*por Raphael Vidigal
“Seja lá como for, o fato é que somos pintores na vida real e que a coisa mais importante é que respiremos o mais fundo que pudermos.” Van Gogh
Lula está sentado na cama de sua cela lendo um livro e alguém lhe avisa que chegou visita. Quem entra em cena é o personagem João Ferrador que, ao fim do encontro, repete o seu conhecido bordão “Hoje eu não tou bom!”, fazendo jus à fama de mau humorado.
Essa carta em forma de tirinha foi enviada por Laerte a Lula em maio de 2019, quando a histórica greve de 1979 no ACB paulista, liderada pelo ex-presidente, completou 40 anos. Ao mesmo tempo, serviu como homenagem ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, berço político de Lula, que comemorou 60 anos de existência.
João Ferrador foi criado por Laerte para o jornal Tribuna Metalúrgica, da qual se tornou mascote. O sucesso da personagem a levou a ilustrar panfletos, camisetas e faixas. Em 1980, Lula seria preso pela ditadura militar, num esforço para conter as greves.
Às vésperas de julgamentos no Supremo Tribunal Federal que poderiam resultar na libertação do líder petista, Laerte voltou a se posicionar sobre o assunto. “A situação do Lula é um escândalo político para qualquer pessoa sensata, e assim é percebida no mundo inteiro. Sua libertação e a anulação da sentença devem ser um objetivo geral, na luta pela garantia da democracia no Brasil”, declarou a cartunista, à época. Lula seria solto em novembro, após 580 dias preso.
Decorridos quase dois anos, o ex-presidente teve todas as suas sentenças anuladas e o ex-juiz Sergio Moro, responsável por julgá-lo, foi considerado parcial pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. A parcialidade do antigo Ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro começou a ser questionada após uma série de denúncias divulgadas pelo site The Intercept, que ficou conhecida como Vaza Jato. “Pessoalmente, acho que deve se seguir uma investigação a fundo sobre a atuação de Sergio Moro e de várias pessoas ligadas à (operação) Lava Jato”, observa Laerte.
Atualmente, Lula lidera as pesquisas pela corrida presidencial de 2022, a exemplo do que acontecia em 2018, quando ele teve a sua prisão decretada. Laerte, que acaba de completar 70 anos, foi quem desenhou a capa do disco “Planeta Fome”, de Elza Soares, que tocava em temas sensíveis da política e da sociedade brasileira, e diz que se sentiu “desbundada e feliz”. A arte agradou à anfitriã. “Merecia um prêmio”, reivindica Elza.
“Procurei reunir imagens sugeridas ou evocadas pelas letras das canções. Até uma desentendida como eu sabe da grandeza da Elza dentro da cultura brasileira”, avalia Laerte, que teve como referência outras capas desenhadas por cartunistas e quadrinistas, como a de Robert Crumb para o disco “Cheap Thrills” (1968), da banda Big Brother and the Holding Company.
Foto: Cláudia Ferreira/Divulgação.