Maurício Tapajós teve sucessos gravados por Elis, Elza e Clara Nunes

*por Raphael Vidigal Aroeira

“O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil
Jereba, saci, caandrades, cunhãs, ariranha, aranha
Sertões, guimarães, bachianas, águas” Aldir Blanc & Maurício Tapajós

Apesar de ter morrido precocemente, com apenas 51 anos, Maurício Tapajós assinou importantes canções da música brasileira, dentre elas “Mudando de Conversa”, com Hermínio Bello de Carvalho, “Pesadelo” e “Tô Voltando”, ambas com Paulo César Pinheiro, e “Carro de Boi”, com Cacaso, gravada por Milton Nascimento. Não menos relevante é a parceria com Aldir Blanc em “Querelas do Brasil”, de 1978.

Lançada por Elis Regina, no álbum “Transversal do Tempo”, a canção parte do icônico samba-exaltação de Ary Barroso, “Aquarela do Brasil”, para subverter o sentido. “Querelas do Brasil” é uma queixa diante da americanização cultural do país. Para combater esse processo, os compositores se valem do ritmo e da palavra, e resgatam inúmeras expressões tipicamente brasileiras, algumas de origem indígena, como “pererê, camará, gororô, olererê”.

“Carro de Boi” (canção, 1965) – Maurício Tapajós e Cacaso
Anárquico. Acadêmico. Artista. Intelectual. Boêmio. Disciplinado. Irônico. Todos esses adjetivos são utilizados por amigos, parceiros e parentes para se referir a Antônio Carlos de Brito, popularmente conhecido como Cacaso (1944-1987). Poeta, letrista, roteirista, desenhista e professor universitário, o mineiro de Uberaba criado no Rio faleceu aos 43 anos, vítima de um enfarte. Para quem não liga o nome à pessoa, são dele os versos de músicas famosas como “Dentro de Mim Mora Um Anjo” (1975), parceria com Sueli Costa gravada por Fafá de Belém, e “Lero Lero” (1978), feita com Edu Lobo. Com Maurício Tapajós, compôs “Carro de Boi”, gravada por Milton Nascimento e lançada pelo quarteto vocal Os Cariocas, em 1965.

“Modinha” (modinha, 1966) – Maurício Tapajós, Hermínio Bello de Carvalho e Cacaso
Ouvir Elizeth Cardoso (1920-1990), principalmente em seus primeiros registros, nos lembra de um tempo em que qualquer disquinho de música brasileira contava com uma orquestra de dar gosto. Claro que a Divina, epíteto dado pelo compositor Haroldo Costa, estava longe de ser diminuta. Nascida há cem anos e morta há trinta, vítima de um câncer no estômago, Elizeth surgiu, ainda criança, em um cenário aonde reinava a voz poderosa de Vicente Celestino (1894-1968), o “Ébrio” do amor que dominava como ninguém os dós de peito, de quem ela cantava uma pá de sucessos ao preço de dez tostões recolhidos da vizinhança. Em 1967, ela gravou “Modinha”, parceria de Maurício Tapajós, Hermínio Bello de Carvalho e Cacaso, lançada um ano antes por Fernando Lébeis.

“Mudando de Conversa” (samba, 1968) – Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho
“O Almirante me chamou na TV Tupi para gravar o programa ‘Ela & Ele’, com o Lúcio Alves. Eu disse que não tinha condições de fazer porque iria desmaiar quando visse aquele homem. Mas aí o Almirante disse que quem mandava era ele!”, recorda, aos risos, Dóris Monteiro. “Sempre tive verdadeira loucura pelo Lúcio Alves, achava que erraria a letra de tanta emoção. Mas o Lúcio, que naquela época já era ‘O’ Lúcio Alves, foi tão bacana, tão humilde. Disse que se sentia honrado em cantar comigo”, suspira. O programa, assim como a canção “Mudando de Conversa” (de Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho), logo elevaram a dupla à condição de “queridinhos” do nosso cenário nacional.

“Sabiá” (congado, 1968) – Maurício Tapajós e Joaquim Cardoso
Somente o fato de gravar o primeiro disco com mais de 60 anos de idade já foi uma revolução de Clementina de Jesus dentro da música popular brasileira, ainda mais cantando ritmos de origem africana com sua voz típica daquelas paragens. Clementina de Jesus foi uma revolucionária do cancioneiro popular sem para isto empunhar bandeiras, pulsos ou brasões, sua presença de espírito – no que o sentido alude ao sincretismo nacional – em todos os sentidos, ao cantar as memórias de seu povo escravo e impor sua figura feminina, negra e de origem humilde, determinaram novos paradigmas para a concepção que se instaurava naquele período. A influência seguiu e deve permanecer por muito tempo ainda, forte e livre, como a ladainha de nossa Rainha Quelé Clementina, que, em 1968, gravou “Sabiá”, de Maurício Tapajós e Joaquim Cardoso.

“Pesadelo” (samba, 1972) – Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro
No dicionário, “pasquim” significa “jornal difamador, folheto injurioso”, e foi por esse motivo que o cartunista Jaguar sugeriu o nome para batizar o semanário fundado em junho de 1969, do qual ele faria parte ao lado de nomes como Ziraldo, Tarso de Castro, Millôr Fernandes e Sérgio Cabral, pai do ex-governador do Rio de Janeiro, preso desde 2016.

A ideia de Jaguar era se defender antecipadamente de prováveis críticas, além da evidente ironia. Para a história, “O Pasquim” se transformou num dos principais ícones da resistência à ditadura militar, aliando humor, política, crítica social e de costumes, e passou a ser sinônimo de uma imprensa livre e independente.

Durante um período, a trupe pôde contar ainda com o auxílio luxuoso de Paulo César Pinheiro, letrista que colecionava parceiros tão diversos como João Nogueira e Baden Powell. Numa das músicas mais incisivas escritas contra a ditadura no país, Paulo César Pinheiro afirmava em “Pesadelo” (parceria com Maurício Tapajós): “Você corta um verso/ eu escrevo outro/ você me prende vivo, eu escapo morto/ de repente olha eu de novo/perturbando a paz, exigindo troco”.

“Sapato Mole” (MPB, 1972) – Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte
A história do “Quarteto em Cy” é uma estória de mudanças. Da Bahia, no interior, em Ibirataia, para o Rio de Janeiro. Do Rio para os Estados Unidos. Dos Estados Unidos para a Europa e da Europa para o Japão. De Cyva, Cynara, Cybele e Cylene, as irmãs iniciais, para Sônia Ferreira, Dorinha Tapajós, Sandra Machado, Regina Werneck, Cymíramis e Keyla. Neste caminho passaram Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Caetano Veloso, Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Milton Nascimento, MPB-4, Ivan Lins, e outros. Pois uma coisa é permanente, nessa história e nesta estória, o “Quarteto em Cy” não dá ponto sem nó, nem deixa sem pingo o Y. E a música flui sabiámente. Em 1972, elas lançaram “Sapato Mole”, de Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte.

“Sacrifício” (samba-canção, 1972) – Maurício Tapajós e Mauro Duarte
Você já ouviu a voz que toma corpo? Da favela vem magra, faminta, intacta e assim permanece. Carrega a cabeça uma lata d’água e nas mãos uma prece, que se estende aos quadris da mulata assanhada, sobe pelas paredes. E alcança no céu um Ary Barroso e um Louis Armstrong. É a mistura sem jeito, sem tato, aos barrancos, mancando ao sapato um tamanco de barro, suor e pilão. Chame de bossa negra, suingue, jazz, funk ou samba na avenida. Ela apenas destila o que chama de corpo é a voz que arrepia: Elza Soares da vida, patrimônio mal resolvido num país de descidas, sucata e música aborígene. Em 1972, Elza gravou a bela “Sacrifício”, de Maurício Tapajós e Mauro Duarte.

“Tomara” (samba-canção, 1976) – Maurício Tapajós, Novelli e Paulo César Pinheiro
“Ele achava que eu tinha tudo a ver com os meninos que estavam fazendo uma música diferente”, conta Alaíde Costa, em referência a João Gilberto, e faz questão de ressaltar que estas foram as exatas palavras dele. “Peguei a bossa começando a caminhar, participei do comecinho, com espetáculos em colégios, faculdades, foi tudo muito bonito”, garante Alaíde. Outro momento de beleza na vida foi quando Milton Nascimento a convidou para participar do disco “Clube da Esquina”, em 1972, na faixa que se tornou célebre, “Me Deixa em Paz”, de autoria de Monsueto e Ayrton Amorim. “Estava há tempos sem gravar, Milton me trouxe de volta”. Em 1976, ela lançou “Tomara”, de Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro e Novelli, música que se apegou a seu repertório de sucessos.

“À Flor da Pele” (bolero, 1977) – Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro e Clara Nunes
Enquanto o coro do samba lhe monta um altar, a sereia do mar de Minas faz evocar a mata, o povo, a prata, o céu do sabiá e as forças da natureza. Clara Nunes acende velas, meche os chocalhos, leva fé para os corações que batucam samba e se banham em manjericão. Espalha alegria da Bahia a Minas, passando pela Portela. Rodando seu vestido longo e branco, Clara segue o ritmo da morena de Angola com sua voz brasileira de profissão esperança.

Uma voz que traz o ouro de Minas banhado pelo mar salgado da Bahia e acompanha um sorriso espontâneo coroado por flores e conchas que lhe enfeitam os cabelos. Um brilho mestiço que se encontra nos olhos, no sorriso e no canto místico de Clara Nunes. No folclore da sereia brasileira que iluminou as minas de ouro dos corações marejados. Em 1977, Clara lançou o bolero “À Flor da Pele”, parceria que ela assina com Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, registrada no disco “As Forças da Natureza”.

“Querelas do Brasil” (samba, 1978) – Aldir Blanc e Maurício Tapajós
O fato de achincalhar Tom Jobim, João Gilberto, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Cartola, Clara Nunes, Elza Soares, Belchior, Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso valeu a José Ramos Tinhorão uma “homenagem”. Em 1978, ele foi cantado por Elis Regina na música “Querelas do Brasil”, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, num verso onde era colocado ao lado de duas espécies de cobras: urutu e sucuri. A letra foi uma resposta de Aldir Blanc a um artigo de Tinhorão, intitulado “O Melhor de João Bosco é Aldir Blanc”, em que defenestrava o violonista de Ponte Nova. Blanc tomou as dores e saiu em defesa de seu parceiro. “Querelas do Brasil” é uma queixa diante da americanização cultural do país e subverte a premissa de “Aquarela do Brasil”.

“Tô Voltando” (samba, 1979) – Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro
“Tô Voltando”, um samba de 1979 de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro celebra a volta pra casa do narrador que já se delicia com a lembrança dos quitutes tipicamente nacionais com os quais pretende se deliciar em breve, além, é claro, do conforto, carinho e aconchego do lar nos braços de sua amada. Interpretada por Simone, no contexto da época foi usada para festejar não apenas o encontro de um casal, mas o retorno de vários anistiados brasileiros que haviam sido exilados em outros países pelo regime ditatorial.

O ritmo pra cima, festeiro, alegre, contrastava com a situação cinza na qual o país havia emergido, mas era também uma resposta, uma maneira de resistir e provar aos mesquinhos e poderosos da exploração que não se pode tirar da pessoa aquilo que lhe é mais imprescindível, e não se conquista através de determinações, mas de um sentimento honesto e verdadeiro. Como uma cerveja gelada, uma flor perfumada e um amor inquebrantável.

“Rainha Morena” (samba, 1980) – Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro
Baiana, natural de Salvador, nascida no dia 25 de dezembro, data em que se comemora o Natal, e jogadora de basquete profissional, inclusive convocada para a disputa de Mundial da categoria pela Seleção Brasileira, Simone trazia inúmeros adjetivos para se tornar conhecida. Porém, a cantora de nome único, sem a necessidade de sobrenome ou alcunha, uma raridade no meio, tornou-se consagrada justamente através da música.

Como se não bastasse essa voz, ao mesmo tempo suave e marcante, agregou como característica indissociável de suas gravações a interpretação única, positiva, temperada pela galhardia e o desbravamento inerentes à própria personalidade. Pois música, como arte, é isto: viver intensamente o que se produz, mais até do que de seu resultado. A voz de Simone pontuou, como poucas, vários de nossos momentos históricos. Em 1980, ela lançou “Rainha Morena”, samba de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós.

“Resta Sobre o Bar” (bolero, 1980) – Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro e Guinga
Nelson Gonçalves era um homem vaidoso, a ponto de dizer que ele mesmo se emocionava com as próprias interpretações. Nascido há cem anos, em Santana do Livramento, no interior do Rio Grande do Sul, o homem de voz potente, charmosa e grave acumulou polêmicas, quedas e reerguimentos ao longo dos 78 anos de vida que teve, a maior parte deles dedicados à música. Recordista de gravações da música brasileira, Nelson recebeu um prêmio da RCA-Victor por ter ficado 55 anos na gravadora. Além dele, só Elvis Presley obteve tal feito. Mas foi a aclamação popular a maior de todas as conquistas do intérprete, cuja obra continua ecoando. Em 1982, com seu vozeirão, ele lançou “Resta Sobre o Bar”, de Maurício Tapajós, Guinga e Paulo César Pinheiro.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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