Lobão: Relembre sucessos, regravações e polêmicas do imprevisível artista

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Todo bom artista é um criador de problemas!” Lobão

João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 11 de outubro de 1957. Ele ganhou o apelido ainda na escola, quando usava um macacão que lembrava o do personagem da Disney. Lobão começou a carreira como baterista, tocou com Marina Lima e Marília Pera e fundou uma banda com Lulu Santos e Ritchie, antes de participar do primeiro disco da Blitz. Ali, o seu temperamento polêmico já ficaria conhecido.

Lobão deixou a Blitz logo após o primeiro disco, por desentendimentos com os produtores da gravadora, e partiu em carreira-solo, emplacando uma série de hits, como “Me Chama”, “Corações Psicodélicos” e “Rádio BLÁ”. Lobão também é o compositor, com Bernardo Vilhena, de “Vida Louca Vida”, sucesso na voz de Cazuza. Durante a quarentena, Lobão gravou uma série de clássicos da música popular brasileira, como “Retalhos de Cetim”, de Benito Di Paula.

“Retalhos de Cetim” (samba, 1973) – Benito Di Paula
De Lobão pode-se esperar qualquer coisa, principalmente o imponderável. O cantor é mestre em quebrar as expectativas. O temperamento controverso responde por muitas dessas atitudes. Desde os anos 1980, quando ficou preso durante três meses em uma cela comum por porte de maconha, o artista tornou-se um símbolo de rebeldia. Nos anos 1990, começou a encampar uma briga pública com Caetano Veloso e outros monstros sagrados da música brasileira, questionando sem pudores o mérito criativo de cada um deles. Os anos 2000 marcaram sua incursão explícita no campo minado da política, quando abandonou o PT e passou a se associar a preceitos e gurus da direita nacional. Quebrando as expectativas novamente, em 2020 ele gravou uma pungente versão para “Retalhos de Cetim”, samba de 1973 de Benito Di Paula.

“A Lua e Eu” (música soul, 1976) – Cassiano e Paulo Zdanowski
É preciso, no mínimo, coragem e desprendimento para escrever em uma canção popular: “Estou ficando velho e acabado…”. Só mesmo Cassiano, que se intitulava “músico doidão”, assim como o parceiro Tim Maia, com quem, ao lado de Hyldon, Sandra de Sá, Tony Tornado e Gérson King Combo, ajudou a fomentar a cena da música soul no Brasil. Em 1976, Cassiano já conhecia o sucesso, apesar do comportamento errático que comprometeu sua carreira junto às grandes gravadoras.

Seis anos depois de estourar com “Primavera”, na voz de Tim Maia, ele apresentou, em 1976, “A Lua e Eu”, parceria com Paulo Zdanowski, também conhecido como Paulinho Motoca. A música, que virou tema da novela “O Grito”, da Rede Globo, por iniciativa de Nelson Motta, unia as influências de Cassiano, que tinha uma queda por Stevie Wonder e Lupicínio Rodrigues. Em 2021, recebeu uma versão inusitada do cantor Lobão.

“Noite e Dia” (balada, 1982) – Lobão e Júlio Barroso
Tímida e sensual, alternando altos e baixos na carreira como de seu temperamento escorregadio, Marina recebia os olhares de Lobão e Júlio Barroso, amigos e compositores que juntos, apaixonados pela mesma presa, dedicaram-lhe “Noite e Dia”. “Não sabia que a música era pra mim, mas sempre via os dois rindo muito nas festas, acho que eram dois ‘espadas’, no sentido de serem competidores e disputarem as mesmas mulheres. Não devem ter dito nada pra não me assustar”, declara Marina, aos risos. “Noite e Dia” foi lançada pela cantora em 1982 e compara, novamente, a homenageada a uma felina. Ainda de Lobão ela gravaria, com enorme sucesso, “Me Chama”.

“Corações Psicodélicos” (rock, 1984) – Lobão, Bernardo Vilhena e Júlio Barroso
Durante o velório de Júlio Barroso (1953-1984), os cantores Cazuza (1958-1990) e Lobão cumpriram o combinado de cheirar cocaína sobre o túmulo do amigo. Era um singelo tributo para aquele que ambos consideravam como o verdadeiro mentor da geração roqueira dos anos 80 no Brasil. Antes de sua trágica e precoce morte, aos 30 anos, ao despencar de uma janela de seu apartamento, em circunstâncias nebulosas, Júlio fundou a banda Gang 90 e Absurdettes, que tinha como uma das vocalistas a australiana criada na Holanda, Alice Pink Pank, à época namorada de Júlio. Foi logo após terminar com Júlio que Alice começou a namorar Lobão, com quem gravou o LP “Ronaldo foi pra Guerra” (1984). Ali comparece “Corações Psicodélicos”, parceria tripla de Lobão, Júlio Barroso e Bernardo Vilhena, bem no clima Pank.

“Me Chama” (balada, 1984) – Lobão
Lobão, “roqueiro, reacionário, traidor” e outros adjetivos que pulularam na internet nos últimos tempos tentam etiquetar o autor do eterno hit “Me Chama”. Fato é que, atualmente, Lobão dispensa as apresentações. As opiniões do músico se tornaram de tal modo ressoantes que ele criou um canal no YouTube, definido pelo próprio como “fofo”, em que, antes de tudo, “trata as pessoas com carinho”. “Tenho a diligência de responder todos que sintonizam o canal”, garante. Em 1984, muito antes das inúmeras polêmicas que viriam depois, ele gravou o maior hit da carreira. “Me Chama” ganhou gravação de Marina Lima no mesmo ano e até de João Gilberto, em versão que Lobão também reprovou por ter suprimido um verso que o Papa da Bossa Nova “não entendia direito”. Pois se tratava de “nem sempre se vê mágica no absurdo…”.

“Decadence Avec Elegance” (rock, 1985) – Lobão
Sant’Agata di Militello, localizada na região da Sicília, na Itália, é a cidade onde a cantora e compositora Deborah Blando nasceu, fruto do romance entre um italiano e uma ucraniana. Aos dois anos, ela mudou-se para o Brasil. Sabendo cantar e compor em português, italiano, francês e espanhol, a intérprete passou a ser presença garantida nas trilhas de novelas. Em 1993, deu voz a uma versão para “Decadence Avec Elegance”, de Lobão, em “Deus nos Acuda”. Lobão sempre negou que a música tivesse sido escrita para Monique Evans, com quem viveu um atribulado romance, quando ela raspou a cabeça.

“Mal Nenhum” (rock, 1985) – Cazuza e Lobão
Similaridades de comportamento e gostos em comum uniam Lobão e Cazuza. Em 1985, ambos expulsos de seus respectivos grupos, “Barão Vermelho” e “Os Ronaldos”, encontraram-se no Baixo Leblon e, por sugestão de Cazuza, iniciaram parceria musical. A música “Mal nenhum”, lançada por Cazuza em seu primeiro disco solo, “Exagerado”, de 1985, foi apresentada pelo cantor pela primeira vez durante o “Rock In Rio” daquele ano, ainda na companhia do grupo “Barão Vermelho”.

Antes de cantá-la, Cazuza faz uma defesa, a seus modos, de Lobão. O autor da letra afirma que o texto diz respeito a “uma fase em que nem eu me aguentava. Andava meio agressivo e o Lobão estava parecido comigo”. Já Lobão, responsável pela melodia diz que “apesar de parecer simples, foi bastante trabalhada”. O que emerge deste conjunto é uma música visceral, lírica, recado de uma geração para seus afetos e opressores. Regravada, entre outros, por Lobão, Cássia Eller e Arnaldo Antunes.

“Louras Geladas” (rock, 1985) – Paulo Ricardo e Luiz Schiavon
“Eu era o melhor amigo do Cazuza. Mas ele foi vítima do próprio amor da família. Ele morreu e a família quis transformá-lo numa coisa ‘MPB’. Aí ficou nem barro nem tijolo. Higienizaram a obra dele. Eu brincava com ele: ‘Tu vai morrer duas vezes, porque quem vai escrever o prefácio da sua biografia vai ser o Caetano Veloso’. Não deu outra. Se você perceber, o Caetano exalta o Cazuza como um cara muito bom daquela época, dos anos 80”.

“É como elogiar os ombros do Paulo Ricardo. ‘O Paulo Ricardo toca bem contrabaixo, canta bem, tudo bem. Mas os ombros são maravilhosos’. Então ele é muito cruel nesse ponto. Eu falava: ‘Cazuza a gente precisava ter uma ruptura’. Mas ele gostava muito de Dolores Duran, samba-canção, música brasileira, então ficou meio na dúvida em dar aquele salto”. As palavras são de Lobão, que, em 2019, regravou “Louras Geladas”, hit do RPM composto por Paulo Ricardo e Luiz Schiavon.

“O Rock Errou” (rock, 1986) – Lobão e Bernardo Vilhena
“Não acredito em mais ninguém. Estou cansado de votar no menos pior e ele ser tão ruim quanto todos os outros. A partir de agora, serei sempre oposição. Sou do rock”, declara Lobão, que viu o espírito de “O Rock Errou”, parceria com Bernardo Vilhena de 1986, que atacava os políticos de direita Ronald Reagan e Margaret Thatcher e também o Papa e o Vaticano ser renovado. A música foi lançada no álbum em que Lobão aparece na capa com Daniele Daumerie, então sua esposa, vestido de padre, enquanto ela está nua. Como sempre, o roqueiro provocava a moral e os bons costumes dos brasileirinhos.

“[Glória], Junkie Bacana” (rock, 1986) – Cazuza e Lobão
Depois da primeira dose, é difícil largar o copo. Cazuza e Lobão retomam a parceria um ano depois da primeira, em 1986, e logo em grande estilo. A vida de excessos, o discurso incisivo e o deboche tomam o posto de frente na canção “[Glória], Junkie Bacana”, que gerou divergências entre os parceiros já no título.

Lobão explica que “Glória, a ‘Junkie Bacana’ do título é minha irmã, Cazuza fez a letra em homenagem a ela. Ele adorava minha irmã e eu detestava na época porque ela tinha essa patologia de acordar com uma vela e, morando na minha casa bebeu e jogou álcool no cobertor”.

Além de tacar fogo na realidade, como já era de se esperar, a canção refletia esse incêndio provocado pelos dois que, moderadamente, pediam desculpas ao vizinho por “Mijar na janela/Chamando por Deus/E gritando o nome dela”, entre outras cositás más. A música, letra de Cazuza e melodia de Lobão, foi lançada pelo segundo em 1986, no álbum “O Rock Errou”.

“Baby Lonest” (rock, 1986) – Cazuza, Lobão e Leduscha
A poesia também uniu Lobão e Cazuza. Em 1986, os dois adaptaram um poema de Leduscha e a transformaram em letra de música lançada por Lobão no álbum “O Rock Errou” e regravada por Cazuza em 1989, em “Burguesia”. A música versa sobre uma “ninfa do asfalto”, a baby perdida do título que utiliza expressão repetida diversas vezes por Cazuza para se referir a flertes e encerrar frases.

Nas versões dos autores existem variações tanto de ritmo, quanto de versos e leituras, o que traz à tona não apenas as igualdades, mas também as diferenças que uniam Lobão e Cazuza. Afinal eles nunca foram propagadores da homogeneidade e muito menos dos discursos prontos, das frases feitas e do senso comum. Há, sempre, em Lobão e Cazuza, algo de original, algo de provocativo, que busca atentar para uma visão além do que se vê nos “Olhos de sangue/Nas pernas daquela menina/Nas pernas daquela avenida”. Há um discurso de liberdade e libertação, possibilidades, sobretudo.

“Rádio Blá” (rock, 1986) – Lobão, Arnaldo Brandão e Tavinho Paes
Em participação no programa “Domingão do Faustão”, o cantor Lobão afirma, com sua verve debochada, que em “Rádio Blá” ele interpretava “a dor de corno do Tavinho Paes”, autor da letra da música, que ainda conta na parceria com Arnaldo Brandão, então vocalista da banda Hanói-Hanói, que a lançou em 1986. No ano seguinte, Lobão registrou a sua versão definitiva, no álbum “Vida Bandida”, cercado pela polêmica prisão do músico, apontado como usuário de drogas e mal social. “Rádio Blá” cita até o cineasta Fellini e, na regravação de Lobão para o “Acústico MTV”, teve partes alteradas a fim de aumentar o deboche, como “filmar”, que virou “fumar”. Sem falar nos palavrões inseridos.

“Vida Louca Vida” (rock, 1987) – Bernardo Vilhena e Lobão
“Vida Louca Vida” é uma música de Lobão e Bernardo Vilhena. O primeiro é responsável pela melodia, o segundo, pela letra. Lançada por Lobão em 1987 no álbum “Vida Bandida”, estouro de vendas e prestígio que continha, entre outros, clássicos do calibre de “Rádio Blá” e a canção título, a música em questão logo se destacou pelos frementes versos e os acordes e notas que a acompanhavam e lhe davam peso.

Não por acaso chamou, e muito, a atenção de Cazuza, que, ao se identificar com a letra transmitiu esse sentimento a milhares de brasileiros quando a regravou um ano depois, em 1988, no emblemático disco ao vivo “O Tempo Não Para”, oriundo do show dirigido por Ney Matogrosso, que também gravaria a música anos depois, em 2013, no álbum “Atento aos Sinais”. Tudo isso apenas prova o poder de permanência da canção por sua qualidade, e mais ainda, a admiração recíproca de Lobão e Cazuza, pois um solicitou a sua regravação e o outro consentiu ao amigo.

“A Deusa do Amor” (foxtrote, 1987) – Lobão e Bernardo Vilhena
O roqueiro Lobão compôs com o parceiro Bernardo Vilhena, em 1987, “A Deusa do Amor”, um foxtrote feito sob medida para Nelson Gonçalves, cantor da era de ouro do rádio. Um ano depois, os dois subiram ao palco do Globo de Ouro para cantar a música. “Nelson Gonçalves virou meu parceiro, meu brother, meu irmão. Um cara totalmente rock´n´roll, que eu chamava de senhor e recebia xingamento em troca. Fiz uma música para ele que gravamos juntos, ‘A Deusa do Amor’, inspirada no repertório passional que ele interpretava. Ele chegou a me chamar de filho algumas vezes”, diverte-se Lobão.

“O Tempo Não Para” (rock, 1988) – Cazuza e Arnaldo Brandão
Todas as músicas do espetáculo de lançamento do álbum “Ideologia” já estavam definidas quando Cazuza apresentou a Ney Matogrosso uma novidade. O antigo vocalista do grupo Secos e Molhados era o responsável pela direção, iluminação e cenografia do show. Ao se deparar com a letra arrebatadora de “O Tempo Não Para”, Ney não teve dúvidas de que a música daria nome à turnê. Parceria com Arnaldo Brandão, “O Tempo Não Para” mescla a batalha pela vida de Cazuza com as agonias de um país em constante crise. “A música é sobre essa velharia que está aí e vai passar. Vão ficar as ideias de uma nova geração”, afirmou Cazuza. Ney, Simone, Zélia Duncan, Lobão e Barão Vermelho regravaram o hit.

“Essa Noite, Não” (balada, 1989) – Lobão, Bernardo Vilhena e Daniele Daumerie
Lobão nunca teve vida fácil. Tanto seu pai quanto sua mãe cometeram suicídio, e ele próprio chegou a tentar tirar a própria vida. Em 1989, Lobão ainda convivia com a perseguição da polícia e as acusações de porte de drogas, pelas quais foi condenado à prisão, onde passou três mesas em uma cela comum com outros presos. Nesse cenário pra lá de atribulado, ele colocou na praça o álbum “Sob o Sol de Parador”, em 1989, que teve como principal destaque a faixa “Essa Noite, Não”, uma balada escrita com Bernardo Vilhena e Daniele Daumerie, com o curioso subtítulo “Marcha a Ré em Paquetá”. A música toca no tema do suicídio.

“Panamericana [Sob o sol de Parador]” (rock, 1989) – Lobão, Arnaldo Brandão e Tavinho Paes
Em 1989 o compositor Lobão dispara para todos os lados no desabafo contra as maneiras truculentas e com uso da violência de se fazer política na América Latina. Na canção “Panamericana [Sob o sol de Parador]”, parceria com Arnaldo Brandão e Tavinho Paes não se alivia a barra para “os ditadores do Partido Colorado”, “os guerrilheiros de Farrabundo Marti”, “os assassinos dos índios brasileiros” ou os “fuzileiros do M – 19”, entre outros citados nominalmente ao longo da letra, que ainda conta com lembrança à histórica frase atribuída ao revolucionário Che Guevara: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura”. Lobão endurece com um rock de batida potente e ágil.

“Azul e Amarelo” (balada, 1989) – Cazuza, Lobão e Cartola
“Azul e Amarelo” é outro caso de parceria tripla envolvendo Lobão e Cazuza, embora o outro ‘compositor’ seja, na verdade, um homenageado, e uma das últimas dos dois. Como relata Lobão, “’Azul e Amarelo’ era uma música nitidamente de despedida”.

Cazuza recorre às cores de seu guia espiritual no candomblé para dar título à música, conhecido por ser metade menino, metade mulher, como ele diz: “Eu sou cínico, revoltado e menino, mas principalmente muito menino. Sou um edé no candomblé. Sempre que eu vou a um lugar espírita, vem um indiozinho me proteger. Meu anjo da guarda é uma criança”.

Na letra, aflora a doçura e singeleza de Cazuza que se diz protegido e crente de “anjos, fadas, gnomos” e outras criaturas envolvidas no som de fantasia. A inclusão de Cartola como um dos parceiros veio por sugestão de Cazuza, que dizia usurpar versos de uma canção do sambista, no caso “Não quero/Não vou/Não quero”, presentes em “Autonomia”.

Lobão, nascido no mesmo dia de Cartola, aproveitou a onda de coincidências e o transe mágico do amigo e foi junto. Além do mais, Cartola e Cazuza tinham quase o mesmo nome. O primeiro Angenor, por erro do cartório, o segundo, Agenor. Qual dos dois era o mais errado? Os dois deram certo na música. Cazuza lançou “Azul e Amarelo” no disco “Burguesia” e Lobão em “Sob o Sol de Parador”, ambos em 1989.

“Quero Ele” (rock, 1989) – Cazuza e Lobão
As parcerias póstumas entre Lobão e Cazuza começaram antes que o primeiro pudesse saber. Um tempo depois da morte do amigo em 1990, aos 32 anos, vítima da AIDS, Lobão recebeu direitos autorais por uma música da qual não sabia ter participado. “Quero Ele” foi composta por Cazuza especialmente para a transformista Rogéria em 1989, que estrelava a versão teatral do espetáculo “Querelle”, de Jean Genet, sobre a vida do marinheiro que seduzia homens e mulheres e frequentava o submundo do crime e das drogas no universo francês.

O trocadilho entre o nome da personagem e a vontade por alguém serviram de combustível para Cazuza desfilar versos da estirpe “Quero tê-las/Seus bagos/Suas orelhas/Quero ele brocha/Quero ele rocha/Quero ele com seus pentelhos/E seu doce sorriso nas sobrancelhas/(…)/Quero Querelle e seu irmão/(Quero Rogéria e seu pauzão)”, suficientes para Lobão recusar a parceria. Mas como Cazuza não se fez de rogado, Lobão ficou sendo parceiro mesmo a descontentamento. Interpretada por Rogéria em cena, a música foi também registrada por Adriana Capparelli em espetáculo com canções do teatro.

“Mano Caetano” (rock, 2001) – Lobão
“Cazuza era amigo de todo mundo, de Caetano Veloso a Lobão”. “Adoro o Lobão, com todas as polêmicas. Ele e Cazuza se davam super bem. Quando as pessoas cobravam o Cazuza a se posicionar contra alguém, ele falava: ‘Quem fala mal é o Lobão, deixa isso para ele’”, relata Lucinha Araújo, mãe de Cazuza. Os desentendimentos públicos entre Lobão e Caetano Veloso renderam várias músicas. Caetano alfinetou Raul Seixas com “Rock’n’Raul”. Lobão tomou as dores do roqueiro baiano e devolveu com “Mano Caetano”, um rock verborrágico lançado em 2001. O tropicalista retrucou com “Lobão Tem Razão”. Em outras declarações à imprensa, Lobão voltou a atacar Caetano.

“Seda” (rock, 2005) – Cazuza e Lobão
Em 2005, quando preparava mais um álbum independente, “Canções dentro da noite escura”, Lobão recebeu de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, a letra de “Seda”. Chamado a musicar a canção, Lobão se pôs frente a fotografias do amigo e eliminou apenas um verso, que tratava de “luvas e cuecas”.

Com uma pegada essencialmente rock e menção a Bob Dylan, a música faz jus ao histórico de parceria, amizade, vida, princípios e rebeldias de dois parceiros incomuns e únicos na canção brasileira, capazes de fabricar canções de alto poder de contestação e ainda assim emplacarem sucessos radiofônicos.

Há, na trajetória de Lobão e Cazuza essa similaridade, de não diluírem o discurso, o que está presente, inclusive, na potência melódica da canção referida. É de “Seda” um dos mais belos versos sobre a vida escritos por Cazuza, “saudade é felicidade abafada, futura…”, e uma das mais inspiradas e precisas melodias de Lobão. Para tais acordes não há palavras. Apenas perplexidade e sentimentos.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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