Luiz Américo reclamou do preço do gás e da Seleção de Zagallo em sucessos

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Desculpe, seu Zagallo
Mexe nesse time que tá muito fraco
Levaram uma flecha, esqueceram o arco
Botaram muito fogo e sopraram o furacão
Que nem saiu do chão…” Hélio Matheus & Luís Vagner

Ninguém sabe quem é Américo Francisco, nome com que o “cantor da boina” começou a se apresentar no concurso de calouros de Silvio Santos, arrebatando todos os prêmios. A mania de usar chapéu começou na infância. A mãe os criava a partir de sacos que ela recebia para lavar a roupa das clientes. Quando foi se apresentar no programa do apresentador Chacrinha, ouviu: “Eu vou esculhambar você, mas você não tira o chapéu”. E ele nunca mais tirou.

Já rebatizado de Luiz Américo, mas sem dispensar o adereço na cabeça que o acompanha até hoje – porém sobre fios bem mais ralos que a outrora vasta cabeleira –, esse paulista de Santos que agora chega aos 75 anos obteve o primeiro sucesso nas rádios com “Desafio”, que também ninguém conhece: todos chamam a música de “Cuca Cheia de Cachaça”.

Ilusão. “Quando eu tiver/ Com a minha cuca cheia de cachaça/ Te arranco dessa roda, te ganho na raça/ Te levo pra ser dona do meu barracão”, promete o cantor cheio de ímpeto, na parceria com Bráulio de Castro e Clóvis de Lima, lançada em 1973, mesmo ano em que recebeu uma regravação de Alcione.

A segunda parte do samba desfaz o engano da aparente valentia do protagonista, que rapidamente coloca o rabinho entre as pernas. “Bateu o leiteiro na porta/ E gritou bom dia/ As luzes já se apagaram/ Só não vejo Maria/ Vive ligada no samba/ Sem dar bola pra vida/ (…) Os meus amigos me falam/ Esquece a Maria/ Ela nasceu com o samba/ Ela é da folia”. O ritmo retorna manso como esse homem iludido.

Seleção. No ano seguinte, ele emplacou mais uma: “Camisa 10”, samba de Hélio Matheus e Luís Vagner. “Desculpe seu Zagallo/ Mexe nesse time que está muito fraco/ Levaram uma flecha e esqueceram o arco/ Botaram muito fogo/ E sopraram um furacão/ Que não saiu do chão”, proclama o cantor, que não perde a oportunidade de alfinetar o goleiro da equipe na estrofe adiante: “E se não fosse a força desse pau-pereira/ Comiam frango assado lá na jaula do Leão”. Luiz Américo ainda repetia: “Essa é a camisa dele”, como a lembrar de que Pelé, que largara a Seleção a contragosto dos militares, era insubstituível.

O fracasso da Seleção Brasileira dirigida por Zagallo na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, após o tricampeonato no México, colaborou para esse novo sucesso de Luiz Américo. O rapper Marcelo D2 voltou ao tema, com uma versão totalmente repaginada, em 1998, quando Zagallo reassumiu o comando técnico da Seleção que acabou derrotada pela anfitriã França na final da Copa.

Parceria. Aqui e ali, surgiam vestígios de um encontro, à primeira vista, improvável: a de Luiz Américo, cantor popular que colhia os frutos da glória na década de 1970, com Braguinha, cânone da música carnavalesca, parceiro de Noel Rosa, Alberto Ribeiro, Alcir Pires Vermelho, Almirante e Dorival Caymmi em priscas eras.

No disco de 1975, um estouro admirável da dupla: “Filho da Véia” trazia a assinatura de Braguinha e Luiz Américo. “Sou filho da véia ô/ Eu não pego nada/ A véia tem força ô/ Na encruzilhada”. Pérola que foi regravada por Zeca Baleiro em 2002, no álbum “Pet Shop Mundo Cão”, com o incremento de uma batida pop-eletrônica.

Atualidade. Antes, em 1974, Braguinha e Luiz Américo fizeram barulho com uma canção de pegada mais romântica. “Na hora da sede você pensa em mim/ Pois eu sou seu copo d’água/ Sou eu quem mata a sua sede/ E dou alivio à sua mágoa”. Em momentos distintos, Clementina de Jesus e Zélia Duncan verteram essa saborosa dor de cotovelo em fonte de música próspera, jorrando samba pra todos os lados: “Na Hora da Sede” jamais negou a vocação para hit.

Também da lavra de Luiz Américo e Braguinha é “O Gás Acabou”, um desaforo de tão atual. “Meu gás acabou, tem pouca comida/ Acabou meu dinheiro/ Pagamento está longe/ Ainda não pintou o décimo-terceiro…”. Pensar que, em 1977, as pendengas dos brasileiros não se limitavam ao aperto econômico, mas aos arroubos autoritários de militares cruéis, despreparados e parvos.

Legado. “Carta de Alforria”, de 1976, lembrava ao Brasil de seu passado escravocrata – que ainda define nossas relações de classe – para criar uma imagem de dominação amorosa, daquelas em que a paixão vira obsessão. “Tu és senhora/ Eu sou escravo desse teu ciúme/ Obediente ouço teus queixumes/ O meu amor por ti é uma loucura”.

Já “Casa Cheia” era outra música pra cantar junto, a plenos pulmões. “Casa cheia oi, casa cheia/ Depois de meia noite incendeia/ É gente do lado de lá/ É gente do lado de cá/ É gente chegando de todo lugar/ Tem pandeiro cuíca e ganzá/ Pagode já vai começar/ Faça de tudo pra se alegrar”, incentivava o intérprete que, em 1972, teve composição lançada por Angela Maria: “Minha Mãe, Minha Amiga”.

“Estou vendo os teus cabelos embranquecer, mamãe/ Em teus olhos, a mesma vontade de viver/ Teu sorriso, sempre o mesmo a me animar/ Nesta estrada onde eu vou ter que caminhar”. Hoje, os cabelos a perder o viço são os de Luiz Américo, que mantém uma casa noturna no Guarujá, onde seus filhos se apresentam com o Grupo Feitiço, e cantam sambas de ontem e de hoje.

Matéria originalmente publicada no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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