Jorge Ben Jor criou estilo único e foi gravado de Elza Soares a Caetano

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Esse samba
Que é misto de maracatu
É samba de preto velho
Samba de preto tu” Jorge Ben

Jorge Duílio Lima Meneses, o popular Jorge Ben Jor, nasceu no dia 22 de março de 1939, no Rio de Janeiro, e provocou uma verdadeira revolução na música brasileira ao surgir, em 1963, com o disco “Samba Esquema Novo”, que apresentava a todo o país a sua maneira particular de cantar e tocar ao violão. O estilo único de Jorge Ben Jor rendeu ao Brasil músicas de sucesso como “País Tropical”, “Que Maravilha”, “Mas Que Nada”, “O Telefone Tocou Novamente”, “Charles Anjo 45”, entre tantas outras. E ele também realizou duetos de sucesso com Caetano Veloso, Tim Maia, Gilberto Gil, Ivete Sangalo.

“Mas Que Nada” (samba-rock, 1963) – Jorge Ben Jor
Um balanço ritmado por cuíca e guitarra. Nos embalos de sábado à noite e nas manhãs de Carnaval nasceu, na periferia de São Paulo, uma dança trazida ao gosto popular por Jorge Ben, garoto do Beco das Garrafas que, na metade da década de 60, mostrou ao mundo o seu “sacundin sacunden”. Virou samba-rock a adesão de batidas elétricas a temas acústicos e universos distintos, como a bossa de João Gilberto e o canto falado do blues, a partir de histórias simples, cantadas com entusiasmo. “Mas Que Nada”, foi lançado num compacto simples de 1963, o primeiro de Jorge Ben, e dava o gosto da mistura que o artista iria experimentar, através dos versos “esse samba que é feito de maracatu/ samba de preto velho, samba de preto tu…”.

“Chove Chuva” (samba-rock, 1963) – Jorge Benjor
Foi no consagrador álbum de 1963, “Samba Esquema Novo”, que Jorge Benjor lançou o estilo que parte da mídia definiu como “samba-rock” ou “sambalanço”, batismo que o próprio pai da cria jamais confirmou. Independente da nomenclatura, “Chove, Chuva” é parte deste disco e possui todos os elementos básicos da música mais autêntica de Jorge Ben. O enredo aparentemente simples narra um pedido, no qual se incute uma declaração de amor.

É aquela cena clássica dos filmes de Hollywood, que algumas películas tupiniquins também mostraram. Quando a chuva arrefece ou mesmo incendeia o encontro do casal. Neste caso, Jorge Benjor não quer mais “chuva ruim”, que bem pode ser entendia como uma metáfora de desentendimentos na relação. A chuva novamente aparece como uma imagem simbólica, representativa da força da natureza e da interferência na vida do homem. É bom nos atentar para isto.

“País Tropical” (samba-rock, 1969) – Jorge Ben Jor
No clima entusiasmado que marca o Carnaval, Jorge Ben compôs uma de suas canções mais populares, mas, na época, a sua felicidade estava ligada ao futebol. Foi para comemorar uma vitória do Flamengo que ele ligou para a namorada, Tereza, que também aparece na letra, e começou a ensaiar os versos da canção que se tornou uma espécie de emblema nacional. A música “País Tropical” foi lançada no ano de 1969, pelo próprio Jorge Ben Jor, e mereceu regravações de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, além de uma das mais famosas, a de Wilson Simonal. O Carnaval é referido logo no início da letra: “Em fevereiro/ Tem Carnaval/ Tenho um fusca e um violão/ Sou Flamengo/ Tenho uma nega chamada Tereza…”, canta Ben Jor, cheio de vigor.

“Cadê, Teresa?” (samba-rock, 1969) – Jorge Ben Jor
A batida inventada por Jorge Benjor atingiu seu auge num dos melhores e mais populares álbuns de sua carreira. Lançado em 1969, o disco em que era acompanhado pelo Trio Mocotó trouxe vários sucessos, entre eles “Cadê, Teresa?”, música que traça uma história de amor, tendo como pano de fundo o samba do morro. “Cadê, Teresa? Onde anda minha Teresa? Teresa foi ao samba lá no morro e não me avisou, será que arrumou outro crioulo, pois ainda não voltou…”. Esta música seria regravada pelo grupo Os Originais do Samba.

“Que Maravilha” (samba-rock, 1969) – Jorge Ben Jor e Toquinho
Habituado a compor sozinho, sempre a bordo de seu violão inconfundível, Jorge Ben Jor abriu alas para Toquinho em 1969, com quem compôs a irresistível “Que Maravilha”, mais uma canção de temática amorosa e versos simples, bem a seu estilo, com quem Toquinho contribuiu com a suavidade e categoria de sempre. A canção se tornou o cartão de visitas de Elza Soares quando, fugindo da ditadura militar no Brasil, ela se mudou com o então marido Garrincha para a Itália e fixou residência em Roma. Lá, se encontrou com outro casal ilustre, com quem logo se enturmaram: Chico Buarque e Marieta Severo.

“Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)” (samba-rock, 1969) – Jorge Ben Jor
Gal Costa fez um enorme sucesso ao gravar, em 1969, ao lado de Caetano Veloso, a música “Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)”, no disco em que afiava as unhas para defender os amigos exilados das garras da ditadura militar. A intérprete hasteava cada vez mais a bandeira da Tropicália com as ausências no país de Gilberto Gil e Caetano Veloso, irmanando-se com Jards Macalé, Tom Zé e outros rebeldes. “Que Pena” era mais uma canção de sucesso da lavra de Jorge Ben Jor, que conquistava o país a cada lançamento.

“Charles, Anjo 45” (samba-rock, 1969) – Jorge Ben Jor
“Charles, Anjo 45” denota a clara influência do blues americano no modo de contar uma história musical, falando as palavras. Na letra, Jorge Ben enaltece as qualidades de um morador do morro que acabou preso, mas que voltará para rever os amigos, saudosos de seu “Robin Hood… rei da malandragem, protetor dos fracos e oprimidos”. O tom de tristeza e indignação é ressaltado também na gravação de Caetano Veloso, com quem faria um importante dueto.

“Negro É Lindo” (samba-rock, 1971) – Jorge Ben Jor
Jorge Benjor esbanjava sincretismo no álbum “A Tábua de Esmeralda”, um marco da cultura nacional, lançado em 1974. Três anos antes, porém, a posição de orgulho da raça se fazia enxergar no título do álbum de 1971, “Negro é Lindo”. Samba-rock bem ao caráter do compositor, que infundiu uma marca única e indissociável no nosso cancioneiro, tratado por muitos como revolucionário, a canção prega bem os valores de Jorge. Com seu habitual sotaque, sua inconfundível dicção e o ritmo próprio do violão, Jorge Benjor afirma sem meias palavras as qualidades da sua cor, e lança um aviso aos preconceituosos: “Negro é lindo/Negro é amor/Negro também é Filho de Deus”.

“Fio Maravilha” (samba-rock, 1972) – Jorge Ben Jor
Jorge Benjor é talvez o compositor brasileiro que mais escreveu sobre futebol. Porém, entre seus inúmeros sucessos no tema o maior deles é, sem dúvida, “Fio Maravilha”, lançado pela mineira Maria Alcina no Festival da Canção da TV Globo em 1972. A interpretação esfuziante de Alcina e os versos simples e bem harmonizados ao ritmo por Benjor certamente contribuíram para o êxito. Outro fato importante relacionado à música é a polêmica envolvendo o homenageado.

João Batista de Sales, o Fio Maravilha, atacante do Flamengo famoso pela aparência exótica e por marcar gols esquisitos, acionou o compositor na Justiça exigindo o pagamento de direitos autorais pelo uso do apelido, o que levou Benjor a cantar “Filho” em versões posteriores. Fio acabou voltando atrás e permitindo que Jorge cantasse a música como no original. Mas o que ficou pra história, sobretudo, é o grito de gol dos fãs e da torcida brasileira.

“Taj Mahal” (samba-rock, 1972) – Jorge Ben Jor
Em 1979, uma matéria dramatizada pelo Fantástico apresentava um caso impressionante, capaz de abalar as estruturas da música brasileira. Rod Stewart, um dos principais cantores do mundo, havia plagiado “Taj Mahal”, samba-rock lançado por Jorge Ben Jor em 1972, com enorme sucesso. A música do inglês atendia pelo nome de “Da Ya Think I’m Sexy” e trazia um refrão idêntico.

Diante da repercussão do caso, Rod Stewart decidiu fazer um acordo extrajudicial com Jorge Ben, em que admitia o “plágio inconsciente”. Décadas depois, Jorge Ben voltou a acusar os rappers americanos do trio Black Eyed Peas de realizarem samples de suas músicas sem sua autorização. Ironicamente, o bluesman que atende pelo nome de Taj Mahal fez uma música chamada “Jorge Ben”, usando a mesma melodia de “Taj Mahal”, no ano 1979.

“O Circo Chegou” (sambalanço, 1972) – Jorge Ben Jor
Jorge Ben Jor foi um verdadeiro aparecimento na música brasileira, que provocou rebuliços dos mais variados. Gilberto Gil cogitou, inclusive, abandonar a carreira, já que não havia mais nada a contribuir após Ben Jor. O seu estilo único, inconfundível, posteriormente batizado de sambalanço e samba-rock, e que dá o tom de “O Circo Chegou”, faixa editada no LP de 1972, aquele que trouxe sucessos do porte de “Fio Maravilha”, interpretada visceralmente por Maria Alcina no Festival Internacional da Canção, e “Taj Mahal”, onde ele revisitava, a seu modo, a história do mausoléu construído na Índia, considerado uma das sete maravilhas do mundo moderno. O circo de Jorge Ben Jor não é menos inventivo: “Tem um macaco cientista/ Um urubu que toca flauta e violão/ Uma orquestra de sapo/ A cabra ciclista/ A girafa seresteira/ Tem um anão gigante”, desfia o cantor.

“O Vendedor de Bananas” (samba-rock, 1973) – Jorge Ben Jor
Jorge Benjor é um dos maiores inovadores da música brasileira. Tanto que até hoje rejeita o rótulo “samba-rock” para suas composições. É algo indefinível, sem preço, em que não é possível colocar nenhuma tarja definitiva e limitadora. “O vendedor de bananas”, outra dessas inestimáveis peças, ela foi lançada em 1973 por seu autor. Nela um menino, humilde vendedor de bananas, exalta a riqueza e diversidade da fruta símbolo do Brasil, demonstrando orgulho e não mais vergonha desta que foi a expressão, para muitos e durante anos, da pobreza do país. Pois “a preço de banana” pode ter outra conotação quando é dita, encenada e cantada por Jorge Ben. Foi regravada pelo grupo Os Incríveis e Ney Matogrosso.

“Os Alquimistas Estão Chegando” (samba-rock, 1974) – Jorge Ben Jor
Se Jorge Ben Jor já apareceu causando barulho, não foi diferente com “A Tábua de Esmeralda”, álbum cultuado até hoje por especialistas e fãs de carteirinha do músico. De fato, na discografia de Benjor, esse álbum tem lugar de destaque, tanto pelas composições quanto pelo conceito estético que o guiou, e que aparece, inclusive, na capa, entre figuras medievais e o sincretismo religioso. Uma das faixas que se destacaram nesse trabalho foi, justamente, “Os Alquimistas Estão Chegando”, em que Benjor desfia sua verve.

“Xica da Silva” (samba-rock, 1976) – Jorge Ben Jor
Carnavalesco de primeira linha e horas a fio, Monsueto era também um grande intérprete, e foi o responsável por cantar na avenida o samba enredo do Salgueiro no ano de 1963, o histórico e inesquecível “Chica da Silva”, de autoria de Anescar do Salgueiro e Noel Rosa de Oliveira. A letra revive a trajetória de uma das mais simbólicas personagens do Brasil, a escrava mineira Chica da Silva, natural do Serro e que viveu em Diamantina, alforriada após se casar e ter treze filhos com o rico contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Chica aparece em outras letras do cancioneiro brasileiro, como, por exemplo, na música de Jorge Ben Jor, lançada no ano de 1976: “Xica da Silva”.

“Ive Brussel” (samba-rock, 1979) – Jorge Ben Jor
Na capa do disco “Salve Simpatia”, um sorridente Jorge Ben Jor aparece abraçado por uma mulher, mas não se trata de Ive Brussel, a musa da canção homônima que ganhou uma gravação em 1979, num dueto memorável com Caetano Veloso. A homenageada foi uma belga que hospedou o cantor enquanto ele esteve em Bruxelas, durante uma turnê. Outra história curiosa é contada por Gilberto Gil, que confessou ao amigo Caetano que, após o aparecimento de Benjor, quis desistir da música. Achava que tudo já havia sido feito e nada mais havia a acrescentar entre Benjor e o ídolo João Gilberto. Felizmente, Gil não cumpriu a promessa e legou clássicos à música brasileira.

“Todo Dia Era Dia de Índio” (samba-rock, 1981) – Jorge Ben Jor
Um dos principais estouros da carreira-solo da exuberante Baby do Brasil foi a música “Todo dia era dia de índio”, inicialmente intitulada “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar”, mas cujo refrão se fez mais forte e teve novo batismo na boca do povo. Composta por Jorge Benjor, e lançada em 1981, esse samba rock possui todos os elementos típicos da música do carioca que começou a carreira no famoso “Beco das Garrafas”. Porém, alia à marcante batida do violão e à simplicidade dos versos, a temática socioambiental, denunciando a violência contra os índios e a natureza que eles tanto cultivam.

“Natal Brasileiro” (samba-rock, 1986) – Jorge Ben Jor
Embora a tradição da canção natalina não seja tão popular como em países europeus e, principalmente, nos Estados Unidos, onde Frank Sinatra, Elvis Presley e Lady Gaga gravaram discos inteiros dedicados ao Natal, e o Carnaval e as comemorações juninas permaneçam como as festas que o brasileiro mais canta e celebra dançando, nossos compositores não se furtaram em poetizar a data em momentos esparsos de suas discografias. É o caso, por exemplo, de Jorge Benjor, que não deixa de ser Jorge Ben, como ele ainda assinava na época, nem ao cantar sobre o Natal. O balanço conhecido do artista e sua habitual batida de violão determinam o ritmo de “Natal Brasileiro”, samba-rock lançado em 1986, com o subtítulo “Que Natal É Esse?”.

“Cabelo” (samba-rock, 1989) – Jorge Ben Jor e Arnaldo Antunes
A aptidão para encontros musicais de Arnaldo Antunes começou a se expressar quando ele ainda integrava os Titãs. Em 1989, fazendo parte do grupo paulista, Arnaldo criou parceria com Jorge Ben Jor, que seria lançada no disco “Benjor”, de 1989. “Cabelo” foi um estouro imediato e logo chamou a atenção de Gal Costa, que a regravou no ano seguinte, no LP “Plural”. Em 2010, Arnaldo e Jorge Ben Jor realizaram um inédito dueto da canção, no álbum “Ao Vivo Lá Em Casa”, que gerou CD e DVD. Com versos aparentemente simples, a letra abrange questões amplas, que vão do racismo ao existencialismo. “Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada/ Quem disse que cabelo não sente/ Quem disse que cabelo não gosta de pente/ Cabelo quando cresce é tempo/ Cabelo embaraçado é vento”, conceitua o samba-rock.

“W/Brasil [Chama o Síndico]” (samba-rock, 1990) – Jorge Ben Jor
Em 1989, Jorge Ben alterou o seu nome artístico para Jorge Benjor. Algumas especulações como a numerologia e a carreira internacional do artista, que não queria ser confundido com o músico norte-americano George Benson, foram levantadas. Certo é que, no ano seguinte, ele lançou uma música que seria um estouro nas pistas de dança. “W/Brasil” fazia uma brincadeira com uma famosa agência de publicidade brasileira, e aproveitava a deixa para prestigiar o amigo de Jorge Ben Jor, o irrequieto Tim Maia, conhecido como “Síndico” da canção brasileira. No meio desse carrossel musical, o compositor resolve falar de surfe. Estreando nas Olimpíadas, o surfe foi uma das esperanças de medalha do Brasil em Tóquio, com as presenças de Gabriel Medina e de Ítalo Ferreira.

“O Nome do Rei É Pelé” (samba-rock, 2004) – Jorge Ben Jor
Aficionado por futebol, Jorge Ben Jor deixou a paixão explícita em composições que saúdam o Flamengo, seu time de coração. A torcida pela Seleção Brasileira não fica de lado e, em 2004, ele saudou, com todas as honras, o maior jogador de todos os tempos, com o samba rock “O Nome do Rei é Pelé”. A letra é um verdadeiro compêndio da obra que o Atleta do Século escreveu com os pés, e remonta, inclusive, ao pai e à mãe do craque, Dondinho e Celeste. “Com a realeza de fazer 1.281 gols lindos/ De cabeça, de virada, de balãozinho, de bate pronto, de bicicleta, de carrinho, de letra, de peito, de peixinho, de falta, de pênalti e nos incríveis gols de placa/ E no bendito milésimo gol”, entoa Jorge Ben Jor.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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