*por Raphael Vidigal Aroeira
“A filosofia não é outra coisa senão a meditação sobre a morte.” Sócrates
Um homem com 78 anos não tem pressa de nada. Sabe que o tempo que lhe resta é muito menor do que o que já viveu. Saboreia cada experiência com a intensidade do que é único e pode acontecer pela última vez. “O homem velho deixa a vida e morte para trás”, canta Caetano Veloso numa conhecida canção, de 1984. Talvez essas considerações ajudem a compreender o ritmo de Lula para tomar decisões ultimamente.
Os que o acusam de procrastinação e leniência certamente excluem da equação política e matemática o caráter filosófico de sua demora nesse terceiro mandato presidencial, enxergando incompetência, falta de habilidade e indecisão na postura de Lula. Quem se aproxima do fim da vida tem o dever de considerar a morte, o que é sinal de maturidade. E sabendo que se vai morrer – não como mera constatação, mas atingindo um entendimento quase metabólico a respeito –, a vida corrida perde qualquer sentido.
Ainda que tenha a possibilidade de se reeleger para um quarto mandato, Lula parece intuir como nunca que não há nada mais valioso do que o presente. Quando nos preocupamos com o futuro ou estamos pregados ao passado, esse instante nos escapa. Assim que uma resolução é tomada, aquele momento é ultrapassado, enquanto, na sua indefinição, ele continua brilhando, aberto às possibilidades. Lula degusta o prato não mais para saciar a fome, mas atendendo ao prazer do paladar, atingindo a experiência em sua inteireza, o que é, também, uma maneira de postergar o fim inevitável, mantendo-o em vibração.
Há, porém, um paradoxo persistente. Aqueles que agem apenas segundo o pragmatismo, cingidos pela urgência do dia a dia, não estão, absolutamente, alcançando o momento, mas apenas passando por ele indiscriminadamente, numa sequência de etapas a serem cumpridas, sem perceberem que, nesse caminho, o final que perseguem com tanta avidez é inescapável e definitivo. Lula, ao adotar essa atitude que coloca em questão o caráter circunstancial do que hoje pode soar urgente, situa-se, justamente, no campo atemporal das questões prementes de uma existência.
O que importa não é o prato que se saboreia, mas saborear cada prato; antes a força das experiências, múltiplas em sua individualidade, do que a experiência diluidora da repetição alienada. Desta forma, Lula realiza uma festa sobre cada momento que, no ramerrão de um agir apressado, acaba destituído de sua potência constituidora. Transforma em acontecimento, ou resgata essa qualidade, daquilo que tem sido encarado pelos burocratas como mero cumprimento de meta para um fim palpável. As coisas tornam-se fim em si mesmas, e não ponte, catapulta, para este Lula de 78 anos.
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