“Fiz um acordo com o tempo, nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra” Mário Lago
Não à toa chamam Mário Lago poeta. Além da função literária, ele desempenhava os serviços de ator, compositor, radialista e teatrólogo. Tudo com poesia. Sem mencionar que por desvios dessa vida que a gente não imagina, formou-se em advocacia, embora procurasse algumas vezes, esconder o diploma adquirido. Fonte de suas escritas eram as mulheres, Auroras e Amélias. E também o fracasso, condição existencial do homem. Por fim, nada além, Mário Lago somente poeta.
Ai, que saudades da Amélia (samba, 1942) – Mário Lago e Ataulfo Alves
Mário Lago disse a vida inteira que Amélia não era mulher submissa, mas solidária, companheira, amiga nas horas difíceis. As feministas não o perdoaram por tais liberdades poéticas concedidas: “ás vezes passava fome ao meu lado, e achava bonito não ter o que comer”. A beleza do sofrimento retratada por Mário Lago, versos, e Ataulfo Alves, música, sobre a mulher idealizada, sinalizavam na realidade a dependência da atual esposa, segundo o próprio poeta: “Você não sabe o que é consciência, não vê que eu sou um pobre rapaz, você só pensa em luxo e riqueza, tudo que você vê você quer.” Lançada no carnaval de 1942, dividiu a preferência do público com “Praça Onze”, de Herivelto Martins e Grande Otelo, e o prêmio teve mesmo destino. No entanto, “Amélia” penou para conquistar garantida sumidade na música brasileira. Foi recusada por todos os cantores as quais se ofereceu, até que o próprio Ataulfo Alves resolveu gravá-la, com a companhia de Jacob do Bandolim tocando a introdução. A trajetória da protagonista não foi das mais suaves, mas ao final, estava consagrada. E olha que Amélia existiu de verdade.
Nada além (fox, 1938) – Mário Lago e Custódio Mesquita
Custódio Mesquita e Mário Lago resumiram uma relação sublime na música brasileira. A alta costura dos versos do poeta associada ao esmero da melodia do compositor especificaram o amor em sua face menos dolorosa e possivelmente mais assumida, a doce ilusão. Docemente, Orlando Silva gravou o fox “Nada além”, em 1938, como era de sua categoria, acrescentando murmúrios chorosos ao final da canção. Nada mais bonito: “Nada além, nada além de uma ilusão, chega bem, que é demais para o meu coração, acreditando em tudo que o amor mentindo sempre diz, eu vou vivendo assim feliz, na ilusão de ser feliz.”
Aurora (marchinha, 1941) – Mário Lago e Roberto Roberti
Antes de Amélia, houve na vida de Mário Lago uma outra mulher. Sorte que ela não fosse sincera, pois inspirou-lhe belas alfinetadas na sabida moça. Carmen Miranda alçou ao sucesso as qualidades de Aurora, que foi pela primeira vez cantada pela dupla Joel e Gaúcho. No carnaval de 1941, a marchinha de Roberto Roberti e Mário Lago alcançou glórias em terras brasileiras, inglesas e americanas, tornando-se inclusive, tema de filme estrangeiro.
Atire a primeira pedra (samba, 1944) – Mário Lago e Ataulfo Alves
Foi ao Café Nice que Mário Lago se dirigiu para comemorar com Ataulfo Alves o estouro de “Atire a primeira pedra”, samba de amor custoso escrito pelos dois compositores. O famoso reduto da boemia carioca abrigava a música como que por espontânea ligação religiosa. E eram versos religiosos que valorizavam o sucesso da composição em ritmo de penitência. Com a interpretação de Orlando Silva em 1944, foi lançada por Emilinha Borba no filme “Tristezas não pagam dívidas”. A música desfilou na boca do povo com tamanha empolgação no carnaval daquele ano que de acordo com Mário Lago foi a única vez que viu o amigo Ataulfo de “pilequinho”.
Fracasso (samba-canção, 1946) – Mário Lago
Herdada a música de seus avós e de seu pai, Mário Lago foi instruído pela mãe a seguir a carreira de Vinicius de Moraes. Não que ele fosse poeta, compositor, artista, “profissões de fome”, segundo o pai que as vira de perto. Queriam que fosse diplomata e usasse casaca, perfeita para seu porte alto e magro. Mas Mário Lago contrariou a todos e tornou-se aquilo que não queriam. Com exímia sabedoria poetizou o tempo, galanteou as artes e foi músico do amor. “Fracasso”, de 1946, é o samba-canção contrário à constância de sua trajetória, dedicada a aplausos por suas performances emocionais e honestas, ricas em despertar sinceros sentimentos. Os retumbantes versos finais da composição exclusiva de Mário Lago, “por te querer tanto bem e me fazer tanto mal”, emergiram das vozes graves de Francisco Alves e Nelson Gonçalves para perpetuar, mais uma vez, a essência de um homem que soube recolher da simplicidade o sumo de sua poesia.
Raphael Vidigal
Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 28/11/2010.
12 Comentários
Olá Raphael. Vi seu post sobre Mario Lago no face. Mando a vc uma marchinha de carnaval que fiz em homenagem a ele. Gde abraço.
https://soundcloud.com/concursomarchinhasjf/para-m-rio-lago-carlos
Adorei e levei
Boa, amigo!!!
Grande Mário Lago em texto de Raphael Vidigal. Amei.
Parabéns, Raphael.
Amo essa música Raphael Vidigal!
ele era fantástico.
Raphael Vidigal, adorei a matéria sobre Mário Lago, o que é bom,… tem que ser divulgado e compartilhado. Parabéns!!
Um gentleman, a primeira vez que o vi foi como atilio na novela o Casarão, dava ares de ser um doce de senhor. Gostei do que escreveu obrigada.
Fracasso foi um sucesso com Francisco Alves, mas o caiu na boca povão mesmo na voz de Núbia Lafayette.
massa!
OBRIGADA, LEMBRAR ESTE GRANDE ARTISTA É SEMPRE UM PRESENTE.