absoluta que criei meu mundo em torno dela e nem consigo lidar com o lado prático da vida”, admite. É cercada por um pé de jabuticaba, incontáveis gatos, uma ninhada com quatro filhotinhos de cães recém-nascidos e um lago de peixes que Maria Inês, criada no bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte, constrói seu universo particular e poético.

Pintura. Para completar, há ainda o galo com nome de cantor famoso, que revela outra de suas paixões: Johnny Cash. Questionada se os peixes servem para a sua alimentação, ela responde com tranquilidade: “São parte da família”. A conexão com a natureza aparece em mais uma das habilidades artísticas da entrevistada. Nos desenhos e pinturas de Maria Inês, as figuras de fadas, duendes, gnomos e sereias são constantes.

Em 1996, ela escreveu e ilustrou a “Lenda de Papai Noel na Terra dos Gnomos”, editado artesanalmente. A narrativa inventa uma fábula que tem como protagonista o gnomo Gunsi. Ao transformar argila, gravetos e folhas secas em brinquedos, ele teria dado origem à lenda do Papai Noel. “Fadas, gnomos e duendes são nossos mensageiros”, observa a artista. Ligada à celebração natalina desde criança, ela monta em casa o seu próprio presépio, também com folhas e gravetos, e se recorda do mais inusitado que já viu, feito por um amigo. “Era um presépio só com saci-pererê”, diverte-se.

Poesia. Os poemas de Maria Inês costumam tratar sobre os temas fundamentais da existência: amor, morte, distância, perda. Além da observação, a própria experiência da artista transforma esse cotidiano em literatura. “Aproveito tudo o que acontece para aprender mais sobre a vida”, afiança. Outra característica é a forma: a escritora compõe sempre em sonetos. Mas, curiosamente, a sua grande admiração no campo da literatura é pelo irlandês Oscar Wilde (1854-1900). “Me lembro de que quando o li pela primeira vez, fiquei tão impressionada que tive febre”, informa ela, que leu e releu “três vezes consecutivas” o romance “O Retrato de Dorian Gray” (1890).

Música. No ano de 2017, Maria Inês foi surpreendida com a notícia de que era finalista do concurso de marchinhas Mestre Jonas. Sem ela saber, a marcha-rancho “Adeus de Carnaval” foi inscrita por seu irmão, Marcelo. “Criei muitas músicas ao longo da vida, mas várias partituras se perderam, porque eu não me importava em guardar”, confessa ela, que espera “conservar intacto meu mundo visionário”.

Amizades com apresentadoras. Ao chegar em casa, a mãe perguntou para Maria Inês como tinha sido o dia na escola e, especialmente curiosa, ela foi mais minuciosa do que de costume no questionamento sobre as matérias estudadas naquele dia. Perspicaz, a filha respondeu todo o interrogatório, até ser confrontada com a revelação final. Maria Inês não sabia que, daquela vez, enquanto matava aula, tinha sido flagrada pelas lentes da TV Itacolomi e aparecido na televisão. Para azar dela, a mãe assistia ao mesmo programa em que Maria Inês estava, toda contente, na plateia.

Nem isso impediu que ela continuasse frequentando os bastidores da primeira emissora de televisão de Minas Gerais, fundada por Assis Chateaubriand em 1955. Dessas “fugas”, que Maria Inês prefere chamar de “estudos”, resultaram amizades com astros do canal. “Amava aquelas pessoas lindas, mas só segui tendo contato com Dulcinha e Lady Francisco, que também morava no Santo Antônio, e fui professora particular dos dois filhos dela, Andrea e Oscar Víctor”, rememora.

A Dulcinha a quem a artista se refere é Dulce de Mello. Apelidada de Tia Dulce, ela comandou uma das primeiras atrações infantis do país, quando ficou à frente do “Clubinho” por mais de dez anos. Vizinhas de bairro, as duas mantiveram amizade até que a implacável ação do tempo as separasse. “A última vez que a vi foi em 1985, quando fui com ela ao aeroporto buscar seu irmão, Reinaldo, que estava exilado em Portugal”, conta Maria Inês, que destaca o fato da amiga ter sido uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores.

Tributo. Outra ligação profunda foi com a atriz e apresentadora Zélia Marinho, conhecida como Zelinha. Tragicamente, a amizade com a apresentadora do infantil “Roda Gigante” foi menos duradoura. No dia 13 de setembro de 1967, Zelinha foi vítima de um acidente no viaduto das Almas, localizado no limite dos municípios de Itabirito e Ouro Preto. O ônibus da viação Cometa em que Zelinha estava despencou no local e ela morreu aos 27 anos.

“Para o velório, eu e a Maria Pompeia Fontes, garota propaganda da Itacolomi, a vestimos com as roupas de Nossa Senhora, pois a Zelinha a representava em todos os Natais”, conta Maria Inês. A apresentadora deixou uma filha, que ela batizou de Aglaya, inspirada em uma personagem do livro “O Idiota”, de Dostoievski (1821-1881). “É também o nome de uma flor que nasce na Rússia”, diz Maria Inês, que dedicou um poema a Zelinha: “estranho te levarem assim tão cedo/ e tu seguires quieta, já sem medo/ adormecida e linda sob um véu”.

Canal poético. Para encontrar a produção poética da artista na web, basta digitar o nome da autora no YouTube: Maria Inês Aroeira Braga. “Rosa Branca e Flor Sem Nome”, “Canção Silenciosa” e “Lembranças” estão lá.

“Escuta”

“Escuta esta saudade que chegou com o vento,
e lenta tamborila ao frio da vidraça…
A música sem som que traz um pensamento,
em canto de um silêncio, em lágrima que embaça…

Escuta o sentimento que me chega à alma,
e tenta muito leve aproximação,
a chuva que hoje chove tristemente calma,
e vem molhar a terra, o sonho, a ilusão…

Escuta o gotejar cá dentro do meu peito,
o coração vibrante que perdeu seu jeito
e faz coisas estranhas que jamais senti…

Escuta o meu olhar que chora na distância
e vê que tudo isto é a tua ressonância,
e o eco da lembrança que me vem de ti…”

Maria Inês Aroeira Braga

Matéria publicada originalmente no jornal O Tempo, em 2019.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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