Visionário, Mário Reis mudou o jeito de cantar da música popular brasileira

*por Raphael Vidigal Aroeira

“De novo sentiu o silêncio que era como uma pergunta. Mas desta vez não hesitou. Adiantou-se. Com muita suavidade e gentileza, como que temendo provocar uma ondulação naquele lago de quietude sem fim” Katherine Mansfield

Os filmes do cineasta Júlio Bressane são pródigos em canções interpretadas por Mário Reis, que, em plena década de 1930, mudou o jeito de cantar da música popular brasileira, optando pela precisão da frase no lugar da robustez da emissão, e permitindo que alguns trechos soassem como se falados. Trocando em miúdos: Mário Reis, nascido no último dia do ano de 1907, no Rio de Janeiro, e morto na mesma cidade em 1981, aos 73 anos, introduziu a suavidade em um território até então marcado pelo vigor.

Mas não se derreteu pelos louros dessa glória e, no auge do sucesso, em 1936, deixou a carreira para retoma-la mais tarde, sempre esporadicamente. O “enigma” Mário Reis, ao invés de ser revelado, é adensado em “O Mandarim”, filme de Bressane de 1995, com Gal Costa, Chico Buarque, Gilberto Gil e Edu Lobo representando Carmen Miranda, Noel Rosa, Sinhô e Tom Jobim, personagens que participaram da vida de Mário Reis, um intérprete tão singular quanto popular.

“A Favela Vai Abaixo” (samba, 1927) – Sinhô
Samba lançado em 1927 por Francisco Alves, “A Favela Vai Abaixo” ilustra bem a maneira como o Estado brasileiro historicamente tratou os seus pobres. Na época, a composição de Sinhô protestava contra o processo de demolição do Morro da Favela proposto pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Prado Júnior, que contratou o urbanista Alfred Agache para a insólita missão. Graças à sua popularidade, Sinhô contatou até um ministro em sua tentativa de evitar o desabrigo dos moradores. A música foi regravada por Mário Reis em 1951, em três discos sobre Sinhô que tiveram arranjos de Radamés Gnatalli. Posteriormente, Clara Sandroni e Marcos Sacramento regravaram essa pérola.

“Jura” (samba, 1928) – Sinhô
José Barbosa da Silva, mais conhecido como Sinhô, nasceu no dia 8 de setembro de 1888, no Rio de Janeiro, e morreu no dia 4 de agosto de 1930, aos 41 anos, vítima de hemorragia respiratória. De temperamento provocativo e satírico, Sinhô envolveu-se em várias polêmicas na música brasileira, a primeira delas em 1917, quando Donga registrou como sendo dele com Mauro Duarte o pioneiro samba “Pelo Telefone”. Sinhô reivindicou a autoria. Ele também se estranhou com Pixinguinha. Entre seus maiores sucessos estão “Jura”, “Gosto Que Me Enrosco”, “Não Quero Saber Mais Dela”, “A Favela Vai Abaixo”, e outras que ainda trazem a influência do maxixe nas composições. “Jura” foi lançada por Araci Cortes e gravada por Mário Reis também em 1928.

“Gosto Que Me Enrosco” (samba, 1928) – Sinhô e Heitor dos Prazeres
Heitor dos Prazeres nasceu no Rio de Janeiro e morreu na mesma cidade, no dia 4 de outubro de 1966, aos 68 anos. O pai era marceneiro e tocava na banda da Polícia Militar. Passou a adolescência entre a Praça Onze e o Mangue, convivendo com chorões e bambas do samba. Bom de “pernada”, Heitor dos Prazeres passou a ser respeitado nas rodas de samba, e contribuiu para o surgimento de diversas escolas carnavalescas, como Mangueira, Portela e a pioneira Deixa Falar. A rivalidade com Sinhô rendeu grandes clássicos da música brasileira. Heitor acusava o parceiro de não creditá-lo em sambas que ele teria ajudado a compor, como “Ora Vejam Só”, rebatizada para “Gosto Que Me Enrosco” na gravação antológica de Mário Reis.

“Que Vale a Nota Sem o Carinho da Mulher?” (samba, 1928) – Sinhô
Martinho da Vila provava, em 1969, que o assunto dinheiro não é unânime. Desmentindo a tese de que com dinheiro a vida é mais fácil e as conquistas vêm a reboque, o sambista relata o caso da mulher que se apaixonou pelos encantos de um bom tocador de viola e desprezou aquele que tinha dinheiro. Afinal de contas “em casa de batuqueiro/só quem fala alto é viola”, deixa claro em certa altura da letra. O sambista Sinhô, que o próprio Martinho regravou, já dizia o mesmo em 1928, quando compôs o samba “Que Vale a Nota Sem o Carinho da Mulher?”, lançado por Mário Reis e regravado por Clara Sandroni.

“Deus nos Livre dos Castigos das Mulheres” (samba, 1928) – Sinhô
Em 1981, o grupo Rumo conseguiu a proeza de lançar dois discos de uma tacada só, logo em sua estreia no mercado fonográfico. Além de um trabalho de inéditas, a trupe apresentou a sua leitura particular de canções pouco conhecidas de cânones da música brasileira, como Noel Rosa, Lamartine Babo e Sinhô, entre elas, pérolas como “Você Só… Mente”, “Não Quero Saber Mais Dela” e “Pierrô Apaixonado”, todas embebidas em um humor que se equilibrava entre a ironia e a ingenuidade. Ali também constava “Deus nos Livre dos Castigos das Mulheres”, que reproduzia o teor machista de quando foi criada por Sinhô e lançada por Mário Reis, principal referência de canto para o Rumo.

“Vamos Deixar de Intimidade” (samba, 1929) – Ary Barroso
O menino Ary Evangelista Barroso se viu órfão aos sete anos, e foi morar com a avó Gabriela e a tia Ritinha. Começava ali, o “turbilhão de sua vida”, em suas próprias palavras. A tia foi quem lhe ensinou a tocar piano. Com dois pires colocados sobre as mãos, aprendeu a equilibrar as notas para fugir dos castigos. O talento perene o levou a acompanhar a professora em sessões do cinema mudo, fazendo o fundo musical de comédias e dramas. Tinha então doze anos, e levaria consigo as lições aprendidas para o Rio de Janeiro, onde rumara para cursar Direito. Em 1922, reprovado pela advocacia, foi aprovado pela música. De pianista do cinema Íris passou a ser integrante de orquestras. Após algumas composições sem muito alarde, alcançou uma primeira exceção com “Vamos Deixar de Intimidade”, gravada pelo colega de curso Mário Reis.

“Vou à Penha” (samba, 1929) – Ary Barroso
Era só o gongo começar a soar que você saberia que ele estava em cena, com seus óculos circulares, seu bigodinho aparado e sua voz polêmica. Mas o gongo nunca soou para ele, um dos poucos que passaria impune a seu rigor seletivo. Ary Barroso do Brasil nasceu no interior de Minas Gerais, cresceu na capital do Rio de Janeiro e se apaixonou pelo cartão postal do Nordeste: A Bahia. Em 1929, ele finalmente conheceu o seu primeiro sucesso, com o samba “Vou à Penha”, lançado por Mário Reis, seu colega do curso de Direito. Uma década depois, Ary Barroso compunha sua clássica “Aquarela do Brasil”.

“Deixastes Meu Lar” (samba, 1929) – Heitor dos Prazeres
Bom de “pernada”, Heitor dos Prazeres passou a ser respeitado nas rodas de samba, e contribuiu para o surgimento de diversas escolas carnavalescas, como Mangueira, Portela e a pioneira Deixa Falar. Antes de completar dez anos, já tocava cavaquinho e, em 1929, venceu um concurso de samba patrocinado pelo jornal A Vanguarda, com “A Tristeza Me Persegue”, gravado com grande êxito pela Velha Guarda da Portela na década de 1970. Em “Deixastes Meu Lar”, composto só por Heitor dos Prazeres, consta o nome de Francisco Alves como autor, comprovando o comércio de sambas pelos compositores pobres aos ricos cantores do rádio na década de 1930. A música foi lançada por Mário Reis em 1929 e em seguida gravada por Francisco Alves.

“Deixa Essa Mulher Chorar” (samba, 1930) – Brancura
Malandro histórico do bairro do Estácio, Brancura carregava na certidão de nascimento o nome de Sílvio Fernandes, e a origem para o apelido que o consagrou tem duas versões. Uma afirma que era uma ironia à sua negritude reluzente, e, a outra, diz que se tratava de uma referência às mulheres brancas, conhecidas como polacas, que ele explorava na Zona do Mangue. Certo é que, no Café Apolo, enturmou-se com bambas como Noel Rosa, Francisco Alves e Mário Reis. A dupla de cantores lançou, em 1930, “Deixa Essa Mulher Chorar”, com grande sucesso. Dois anos depois, o autor, Brancura, seria preso e, segundo consta, ao deixar a prisão teria enlouquecido.

“Mulato Bamba” (samba, 1931) – Noel Rosa
Esse samba de 1931, batizado de “Mulato Bamba”, é a primeira música de relevante importância para a música popular brasileira no que diz respeito à representação do homossexual. Noel Rosa a compôs como forma de homenagem a Madame Satã, famoso capoeirista e malandro homossexual da Lapa. Como já foi dito, a canção é uma homenagem, e retrata o homossexual de maneira respeitosa e até com certa admiração. Interessante notar que foi feita em um meio musical (samba) e uma época (década de 1930) extremamente conservadoras. Lançada por Mário Reis, foi bastante regravada.

“Se Você Jurar” (samba, 1931) – Ismael Silva e Nilton Bastos
O samba “Se Você Jurar”, composto em 1931, tornou-se uma das músicas mais conhecidas do repertório de Ismael Silva. Grande sucesso no carnaval daquele ano, cantada pela dupla formada por Mário Reis e Francisco Alves, “Se você jurar” recebeu diversas regravações, entre elas as de Beth Carvalho, João Bosco e Casuarina. Além disso, alimentou-se por muito tempo uma polêmica sobre a autoria da canção. Orestes Barbosa e Mário Reis afirmavam que ela era apenas de Nilton Bastos, Francisco Alves dizia que era dele e de Nilton, e Ismael Silva garantia que a compusera ao lado de Nilton.

“Nem É Bom Falar” (samba, 1931) – Ismael Silva e Nilton Bastos
Segundo Zuenir Ventura, “Nem É Bom Falar” disputa com “Antonico” o título de samba mais popular de Ismael Silva. Lançado em 1931, o samba é uma parceria com Nilton Bastos, e fez enorme sucesso naquele mesmo ano, ao receber a voz de Francisco Alves, o Rei da Voz. Na gravação, os próprios autores acompanharam o cantor, em um grupo que intitularam de Bambas do Estácio. A música recebeu uma regravação, também de sucesso, de Mário Reis, antítese do canto encorpado de Francisco Alves, mas que apostava na suavidade com o mesmo apuro técnico, e influenciou nomes como João Gilberto. “Nem É Bom Falar” recebeu uma regravação de Marcos Sacramento.

“A Razão Dá-se a Quem Tem” (samba, 1932) – Noel Rosa e Ismael Silva
De uma dessas sacadas espertas de Noel Rosa, em que ele se valia de ditados populares que pipocavam na boca do povo, nasceu o título do samba “A Razão Dá-se a Quem Tem”, parceria com Ismael Silva lançada em 1932, em um dueto saboroso de vozes que se complementavam pela diferença: o vigor de Francisco Alves com a precisão de Mário Reis. Em 1972, Elza Soares e Roberto Ribeiro reencenaram esse dueto, no disco “Sangue, Suor e Raça”, que eles dividiram juntos. Outras regravações vieram de Aracy de Almeida, Arnaldo Antunes, Cláudio Jorge com Augusto Martins e de Pedro Miranda com Caetano Veloso. Em todas elas, manteve-se o frescor desse delicioso samba.

“Filosofia” (samba, 1933) – Noel Rosa e André Filho
Um dos sambas mais conhecidos de Noel Rosa foi lançado em 1933, por Mário Reis. “Filosofia” é uma parceria com André Filho, e revelou-se tão atemporal que mereceu regravações de Martinho da Vila, Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Teresa Cristina, Marcos Sacramento, dentre inúmeros outros que compartilhavam dos ideais de Noel. “O mundo me condena/ E ninguém tem pena/ Falando sempre mal do meu nome/ Deixando de saber se eu vou morrer de sede/ Ou se vou morrer de fome”. A perspicácia de Noel capta, de uma só tacada, as contradições existencialistas e sociais desse país chamado Brasil.

“Linda Morena” (marchinha, 1933) – Lamartine Babo
Lamartine Babo é ainda hoje tido como o grande compositor de marchinhas do país, graças a hits como “Linda Morena”, “Grau Dez”, “Hino do Carnaval Brasileiro” e “Rasguei Minha Fantasia”, entre vários outros. Em 2017, a composição “O Teu Cabelo Não Nega” deixou de ser cantada por blocos de rua que denunciavam o caráter racista da marchinha. Em 1933, “Linda Morena” estourou no Carnaval carioca e contagiou todo o Brasil com a gravação de Mário Reis. “Linda morena, morena/ Morena que me faz penar/ A lua cheia que tanto brilha/ Não brilha tanto quanto o teu olhar”, galanteia o inspirado eu-lírico.

“Doutor em Samba” (samba, 1933) – Custódio Mesquita
Além de compositor de sucessos como “Mulher” e “Velho Realejo”, ambos em parceria com o ator e letrista Sadi Cabral, o músico Custódio Mesquita era considerado um arranjador e maestro sofisticado para sua época. Logo, a identificação com a modernidade de Mário Reis não era casual. Em 1933, em homenagem ao cantor que sublinhava as palavras e trocava os dós de peito pela qualidade da emissão, Custódio Mesquita compôs “Doutor em Samba”, em referência ao apelido que Mário Reis recebeu do radialista César Ladeira que, na verdade, o condecorou como “Bacharel do Samba”, por sua advocacia.

“Quando o Samba Acabou” (samba, 1933) – Noel Rosa
Um duelo pelo coração da amada termina em maus-lençóis para um dos concorrentes. Décadas depois, Tim Maia reciclaria o espírito de “Quando o Samba Acabou”, ao compor “Azul da Cor do Mar”, que dizia: “E na vida a gente tem que entender/ Que um nasce pra sofrer/ Enquanto o outro ri”. O original de Noel Rosa, de 1933, vaticinava: “E como em toda façanha/ Sempre um perde e o outro ganha/ Um dos dois parou de versejar”. Mas é ainda mais dramático, pois, na manhã seguinte, o derrotado é encontrado com um punhal no coração. A música foi lançada por Mário Reis em 1933, com o seu estilo inconfundível.

“Fita Amarela” (samba, 1933) – Noel Rosa
Noel Rosa viveu sob a sombra da tuberculose por algum tempo e chegou, inclusive, a mudar-se para Belo Horizonte em busca de ares mais limpos. Mas a boemia o chamou e foi mais forte do que o temor da doença, naquela época praticamente uma sentença de morte. Todavia, Noel costumava manter o espírito galhofeiro diante de tudo, inclusive da própria morte. Aproveitando uma batucada de Mano Edgar que também inspirou o samba “Quando Você Morrer”, de Donga e Alto Taranto, gravado por Carmen Miranda, Noel compôs “Fita Amarela”. A música foi lançada com sucesso por Mário Reis e Francisco Alves, e, mais tarde, regravada por Aracy de Almeida.

“Formosa” (marcha de carnaval, 1933) – Nássara e J. Rui
Nássara era um encantador de formas. Mesmo antes das notas e dos versos ele já trabalhava em suas linhas melódicas. Em 1928, chegou à Escola Nacional de Belas Artes e começou a desenvolver os pilares de sua paixão. Lá, formou um conjunto musical com Barata Ribeiro, Manuelito Xavier, Jaci Rosas, Luís Barbosa, e J. Rui, que se tornaria seu parceiro na canção “Formosa”. Lançada por Luís Barbosa e gravada no carnaval de 1933 pela dupla formada pelos cantores Francisco Alves e Mário Reis, a marcha foi a primeira música de Nássara a estourar na boca do povo. Sob confetes e serpentinas não havia quem não cantasse os irresistíveis versos: “Foi Deus quem te fez formosa, formosa, ô formosa, porém este mundo te tornou presunçosa, presunçosa…”.

“Chegou a Hora da Fogueira” (marcha junina, 1933) – Lamartine Babo
Esta música de 1933 reúne, de uma só vez, vários astros da canção brasileira. Composta por Lamartine Babo foi lançada em dueto com Carmen Miranda e Mário Reis sob os arranjos de Pixinguinha. Por isso não espanta que seus versos e melodia tenham permanecido por tanto tempo no imaginário popular. “Chegou a hora da fogueira/ é noite de São João/ o céu fica todo iluminado/ fica o céu todo estrelado/ pintadinho de balão”. Foi regravada pelo palhaço Arrelia.

“Isto É Lá com Santo Antônio” (marcha junina, 1934) – Lamartine Babo
A fim de bisar o sucesso do ano anterior, Lamartine Babo compôs para 1934 outra marchinha junina, e chamou para gravar, novamente, a dupla Carmen Miranda e Mário Reis. Deu certo. A música que brinca com os milagres praticados por São Pedro, Santo Antônio e São João ficou entre as mais executadas. “Eu pedi numa oração/ao querido São João/que me desse um matrimônio/São João disse que não/isto é lá com Santo Antônio”, diz em versos.

“Uma Andorinha Não Faz Verão” (marcha, 1934) – Braguinha e Lamartine Babo
Imagine no que poderia dar o encontro dos dois maiores compositores carnavalescos do Brasil? Deu em “Uma Andorinha Não Faz Verão”. Originalmente composta por Braguinha e lançada pelo cantor Alvinho, em 1931, a marcha ganhou o reforço de Lamartine Babo, que, encantado com a primeira parte, resolveu modificar a segunda, tornando-a mais direta e simples. Lançada por Mário Reis, em 1934, renovou o seu sucesso e tornou-se um clássico instantâneo, que permaneceu animando os foliões durante muitos carnavais. O título vale-se de um conhecido ditado popular que ecoa até hoje.

“Agora É Cinza” (samba, 1934) – Bide e Marçal
Alcebíades Maia Barcelos, mais conhecido como Bide, nasceu no dia 25 de julho de 1902, e morreu no dia 18 de março de 1975, aos 72 anos. Um dos fundadores da escola de samba “Deixa Falar”, Bide foi o responsável por introduzir o surdo e o tamborim no acompanhamento dos sambas, livrando o gênero da influência do maxixe e tornando-o mais brasileiro. Bide formou uma parceria de sucesso com Marçal, com quem compôs clássicos da música brasileira, como “Agora É Cinza”, samba lançado por Mário Reis em 1934, e regravado por Lúcio Alves, Wilson Simonal, Elza Soares, Roberto Silva, e etc.

“Alô, Alô” (samba, 1934) – André Filho
Em 1939, Carmen Miranda estreou na Broadway e iniciou uma carreira de sucesso nos Estados Unidos, participando de vários filmes. Quando retornou ao Brasil pela primeira vez, a cantora foi recebida no aeroporto por uma multidão de fãs, mas, ao se apresentar no Cassino da Urca, foi recebida friamente ao interpretar músicas em inglês. A resposta veio em forma de samba, com “Disseram que eu Voltei Americanizada”, escrita especialmente para ela por Vicente Paiva e Luiz Peixoto. Na letra, Carmen, nascida em Marco de Canaveses, em Portugal, afirmava sua brasilidade, afinal de contas, ela morava no país desde os dez meses de idade. Em 1934, ela realizou um dueto inesquecível com Mário Reis no samba “Alô, Alô”, de André Filho. Um sucesso!

“Rasguei a Minha Fantasia” (1935) – Lamartine Babo
Não é preciso tocar um instrumento para ser um grande músico. Que o diga o carioquíssimo Lamartine Babo, de quem, sobre sua relação com a festa mais popular do país, Braguinha disse: “existe o carnaval antes e depois de Lamartine”. Já em 1934, Lamartine comprovava a tese ao compor a marchinha “Rasguei a Minha Fantasia”, com o palhaço como personagem principal. A música foi lançada por Mário Reis um ano depois, em 1935, acompanhado pelos Diabos do Céu, e regravada com enorme sucesso pelas Frenéticas em 1980, no LP “Babando Lamartine”, o último com a formação original do grupo.

“Balancê” (marcha, 1936) – Braguinha e Alberto Ribeiro
Braguinha, que também atendia pela alcunha de João de Barro, foi o criador de marchinhas que alegraram gerações, como “Turma do Funil”, “Linda Loirinha”, “Yes, Nós Temos Bananas” e “Pirata da Perna de Pau”. Com Lamartine, ele compôs “Cantores do Rádio”. Em 1936, Carmen Miranda lançou a sua canção “Balancê”, que ganhou uma versão de Gal Costa em 1979. Com Alberto Ribeiro, o seu parceiro mais frequente, ele ainda compôs a marcha “Cadê Mimi?”, lançada por Mário Reis e regravada por Nara Leão, Ivan Lins e Pixinguinha, em uma versão luxuosa com sua banda. Um sucesso atemporal.

“Joujoux e Balangandãs” (marchinha, 1939) – Lamartine Babo
Lamartine Babo voltou à carga em 1939, desta vez propondo uma fusão entre dois idiomas. É o que realiza o título de “Joujoux e Balangandãs”, marchinha que combina a palavra francesa que significa “brinquedo” com a tipicamente brasileira “balangandãs”, penduricalho tradicional entre as baianas, cheio de tropicalidade. Tanto que também gerou o verso “quem não tem balangandã não vai no Bonfim”, de Dorival Caymmi. Voltando à canção de Lamartine, ela deu título a um espetáculo teatral e a um filme do mesmo ano, infelizmente perdido. O dueto original de Mário Reis e Mariah foi revivido por João Gilberto e Rita Lee.

“O Grande Amor” (bossa nova, 1960) – Tom Jobim e Vinicius de Moraes
Após oito anos de carreira ininterrupta e em ascensão, Mário Reis decidiu interromper os trabalhos, em 1936, e se recolheu. Realizou shows esporádicos até que, em 1960, gravou o seu primeiro LP. Na ocasião, recebeu um presente de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a dupla de compositores mais famosa da época, em pleno balanço da bossa nova. “O Grande Amor” foi lançada em “Mário Reis Canta Suas Criações em Hi-Fi”, com arranjo do maestro Lindolpho Gaya, e recebeu uma regravação em 1964, no disco que João Gilberto e Stan Getz gravaram nos Estados Unidos, tornando-se um símbolo da bossa nova.

“Isto Eu Não Faço Não” (samba, 1960) – Tom Jobim
Habituado a trabalhar com parceiros da tarimba de Vinicius de Moraes e Chico Buarque, o maestro Antônio Carlos Brasileiro, mais conhecido como Tom Jobim, provava que também era bom de prosa com “Isto Eu Não Faço Não”, samba oferecido a Mário Reis em sua volta triunfal ao mundo do disco, no ano de 1960, quando a bossa nova ditava os costumes da moderna música brasileira. Composto só por Tom, o irresistível “Isto Eu Não Faço Não” é um samba cheio de suingue, propício para a interpretação singular de Mário Reis, que prezava pela dicção precisa das palavras e por sua emissão afinadíssima.

“A Banda” (marcha, 1966) – Chico Buarque
De “saco cheio dessa patrulha ideológica”, Chico Buarque compõe “A Banda”, uma “marchinha single de letra boba”, que Nara, identificada, coloca na praça no icônico ano de 1966, abocanhando o primeiro lugar no II Festival de Música Brasileira da TV Record, empatada com “Disparada”, de Geraldo Vandré, interpretada por Jair Rodrigues. O sucesso desencadeia mais um embate na trajetória artística da inquieta Nara, como relata o biógrafo Tom Cardoso.

Diante da aclamação de “A Banda”, era natural que a cantora incluísse a canção em seu próximo disco, mas ela estava irredutível. “Nara tinha um cuidado na escolha do repertório e não fazia nenhuma concessão. Acho que a única foi gravar ‘A Banda’”. “Ela viajava pelo Brasil e fazia muita pesquisa. Foi assim que ela se deparou com a Tropicália em Salvador, na Bahia. O (Roberto) Menescal só a convenceu a gravar ‘A Banda’ porque disse que ia puxar as vendagens e, assim, ela teria uma abrangência maior para levar os novos compositores até as massas”, conta Cardoso. Intitulado “Manhã de Liberdade”, o álbum lançado em 1966 avisava, na capa, que “A Banda” estava presente. A música foi regravada por Mário Reis em 1971, em seu terceiro e derradeiro LP.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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