Literatura: Rubem Braga

“Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.” Rubem Braga

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Um senhor que recebe a admiração de Millôr Fernandes e o gracejo de Vinicius de Moraes merece certo respeito. A alcunha senhoril lhe cabe, afinal Rubem Braga estaria completando cem anos, de acordo com o registro de nascimento, datado de 12 de janeiro de 1913. Não bastasse o óbvio, o escritor, que sempre se utilizou do simples para dar vida ao inesgotável campo da fábula real, definia-se, desde cedo, como o “velho Braga”.

“Sou um homem sozinho, numa noite quieta, junto de folhagens úmidas, bebendo gravemente em honra de muitas pessoas”, avisou na crônica intitulada ‘Natal’. Para celebrar a efeméride, livros inéditos, relançamentos e leitura de textos na internet. A Record repõe no mercado, em março, ‘200 crônicas escolhidas’. No mesmo mês e pela mesma editora, será lançado ‘Rubem Braga – O Lavrador de Ipanema’, organizador por Leusa Araújo e Januária Alves.

AMBIENTALISTA
As duas jornalistas resolveram enfocar o lado ‘ambientalista’ de Rubem Braga, com a seleção de 14 crônicas em que denota-se o seu “amor à natureza”, do período de1930 a 1980. Leusa revela que, com a ajuda do paisagista Burle Marx e do amigo jardinista José Zanine Caldas, o autor plantou, no alto do edifício em que morava, na rua Barão da Torre, Ipanema, um “sem número de plantas e árvores frutíferas, como pitangueiras, goiabeiras, e até mangueirinha cartola!”.

Januária relembra que embora Rubem tenha se descrito como “um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever”, empreendeu, desde a chegada à capital carioca, “espécie de ‘resistência humilde’ diante do enorme poder destruidor dos homens sobre a natureza”. Segundo ela, tratava-se de “pioneira atitude do lavrador urbano, hoje tão valorizada por ambientalistas”.

TÍMIDO
Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, berço de Roberto Carlos e Sérgio Sampaio, o “maior cronista brasileiro”, nas palavras de bem entendidos, deixou registrado que, “até mesmo uma ordem para São Pedro não deixá-lo entrar no céu” seria abandonada ao saber de sua origem, a qual faria vir à tona em voz baixa, como de costume. Augusto Massi, organizador de ‘Retratos Parisienses’, testemunha sobre o caráter introspectivo de Rubem.

“Ele se demonstra um repórter tímido, obrigado pela profissão a entrevistar grandes personagens da vida cultural europeia”. O lançamento da José Olympio abriga 31 crônicas, escritas entre 1949 e 1952, quando o autor se encontrou, na Europa, com Jean-Paul Sartre, Henri Matisse e outros. “Na entrevista com Picasso ele se afirma o ‘pior jornalista do mundo’, para depois nos presentear com uma saborosa e precisa crônica, disfarçada de entrevista”, conta.

CAVALEIRO
Rubem Braga tirou o diploma de advocacia em 1932, na capital mineira. Antes de chegar a Belo Horizonte, para trabalhar como repórter nos ‘Diários Associados’, cobrindo a Revolução Constitucionalista, passou um tempo entre Niterói e Rio de Janeiro. Os feitos na terra de Juscelino Kubitschek (natural de Diamantina), a quem conheceu, não foram poucos. Além de se casar com Zora Seljan, mãe do único filho, travou contato com um grupo “nada fácil” de escritores.

Elvia Bezerra, coordenadora do acervo de literatura do Instituto Moreira Salles, publicou texto, no blog da instituição, com o título ‘Bom mesmo é vadiar’ em que discorre sobre a relação de amizade entre Rubem e “os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse” como batizou Otto Lara Resende, ao qual se juntavam, nesse grupo, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino. Mais tarde, em 1968, Braga fundou, com Sabino e Otto, a editora Sabiá.

INTERNACIONAL
A editora foi pioneira em trazer, para o Brasil, textos de Gabriel García Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges. Augusto Massi enfatiza a postura vanguardista do cronista. “É visível sua abertura para a pintura moderna, o jazz de Duke Ellington, a poesia de Eugenio Montale. Ele preferia Matisse a Chagall. Tinha um olhar depurado e crítico”. A aferida perspicácia pode ser conferida em áudio, com a leitura de textos do autor, disponíveis no site do IMS.

Correspondente de guerra do ‘Diário Carioca’, no país da capital romana, lá escreveu, em 1945, ‘Com a FEB na Itália’. Acumulou experiência internacional ao tornar-se Embaixador do Brasil no Marrocos, em 1961. Intérprete atento da vida humana, em sentidos vários, aventurou-se no campo infantil, com o lançamento de ‘O Menino e o Tuim’, que volta ao catálogo entre fevereiro e março, pela editora Galera. Outro relançamento é “Na cobertura de Rubem Braga” de José Castello, editora José Olympio.

ESTILO
Conta-se, à boca grande, que Rubem Braga reuniu os amigos – Moacyr Werneck de Castro, Otto Lara Resende e Edvaldo Pacote – em sua cobertura, no dia 17 de dezembro de 1990, dois dias antes de morrer, para beber uísque e trocar amenidades. Era a tácita despedida, que ocorreria num quarto de hospital solitário, vitimado por tumor na laringe que preferiu não tratar. Os mais próximos compreenderam.

Sobre o estilo característico do autor de ‘Ai de ti, Copacabana’, vertida por Torquato Neto em ‘Ai de mim, Copacabana’, na canção tropicalista cantada por Caetano Veloso, Leusa Araújo reitera a mestria do autor em “escrever verdades universais como se fossem coisas passageiras e sem importância. Já o próprio, considerou, ao descrever um pavão: “este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade”.

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Raphael Vidigal

Publicado no jornal “Hoje em Dia” em 12/01/2013.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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