Ney Matogrosso e Sandra Pêra lançam videoclipe com clássico de Belchior

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer” Belchior

Censura. Tortura. Perseguição. Assassinato. Violências patrocinadas pelo Estado. Esse era o Brasil de 1976, quando Elis Regina cantou “Velha Roupa Colorida”, futuro e imediato clássico de Belchior, que também a gravou naquele ano, no LP “Alucinação”.

O que aconteceu de lá pra cá levou Ney Matogrosso e Sandra Pêra – ex-integrante das Frenéticas e irmã da atriz Marília Pêra, falecida em 2015 –, a lançarem um videoclipe com a canção, parte integrante do álbum que Sandra dedica a Belchior.

Ney, também há poucas semanas, colocou na praça seu novo trabalho e, dentre outras, dá voz à atualíssima “Nu Com a Minha Música” (do disco “Outras Palavras”, de Caetano Veloso, 1981), que intitula o álbum, onde canta esperançoso: “Vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor”. Como vaticinou o cada vez mais temido comunista alemão Karl Marx, “a História, primeiro, se repete como tragédia e, depois, como farsa”.

Momento. Pois estamos de volta a um cenário em que dois artistas vividos e vivenciados – ela, beirando os 70 anos; ele, com recém completados 80 –, se veem na necessidade de bradar os versos que Belchior criou para desestabilizar as balizas de um regime de exceção que se instituiu, na época, com o apoio da parte mais conservadora e reacionária da sociedade civil (que associava a reforma agrária ao comunismo e, este, ao diabo), dos meios de comunicação de massa e, obviamente, das Forças Armadas, que operaram o fatídico golpe de 64, com a anuência de políticos e empresários proeminentes da chamada direita brasileira. Sem mencionar a forcinha dos amigos ianques.

Fato é que, em 2018, um notório defensor do golpe e da tortura, condenado em três instâncias por apologia ao estupro, se elegeu democraticamente pelo voto, ainda que seu principal concorrente tenha sido preso por ordem de um juiz que, na sequência, integrou o governo do vitorioso.

Lançamento. Com direção de Gabriela Perez, o videoclipe chega nesta sexta (5) às plataformas digitais. Mesmo que a gravação de Elis Regina seja definitiva, a intenção de Ney e Sandra soa clara. Em uma estrutura simples, os dois interagem e dançam com a descontração de dois velhos amigos, sob os eventuais jogos de luzes da produção e um figurino colorido – como pede a música. Além do brilho irreverente dos sopros que os direciona. Quase foxtrote.

A voz grave de Sandra se contrapõe aos agudos de Ney, e eles mandam bem seu recado. “Velha Roupa Colorida” parece cada vez mais atual. Entre o diálogo com Edgar Allen Poe, “poeta louco americano”, e parágrafos que conjugam o português ao inglês, a facada final da letra atinge o peito em cheio: “E precisamos todos rejuvenescer…!”. Os dois olham pra frente, miram o futuro.

Arremate. Vale a pena, sempre, ouvir a versão original de Elis, que começa com palmas e gritinhos entusiasmados da intérprete. O arranjo, ali, concentrava suas atenções na energia blues e rock que, aos poucos, se infiltraria na MPB e, principalmente, na trajetória de Elis.

O resultado é um frescor que perdura, seja pela potência da letra, a entrega da cantora, a concepção do registro, ou, como sugerem Ney e Sandra neste resgate recente, pela condição a que o Brasil se acostumou, de abafar a sua própria história.

Afinal de contas, ela invariavelmente retorna: como tragédia e como farsa. E a Cultura não deve ser reduzida a mero entretenimento, nem a política ao jogo de cena da demagogia.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]