“O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico.” Mario Quintana
O seriado “A Grande Família” completa 40 anos da primeira exibição, em 1972, quando a trama escrita por um time de redatores, que ia de Max Nunes a Paulo Pontes, passando por Oduvaldo Viana Filho (o Vianinha) e Armando Costa, invadiu os televisores nacionais. Com direção de Milton Gonçalves, no primeiro ano, e Paulo Afonso Grisolli, nos seguintes, a atração contou com bela recepção do público, e permaneceu ocupando a grade até 1975.
Os personagens eram os mesmos. Centrada na família Silva, a série descortinava a rotina de Lineu, Nenê, Tuco, Bebel, Seu Flor, Agostinho e Júnior, o único filho do casal suprimido na mais recente versão (em virtude do viés político que tornou o personagem anacrônico com o passar do tempo). Esta iniciou-se em 2001, e trouxe como novidade, claro, a mudança dos atores. Porém a qualidade do elenco manteve-se intacta, inegável trunfo capaz de seduzir crianças, jovens e adultos de variadas idades.
Jorge Dória, Eloísa Mafalda, Osmar Prado, Luiz Armando Queiroz, Djenane Machado, Maria Cristina Nunes, Paulo Araújo e o impagável Brandão Filho nada devem a Marco Nanini, Marieta Severo, Lúcio Mauro Filho, Guta Stresser, Pedro Cardoso e Rogério Cardoso. Nem o contrário. A busca por um elenco refinado, que mesclasse o melhor da comédia contemporânea brasileira a clássicos que dispensam o saber geográfico, garantiu o sucesso, de plateia e crítica, para a velha-nova “Grande Família”.
Ambientada no subúrbio do Rio de Janeiro, a história fictícia, com atrevimento necessário para roçar de leve os assuntos do momento, cria situações propícias para relaxar quem apenas deseje rir, e provocar reflexão em quem se dispuser a tal. A criação de novos personagens, como o Beiçola da pastelaria, vivido por Marcos Oliveira, o Paulão da Regulagem, por Evandro Mesquita, e o Mendonça da repartição, por Tonico Pereira (ator de soberba envergadura cômica), denota não apenas a colagem de adjetivos ao nome – para perpetuar um estilo, uma caricatura, um porte – como a marcação de espaços comuns e ignorados.
Lineu é a defesa do correto, a existência de uma verdade soberana. Nenê acumula a proteção à prole com o bem querer ao próximo, espécie de redenção da altruísta bondade. Tuco é a inquietação, a rebeldia pueril, inócua, pouco eficaz, que não produz mudanças bruscas, nem o tira do lugar de conforto. Apenas um ponto de vista antagônico. Agostinho propõe a inversão de papéis, lugares, debocha, avilta, é o primeiro para quem apontamos o dedo. Percebemos a vitória da malandragem ou achincalhamos, com pedras, o telhado. E esquecemo-nos do nosso vidro, onde refletimos Seu Floriano, e filtramos com saudade e expectativa uma velhice ranzinza. Bebel conduz à fantasia, ao sonho, e a decepção histérica ao depararmo-nos com a realidade.
Há o alfinete de críticos afirmando, sem circunstância, que o programa caiu de nível, perdeu o viço, o ponto. No entanto, a constante ousadia dos envolvidos, inventando e redescobrindo intérpretes para caras escondidas – constam aqui a maquiadora Marilda vivida por Andréa Beltrão, o filho de Agostinho e Bebel, Florianinho, homenagem ao falecido avó da família, por Vinícius Moreno, Fábio Porchat, propagado aos montes na internet, na pele de Júnior, e o retorno da parceria Pedro Cardoso e Luiz Fernando Guimarães, astros de “A Comédia da Vida Privada”, este último como Fontes, político corrupto. Nada mal, hein?
A transposição do seriado para o cinema deu certo. Seguiu a linha do humorístico televisivo, não apelou, nem perdeu-se. Como recompensa ainda obteve bom número de espectadores, tarefa árdua e, até outra época, impossível (desconsiderando-se, claro, tempo mais distante, da inspiradora comédia de costumes, a chanchada, e a discípula depravada, a pornochanchada). Mas o que retifico é: “A Grande Família” continua sendo dos melhores programas de humor, na acepção da palavra, da história brasileira. Em razão da dramaturgia, do texto, dos atores, da lábia com que nos enredam em nossos problemas, questões, angústias, disfarçadas sob a verde grama do vizinho irritante. Pois tome gargalhadas!
Raphael Vidigal
5 Comentários
?Raphael Vidigal….Tome gargalhada!!
Família histórica!
Gosto muito! Gostava ainda mais quando tínhamos O Rogério( Seu Floriano).
“Esta família é muito unida
E também muito ouriçada
Brigam por qualquer razão
Mas acabam pedindo perdão.”
Nós adoramos!! Não queremos que acabe.
o programa da família brasileira