Leopoldina nos chama de volta às raízes com o álbum “Semente Crioula”

*por Raphael Vidigal Aroeira

“que ele come grão de cevada
e segue com o alento da semente
o sol como um olho de ouro
entre a nuvem negra e a montanha” Ezra Pound

Leopoldina pinta e borda em seu novo disco. Literalmente. A capa e todo o encarte de “Semente Crioula”, lançado nesta quinta (25), são adornados com as sensíveis pinturas da artista. A mesma sensibilidade perpassa as 12 canções autorais que Leopoldina apresenta, sozinha ou com parceiros como Di Souza, Henrique Vilela, Iaiá Drummond, Renato Negrão, Rafael José, Pedro Thiago e a habilidade de uma bordadeira. A voz aparece precisa, suave, traços da personalidade artística da cantora. E Leopoldina inova e surpreende sem se distanciar de suas convicções, mas, aqui, ela abre o leque a mundos amplos.

Parte de “Amor de Nanã” e os tambores da África que se conectam a percussões latino-americanas. É um chamado à ancestralidade, já conhecido, prenhe de delicadeza. “Girassóis” logo coloca um elemento novo na jogada. Uma canção romântica, de tempero pop. “Sanfoneira” não deixa dúvidas. O trabalho vai se pautar pela diversidade, com um vasto cardápio. Agora é a vez do Nordeste, do Norte de Minas, do Brasil com seus retirantes e retirados. Conta uma história de amores e passagens. E se infiltra feito água no coração. A voz sofrida que ecoa ao final comove. E chega a dolente “No Nosso Tapete”.

“Folia de Reis Para Deus Menino” invoca a religiosidade e as tradicionais festanças do interior mineiro. Leopoldina acerta na poesia. “Pra Tu” provoca uma mudança de expectativa dentro da própria melodia, como se acompanhasse o ritmo das relações humanas. Uma montanha-russa com MPB, baião, salsa e maracatu. Os instrumentos de sopro se destacam. A prosa da faixa-título se encontra no passo da moda de viola. Tudo que Leopoldina quer dizer está ali, explícito. Ela nos chama de volta às raízes e, mais do que isto, à essência, ao sentido primário das coisas que perdemos com a distorção.

O disco cresce a partir de “Orvalho”, uma autêntica balada na linhagem de Adriana Calcanhotto, em sua contenção na medida do sentimento de dor e perda. Consciente, controlada, dona da dramatização. Poderia ser um bolero. E permanece alto com o delicioso xote “O Que Eu Tenho Pra Te Dar”. A pintura de Leopoldina ilustra melhor do que tudo a cena: uma rede está sobre as flores. O samba de roda “Morena Faceira” reafirma a força do encontro entre duas compositoras competentes. E, mais uma vez, o ouvinte se percebe envolvido. “Bate o pé, roda saia, gira girando/ Morena faceira brincou de amar”.

O frevo meio axé “Sem Você” segue a trilha antes do encerramento com “Cadê Teus Olhos”, que se pretende uma cantiga popular, até pela citação a “Peixe Vivo”, a música predileta de Juscelino Kubistchek. Quem quiser conhecer Leopoldina, basta ouvir “Semente Crioula”. Ela está toda ali. E múltipla.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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