João Paulo Vale: “A fotografia é um exercício de observação constante”

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra
Tornado outra vez menino.” Fernando Pessoa [Alberto Caeiro]

Há alguns anos, numa tarde de domingo, João Paulo Vale, 38, registrou “dois garis jogando futebol com um coco vazio, lá na Praça do Papa”, em Belo Horizonte. “É o tipo de coisa que só é possível registrar explorando os lugares. A fotografia urbana celebra toda a diversidade do cotidiano. Desafia qualquer padrão estético e convencional, e nos conecta com tudo que está ao nosso redor”, garante João Paulo.

1 – Qual a sua primeira lembrança ligada à fotografia? Há uma imagem de alguma fotografia que tenha te marcado e, posteriormente, despertado o desejo de trabalhar com isso?
Não consigo me lembrar de uma imagem ou razão específica que tenha despertado meu interesse na área. Entretanto, lembro que em vários estágios da minha vida, sempre explorei a fotografia. Recordo que, quando criança, gostava de pegar uma câmera que tinha em casa, dessas Point And Shoot, e ficar elaborando composições com os brinquedos que tinha, nos mais variados cenários, para fotografá-los. Mesmo sem filme na máquina. Essa câmera fez parte de toda minha infância e, praticamente, todos os registros que tenho daquela época foram feitos com ela, uma Olympus Rainbow MD-35, que hoje faz parte da decoração da minha casa, embora ela ainda funcione.

2 – Como e quando começou a sua relação com a fotografia e quais são, na sua opinião, os principais desafios e incentivos de ser fotógrafo em Belo Horizonte?
Embora tenha ficado alguns bons anos longe de fotografia (e perdido o hype das Cyber-Shots), meu interesse voltou quando comprei uma câmera semi-profissional em 2014. Foi quando toda aquela curiosidade de criança voltou à tona. Desde então, a fotografia virou minha vida. Na época, como já tinha conhecimento técnico sobre manuseio das câmeras, passei a dedicar parte do meu tempo livre estudando a parte teórica, pois queria produzir imagens mais elaboradas.

Como Belo Horizonte não é uma cidade muito grande, fico com a percepção de que tudo que poderia ser fotografado, já foi registrado. Então, aquela sensação de ver algo novo, inédito, parece não existir. Embora veja isso como desafio, também entendo que esse seja o principal incentivo. “Como fazer uma foto desse cenário, já utilizado um milhão de vezes, parecer especial?”. É essa a reflexão que faço quando pego a câmera pra sair registrando a cidade. É um exercício de observação constante, pois BH ainda pode ser explorada de forma extremamente criativa, mesmo nos lugares que já foram fotografados inúmeras vezes por outros profissionais.

3 – O que é essencial que uma fotografia tenha, na sua opinião? Há algum aspecto que você privilegia no seu trabalho? Luz, enquadramento, cenário, posição dos modelos?
Entendo que cada fotografia precisa contar uma história. Apresentar um contexto. Às vezes, uma imagem não segue os critérios técnicos, mas o objeto retratado nela, da forma que é apresentado, já é a arte por si só. Tento passar essa mensagem para todos que me perguntam por onde começar com fotografia. A maioria ainda acha que para fazer boas fotos é preciso uma câmera boa. Na verdade uma coisa não tem relação direta com a outra. O equipamento é apenas o meio que o fotógrafo tem para registrar o que está vendo.

E desenvolver essa visão requer estudo. Por conta disso, nos meus registros, valorizo muito a composição fotográfica, que é a organização dos elementos visuais presentes na imagem. Na minha opinião, ela é a principal responsável por registros singulares e criativos. Uma combinação de timing, planejamento, paciência e sensibilidade. Aperfeiçoar cada vez mais nesse fundamento, me proporciona um controle maior do que quero registrar, pois consigo prever a imagem antes de registrá-la.

4 – Quando você realiza fotografias autorais, que não têm um cliente contratando, o que te interessa fotografar? O que costuma te despertar o desejo de fotografar?
Tenho me interessado cada vez mais por registros urbanos, onde a essência de qualquer lugar pode ser capturada da forma mais crua possível. Alguns dos registros mais interessantes que fiz, ultimamente, foram feitos nas ruas de Belo Horizonte. Tem de tudo! Lembro que há alguns anos, numa tarde de domingo, fiz uma foto de dois Garis jogando futebol com um coco vazio, lá na Praça do Papa. É o tipo de coisa que só é possível registrar explorando os lugares. A fotografia urbana celebra toda a diversidade do cotidiano. Desafia qualquer padrão estético e convencional, e nos conecta com tudo que está ao nosso redor.

5 – As tecnologias virtuais impactaram de alguma forma o seu trabalho? Qual a relevância da fotografia artística e profissional num tempo em que todos “fotografam”?
Entendo que as novas tecnologias podem auxiliar o fotógrafo a produzir melhores imagens. Eu, por exemplo, gosto de usar alguns aplicativos que ajudam a identificar a posição do Sol em determinados horários do dia, com o fim de otimizar o uso de iluminação natural para alguns retratos. Nos últimos anos, tenho me interessado bastante pela astrofotografia, e algumas tecnologias disponíveis ajudam bastante na localização dos astros no céu noturno. Entendo que tecnologia e criatividade podem trabalhar muito bem juntas, desde que uma complemente a outra. Num tempo onde todos são fotógrafos, a relevância da fotografia está na forma em que você conta uma história por meio de uma imagem. E isso envolve muito estudo, prática e dedicação.

6 – Em 2024, o que você pretende fotografar que ainda não fotografou? O que é mais importante de ser “dito/mostrado” através da fotografia nos tempos atuais?
Ainda quero explorar bastante a astrofotografia. Já consegui produzir algumas imagens bem legais com os astros visíveis a olho nu, como o Sol e Lua, por exemplo. Entretanto, o céu noturno oferece algumas possibilidades bem interessantes que ainda quero fotografar. E é com esse mesmo sentimento que ainda desejo aprofundar ainda mais em registros urbanos. O cotidiano é um prato cheio para registrar o mundo sob nossa visão e perspectiva. Ainda tem muita história boa para ser contada. Basta procurarmos por elas.

Foto: Fred Magno

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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