*por Raphael Vidigal Aroeira
“Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor” Guilherme de Brito & Nelson Cavaquinho
Guilherme de Brito é dono de um dos versos mais famosos da música brasileira: “Tire o seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor/ Hoje pra você eu sou espinho/ Espinho não machuca a flor”. Principal parceiro musical de Nelson Cavaquinho, ele nasceu no Rio de Janeiro, no dia 3 de janeiro de 1922, e morreu na mesma cidade no dia 26 de abril de 2006, aos 84 anos. Embora nem sempre reconhecida, a contribuição desse carioca de Vila Isabel, que sabia compor e tocar violão, pode ser atestada em verdadeiros clássicos do samba e do samba-canção, lançados e regravados por nomes como Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Elis Regina e Nelson Gonçalves. Ele também teve outros parceiros, como Tito Madi, Alcyr Pires Vermelho, Monarco.
“A Flor e o Espinho” (samba, 1957) – Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha
“A Flor e o Espinho” nasceu do cavaquinho de Nelson com a ajuda de mais um desses parceiros que ele conheceu nas mesas de bar. Guilherme de Brito pediu a todos que tirassem o “sorriso do caminho, pois ele ia passar com sua dor”. O autor desses versos imponentes e tristonhos realmente conheceu Nelson em seu habitat preferido, mas, diferente de outros “compositores de ocasião”, participou com poesia, e não com dinheiro, da canção gravada pelo cantor Raul Moreno, em 1957. O outro parceiro de Nelson na canção é Alcides Caminha, que só mais tarde teria sua identidade revelada: era o desenhista Carlos Zéfiro, famoso pelos quadrinhos eróticos nas décadas de 50 e 60. Escondido com sua voz nos porões do “Cabaré dos Bandidos”, Nelson só apareceria em disco em 1965, ao tocar seu violão rústico na música cantada por Elizeth Cardoso.
“Pranto de Poeta” (samba, 1957) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
No ano de 1938, antes de ser expulso da corporação, Nelson Cavaquinho conseguiu dar baixa em seu cargo na polícia militar, separou-se de Alice e se entregou definitivamente ao samba e à boemia. Em 1952, foi morar em Mangueira, onde permaneceu por um ano e meio, e, em 1968, dividiu com Cartola, Clementina de Jesus, Carlos Cachaça e Odete Amaral os vocais de “Fala Mangueira”, produzido por Hermínio Bello de Carvalho. Já ao lado de Guilherme de Brito, ele compôs a música que seria lançada em 1957 por Lucy Rosana, e regravada em 1965 por Nara Leão. Interpretada em dueto nada sóbrio de sua parte por ele e Cartola, em 1977, “Pranto de Poeta” exalta a Mangueira onde ele criou raízes e conheceu geniais sambistas que nortearam sua trôpega trajetória de brilho infinito.
“Depois da Vida” (samba, 1971) – Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Paulo Gesta
Com uma religiosidade fervorosa, o bamba Nelson Cavaquinho tinha na relação com a morte uma das suas principais inspirações. Alguns clássicos saíram dessa obsessão, como “Rugas”, “Luz Negra”, “Folhas Secas” e “Juízo Final”. A mais pitoresca, no entanto, certamente é “Depois da Vida”. Parceria com Guilherme de Brito e Paulo Gesta (parceiro de Ataulfo Alves em “Na Cadência do Samba”), “Depois da Vida” foi lançada por Paulinho da Viola em 1971. Para se aclimatar ao ambiente fúnebre da canção, Paulinho criou um arranjo sombrio, como se um vento uivante lentamente se aproximasse de nossos ouvidos com sua nostalgia.
“Quando Eu Me Chamar Saudade” (samba, 1972) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito compuseram “Quando Eu Me Chamar Saudade” anos antes de a música ser lançada no disco solo de Nelson, em 1972. A típica canção de despedida do compositor tinha outros versos, que depois foram modificados por aqueles que passaram à posteridade. O instinto de efemeridade era delineado ao final do samba, que pedia “flores em vida”. A canção recebeu regravações de Nelson Gonçalves, Nora Ney, Noite Ilustrada e se tornou uma das mais conhecidas do repertório da dupla. “Quando Eu Me Chamar Saudade” é o exemplo perfeito da capacidade de transformar essa dor.
“Folhas Secas” (samba, 1973) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
No ano de 1973, lembrando com nostalgia sua mocidade, Nelson Cavaquinho compôs ao lado do parceiro, Guilherme de Brito, a essencial “Folhas Secas”, que prestava uma homenagem à querida Estação Primeira de Mangueira, onde ele conhecera o samba que o levaria por toda a vida. A música foi alvo de uma polêmica jamais resolvida entre Elis Regina e Beth Carvalho, que a lançaram no mesmo ano. Inicialmente dada para Beth gravar, foi levada pelo arranjador César Camargo Mariano para Elis. O resultado foram dois registros belíssimos para a música brasileira e uma desavença severa entre essas duas intérpretes.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.