Lô Borges: Relembre os grandes sucessos do cantor e compositor mineiro

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Coisas que a gente se esquece de dizer
Frases que o vento vem às vezes me lembrar
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Na canção do vento não se cansam de voar” Lô Borges & Ronaldo Bastos

Salomão Borges Filho, o popular Lô Borges, sem dúvidas nasceu em uma família musical. Mineiro de Belo Horizonte, é irmão de Telo, Marilton e Márcio Borges, todos enveredaram pela carreira musical. Ao lado do irmão Márcio, compôs alguns dos maiores sucessos da sua carreira e do Clube da Esquina, do qual foi parte integrante e um dos principais nomes em âmbito nacional, ao lado de Milton Nascimento, com quem dividiu o histórico LP de 1972. Entre suas músicas mais conhecidas e cantadas até hoje, destacam-se “Paisagem da Janela”, “O Trem Azul”, “Tudo Que Você Podia Ser” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, esta última já dos anos 2000. Ao longo da carreira, Lô foi gravado por Milton, Elis Regina, Samuel Rosa, Beto Guedes, Lobão, e outros.

“Equatorial” (clube da esquina, 1967) – Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges
Alguns músicos não acreditavam, uns riam e outros ficavam sem saber o que fazer. Sem contar aqueles que simplesmente se recusavam a tocar. A indicação “quelque chose” em determinado momento da partitura, traduzida literalmente do francês para o português como “qualquer coisa”, deixou em maus lençóis a orquestra do conservatório da escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), convocada para participar do I Festival Estudantil da Música Popular Brasileira. O ano era 1967.

“Falei com eles: ‘Afina o instrumento, dá uma pancada na borda do prato de bateria, faz um barulho’. A ideia era essa, gerar um efeito. Poderia ter escrito isso de maneira mais inteligível, mas a gente era tudo garoto na época”, recorda Nelson Ângelo, responsável pelo arranjo inusitado para “Equatorial”, inscrita pelos autores Lô Borges, Beto Guedes e Márcio Borges na competição universitária. A música seria regravada por Lô e Samuel Rosa posteriormente.

“Para Lennon e McCartney” (clube da esquina, 1970) – Márcio Borges, Lô Borges e Fernando Brant
“Márcio (Borges), Lô (Borges) e Fernando (Brant)… Posso definir os três numa só palavra: coração. E o que eles trouxeram de único para mim e para minha vida é uma coisa chamada amizade. Isso sim é uma das coisas mais importantes na minha vida. Sem amizade não consigo fazer nada, nem atravessar a rua”. A afirmação é de Milton Nascimento que, entre os amigos, sempre foi intimamente chamado de Bituca, e, em 1970, lançou uma parceria do trio que se tornou um de seus grandes sucessos. “Para Lennon e McCartney” explicitava no título a influência dos Beatles sobre o Clube da Esquina, mas deixava claro em seu verso final: “Sou do mundo/ Sou Minas Gerais”. E a música ganhou uma regravação da cantora Célia, no ano de 1971.

“Feira Moderna” (clube da esquina, 1970) – Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant
Desde cedo, a música esteve presente na vida de Beto Guedes, que cresceu influenciado pelas serestas e choros de seu pai e o som único e pop que os Beatles traziam de fora do país. Na adolescência, ele integrou grupos ao lado de Lô Borges. Foi quando eles começaram a compor “Feira Moderna”, que contou ainda com o letrista Fernando Brant. A música foi levada ao palco pelo grupo Som Imaginário – do qual faziam parte Wagner Tiso e Tavito – no V Festival Internacional da Canção, em 1970, e marcou a estreia do jovem trio de compositores mineiros no ofício. Estavam ali as bases do movimento que ficaria conhecida como Clube da Esquina. E Beto Guedes a regravou em 1978.

“Paisagem da Janela” (clube da esquina, 1972) – Lô Borges e Fernando Brant
“Quando escutei o disco ‘Clube da Esquina’ pela primeira vez, eu estava na casa de um primo que era um ano mais velho e tinha uma loja de discos. Eu tinha 12 anos, e o álbum tinha acabado de sair, ainda nem tocava nas rádios. Ouvimos os dois lados de uma só tacada”, recorda. “Foi uma experiência que abriu a minha cabeça, não só musicalmente, mas em termos de atitude. O som era muito original e trazia algo do interior de um Brasil que estava muito acostumado ao eixo Rio-São Paulo e Bahia. E aí, Minas Gerais chegou com essa força”. O depoimento é do escritor Paulo Thiago de Mello, que lançou um livro inspirado nesse álbum que trazia, entre outras, “Paisagem da Janela”, música de Lô Borges e Fernando Brant, que se tornou um grande hit da MPB.

“O Trem Azul” (clube da esquina, 1972) – Lô Borges e Ronaldo Bastos
“A música tem um poder de transformação que começa a se dar dentro dos autores. O meu dia fica muito melhor quando eu faço uma música. E eu gosto de ter bons dias na minha vida. Como diz o Ronaldo Bastos, quero manter a fé cega e a faca amolada”, afirma Lô Borges. Aliás, foi com Ronaldo que ele compôs um dos maiores sucessos da sua carreira – para muitos, o maior – a música “O Trem Azul”. Lançada em 1972, no histórico disco do Clube da Esquina, ela se apegou definitivamente à trajetória dos autores. A letra faz referência a uma figura costumeira para os mineiros: o trem. Já o azul que segue no título também acabou sendo associado ao Cruzeiro, time de coração de Lô, embora não fosse esta a intenção inicial da dupla de talentosos autores.

“Tudo Que Você Podia Ser” (clube da esquina, 1972) – Lô Borges e Márcio Borges
Eventos de grandes proporções são, modernamente, chamados de hecatombes, de que são exemplos alguns desastres naturais, como furacões, enchentes e terremotos. Na origem, a palavra se referia a um sacrifício de centenas de animais oferecidos aos deuses na Grécia Antiga. Mas é no primeiro sentido e positivamente que Lô Borges a utiliza para definir o Clube da Esquina, movimento do qual ele foi um dos pilares, ao lado de Milton Nascimento. “Na época, o que aconteceu foi uma hecatombe. E milhões de pessoas nos adoram até hoje. A obra que a gente fez vem passando de geração para geração”, afirma Lô.

A constatação encontra eco nos trabalhos de uma geração vindoura. E tudo teve início quando o próprio Lô era ainda uma promessa da música brasileira. Aos 20 anos, ele foi bancado por Bituca, que bateu de frente com executivos do ramo. “A ideia de um disco duplo e com um ilustre desconhecido como eu não foi bem aceita, mas aí o Bituca ameaçou oferecer o disco para outra gravadora, e eles tiveram que me engolir para não perdê-lo”, rememora Lô. No álbum estava “Tudo Que Você Podia Ser”, parceria de Lô com Márcio Borges.

“Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” (clube da esquina, 1972) – Lô Borges e Márcio Borges
“Geralmente quando estou muito triste não componho porque evito sentir tristeza e a composição traz a tona os sentimentos”, admite Mallu Magalhães. Atualmente, a autora de sucessos como “Velha e Louca” e “Tchubaruba” vive em Portugal com o marido, o também músico Marcelo Camelo (ex-Los Hermanos), produtor de seu último disco. “Sim, vejo uma leveza na minha composição, uma ausência de agressividade e vejo que trabalho, geralmente, com um ânimo mais contemplativo, uma intenção de compreender e ver beleza na vida, com alguma melancolia”, afiança. O início de tudo dá outra pista preciosa. “A primeira música que me lembro de cantar é ‘Um Girassol da Cor de Seu Cabelo’ (de Lô Borges e Márcio Borges) na gravação feita pelo Milton Nascimento. Também cantava muito ‘O Leãozinho’ do Caetano”, entrega Mallu.

“Nuvem Cigana” (clube da esquina, 1972) – Lô Borges e Ronaldo Bastos
Nascido em Recife em 1950, Cafi estudou gravura e pintura na Escolinha de Arte do Brasil. Após se mudar para o Rio, ainda na adolescência, começou a pintar cenas do Nordeste. O interesse pela fotografia surgiu depois receber de presente das irmãs uma câmera, para que fotografasse seus quadros. Cafi também foi um dos fundadores do coletivo “Nuvem Cigana”, que renovou a poesia nos anos 1970. Cafi é autor da histórica capa do LP “Clube da Esquina”. No repertório, aparece “Nuvem Cigana”, parceria de Lô Borges e Ronaldo Bastos, que já utilizava, no título, o nome do coletivo de poesia revolucionária.

“Vento de Maio” (clube da esquina, 1979) – Márcio Borges e Telo Borges
Não é preciso muito para compreender que Elis Regina (1945-1982) é a maior cantora brasileira de todos os tempos: basta ouvi-la. Nascida em Porto Alegre, a gaúcha morreu aos 36 anos, vítima de uma overdose de álcool e cocaína. O disco “Tom & Elis”, de 1974, é considerado pelo crítico musical Hugo Sukman como “uma homenagem da nossa maior cantora ao nosso maior compositor”. Em 2020, a baiana Illy lançou o álbum “Te Adorando Pelo Avesso”, homenagem a Elis, que, em fins da década de 1970, apresentou ao Brasil a música “Vento de Maio”, parceria de Márcio Borges e Telo Borges, que contou com os vocais de Lô na emocionante faixa, e já entrou para a história da MPB.

“Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” (MPB, 2003) – Lô Borges e Márcio Borges
Na opinião de Márcio Borges, o interesse contínuo pela música gerada por garotos que eram fãs de Beatles e uniram referências da tradição barroca à bossa nova tem a ver com o próprio reconhecimento internacional que o Clube da Esquina conquistou. “Foi um acontecimento que influenciou a música popular do mundo todo. A influência da obra de Milton e seus parceiros para os compositores de jazz americanos e europeus e para a música latino-americana é incomparável”, assegura Borges. Em 2003, ele compôs com o irmão Lô Borges a balada romântica “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, nos moldes do Clube da Esquina, lançada por Milton Nascimento no revigorante disco “Pietá”.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]