“E a alegria cedeu lugar ao tédio vulgar da vida cotidiana e ao sentimento de uma perda irreparável.” Tchekhov
O clima noturno, um tanto sombrio, que atravessa a canção, não é por acaso. Ao final dos versos, o poeta anota o horário da inspiração: “às 4h30 da manhã”. Com letra de Raphael Vidigal Aroeira e melodia de André Figueiredo, o samba “Lupicínio”, nascido, inclusive, na mesma época, é uma espécie de irmão gêmeo de “Ouvi Dolores”, lançado em 2024, após 15 anos de sua composição. Os próprios nomes indicam semelhanças.
Dessa vez, o personagem da música brasileira que batiza o samba-canção é, justamente, Lupicínio Rodrigues, conhecido tanto pela boemia quanto por ter criado a “dor de cotovelo”, devido a seu hábito de apoiar-se nos balcões dos bares de Porto Alegre para lamuriar suas desilusões amorosas, colhendo, tanto da observação externa quanto da reflexão interiorizada, conteúdos para clássicos da canção popular, com os sugestivos nomes de “Vingança”, “Nunca”, “Nervos de Aço”, “Loucura”, dentre outros…
Saudade. Na parceria de Vidigal e Figueiredo, o compositor amargurado é citado nominalmente, a partir de versos que rimam sua alcunha com “martírio” e “delírio”, duas condições do eu lírico que atravessam a narrativa e revelam a afetação de seu estado. No entanto, embora parta de um tom confessional e desalentado, com instantes carnavalescos sobre “lança-perfume” e “vexame”, a reflexão existencial logo assume seu papel e toma a cena no delicado refrão, permanecendo sob a memória nostálgica.
A questão da perda, do desamparo, da finitude, é fundamental em “Lupicínio”. Para adensar essa percepção, a cantora Luisa Doné participa com vocalises de aura fantasmagórica no dueto que realiza com André Figueiredo, condutor da interpretação. A produção de Ariston Espagnolo procura captar, também com minimalismo, o desencontro entre idealização e realidade, passado e presente, expectativa e condição que determina a relação estabelecida pelas personagens ao longo de toda a narrativa.
O lançamento marca o fortalecimento do encontro frutífero entre o letrista Raphael Vidigal Aroeira, o músico e compositor André Figueiredo, o produtor Ariston Espagnolo e a cantora Luisa Doné, com mais uma canção que se refere ao passado da MPB para atualizá-lo com uma temática atemporal, sobre as questões prementes da humanidade.
Ficha técnica
“Lupicínio”
Música de Raphael Vidigal Aroeira e André Figueiredo
Interpretação de André Figueiredo e Luisa Doné
Produção musical e violões de Ariston Espagnolo
Direção musical de Raphael Vidigal Aroeira
Foto da capa de Fátima Vidigal sobre quadro de Geraldo Aroeira
Fotos de divulgação de Ariston Espagnolo