Luiza Villarroel: “É importante discutir o imediatismo na fotografia”

*por Raphael Vidigal Aroeira

“passou um bom tempo olhando e recordando, nessa operação comparativa e melancólica da recordação frente à realidade perdida; recordação petrificada, como toda fotografia, onde não faltava nada, nem mesmo e principalmente o nada, verdadeiro fixador da cena.” Julio Cortázar

A ponta fria da lâmina penetra o tronco pálido, circundado pela ferrugem que corrói a parede outrora branca, enquanto, ao rés do capim, fulgura a retorcida, lânguida e imponente fruta esverdeada, repleta de polpa, contida no cacho, prenunciando a esperança em seu corpo ao mesmo tempo doce e imaturo. Luiza Villarroel, 36, fotografou esse quadro em Bichinho, a 7 km de Tiradentes, interior de Minas Gerais, onde sua mãe morou durante 15 anos.

“Quando ela resolveu vender a casa, eu comecei a querer guardar alguns detalhes na fotografia, caso a minha memória falhasse. Comecei a registrar cantos especiais para mim, e, principalmente, o quintal onde estavam as bananeiras. E acabei criando uma série de fotos desse cacho de banana que minha mãe tinha acabado de colher, e até o facão ainda estava encaixado no dormente”, conta Luiza.

1 – Como e quando começou a sua relação com a fotografia e quais são, na sua opinião, os principais desafios e incentivos de ser fotógrafo em Belo Horizonte?
Meu primeiro contato mais relevante com a fotografia foi já na faculdade de jornalismo. Eu cresci em uma família sem muitos estímulos artísticos, então foi um contexto bem novo pra mim! Na faculdade de comunicação me deparei com a disciplina de fotografia, com o processo que ainda era analógico, me apaixonei pela revelação manual e por esse universo.

E, no meio desse processo, com 19 anos, comecei a trabalhar com fotojornalismo para o jornal da faculdade, posteriormente indo para outros meios de comunicação e, em paralelo, iniciei meu trabalho com fotografia de casamentos e ensaios. Lembro de, na época, me apaixonar pelos trabalhos de alguns fotógrafo(a)s como Sally Mann, Duane Michals, Man Ray, Elliott Erwitt, Bresson, Steve McCurry. Ainda sou apaixonada pelo trabalho deles!

Quando iniciei na fotografia, há 17 anos, eu sentia o mercado mais conservador e fechado. Hoje percebo que os clientes estão abertos à fotografias menos tradicionais e mais críticos em relação à imagem, o que acho muito positivo. Vejo Belo Horizonte como uma cidade que comporta profissionais com fotografias muito diversas, com linguagens diferentes, dispositivos variados como o analógico que voltou com força.

Além disso acho a relação entre fotógrafos extremamente saudável e de cumplicidade, em muitos casos. E não posso deixar de mencionar a beleza da nossa cidade e a riqueza de lugares que temos pra serem objeto da nossa fotografia ou mesmo o contexto de algum retrato ou ensaio.

Dos desafios, acredito ser importante abrirmos ainda mais a cabeça das pessoas para fotografias diversas e discutirmos sobre o impacto do imediatismo já que, em muitos casos, é importante para o profissional ter um tempo de maturação e finalização mais calma desse trabalho.

2 – O que é essencial que uma fotografia tenha, na sua opinião? Há algum aspecto que você privilegia no seu trabalho? Luz, enquadramento, cenário, posição dos modelos?
Na minha opinião, é importante que a fotografia tenha “algo a dizer”. Seja através do olhar daquele autor ou da interpretação de quem a vê.

Quando vou fotografar algo ou alguém eu costumo me perguntar “porque dessa forma e não de outra? O que isso significa pra mim e pra quem está sendo fotografado?” Acho esses questionamentos importantes pra trazermos coerência entre o que fazemos e o que queremos dizer com a fotografia.

Comercialmente eu tenho uma preocupação com vários aspectos desde a luz, enquadramento, direção das pessoas, o cenário, o tratamento da foto, mas minha prioridade é sempre a iluminação porque realmente acredito que ela é a essência da fotografia e que ela pode mudar completamente a mensagem e o resultado final daquela imagem.

3 – De que maneira você procura dar um viés ou tratamento artístico para seu trabalho?
Falar de arte e fotografia é sempre algo polêmico e subjetivo! Até porque Umberto Eco já disse que “a ideia da arte muda continuamente segundo as épocas e os povos e aquilo que para determinada tradição cultural era arte, parece dissolver-se diante de novos modos de operar e de fruir”. E é isso: a fotografia acompanha as mudanças do mundo assim como o modifica!

Mas dentro do que eu acredito que seja uma fotografia, busco criar uma imagem com essência, com alguma relevância e que desperte algum sentimento em mim ou quem a vê. Porque acredito que, mesmo realizando um trabalho comercial dentro da fotografia, é possível trazer essa riqueza na imagem, essa importância da história de uma família, um conceito ou toda uma história complexa por trás de um simples clique.

Esteticamente eu tento, algumas vezes, quebrar o óbvio do que seria esperado naquela imagem através de uma luz diferente, de um enquadramento fora do padrão, de permitir uma fotografia mais ruidosa ou de trazer movimento e leveza através de baixa velocidade do obturador.

4 – Quando você realiza fotografias autorais, que não têm um cliente contratando, o que te interessa fotografar? O que costuma te despertar o desejo de fotografar?
Esse é um dos momentos mais interessantes de fotografar porque é quando eu sou completamente guiada pelos meus sentimentos e tenho menos preocupações estéticas que um trabalho comercial demanda. É muito sobre clicar aquilo que me desperta e me toca de alguma forma naquela fase que estou vivendo ou algo (ou alguém) que seja muito importante pra minha vida e que eu queira deixar registrado.

Vou dar dois exemplos muito relevantes que aconteceram. Minha mãe morou por 15 anos em Bichinho e, quando ela resolveu vendar sua casa, eu comecei a querer guardar alguns detalhes na fotografia, caso a minha memória falhasse. Comecei a registrar cantos especiais pra mim e, principalmente, o quintal onde estavam as bananeiras. E acabei criando uma série grande de fotos dessa bananeira, de um cacho de banana que minha mãe tinha acabado de colher e até o facão ainda estava encaixado no dormente. E essa bananeira se tornou um símbolo daquele quintal e daquela casa e hoje esse trabalho tem uma importância enorme pra mim, pra uma parte da minha história e traz um sentimento nostálgico delicioso.

Outra questão comum é lidar com sentimentos bons ou ruins através da fotografia. Recentemente recebi um diagnóstico de burnout e resolvi criar uma série de imagens, de forma despretenciosa, pra me ajudar a lidar com isso e até mesmo para ressignificar essa relação com o trabalho. Em primeiro momento foi como maneira de exprimir a dor emocional que eu sentia e como eu estava enxergando e vivendo isso naquele momento. Em segundo momento (o atual) já é um processo mais curativo em que eu comecei a fotografar o que me desperta a vontade de viver e de olhar pro mundo de forma mais leve.

5 – As tecnologias virtuais impactaram de alguma forma o seu trabalho? Qual a relevância da fotografia artística e profissional num tempo em que todos “fotografam”?
Acredito que as novas tecnologias tornaram a fotografia mais acessível, o que é extremamente importante. Mas impactaram, de forma complexa, trazendo um imediatismo no resultado da imagem, a urgência das publicações e uma perfeição estética que não existe na vida real. E tudo isso, ao menos ver, traz uma superficialidade na nossa relação com a fotografia e uma desvalorização dela através de uma relação quase descartável da imagem.

E acredito que a função do profissional deva passar exatamente por esse lugar. De que precisamos voltar a contemplar as imagens e a vida real por trás das telas, lembrando da importância da fotografia enquanto memória da nossa história. E de lembrar que somos imperfeitos em vários aspectos! Que o nosso rosto na vida real não é aquele dos filtros impecáveis das redes sociais e que a nossa vida tem importância em momentos cotidianos também, como eu gosto de trazer em ensaios de família, por exemplo. Além disso a presença de um fotógrafo profissional possibilita que as pessoas vivam aquele momento, de forma presente e real, através de um olhar único e um domínio técnico apurado.

6 – Em 2024, o que você pretende fotografar que ainda não fotografou? O que é mais importante de ser “dito/mostrado” através da fotografia nos tempos atuais?
Eu gostaria de realizar mais projetos autorais e, o principal deles, dar andamento a uma série de retratos que iniciei há 10 anos das pessoas que fizeram / fazem minha vida de forma muito relevante. Acho tão importante hoje termos essa liberdade do fotografar e do mostrar (uma democratização da fotografia) mas, ao mesmo tempo, percebo que estamos exauridos de imagens! Já existe um excesso!

Acho que hoje seria muito interessante e rico se a gente conseguisse olhar pra nossa essência, pro que realmente é importante pra gente ter como memória e não somente o que é feito para as redes sociais. E contemplarmos mais o que já foi fotografado, fazermos uma curadoria do que é importante, imprimir essas memórias, fazer álbuns… não deixar, de alguma forma, que essas imagens se percam!

Foto: Fred Magno

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]