Gabriel Cabral: “Quero uma fotografia que comunique, provoque, instigue”

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Quando seu olhar encontrava a fotografia dela em cima da mesa ou quando ela ia vê-lo, era difícil identificar a figura de carne ou de papel com a perturbação dolorosa e constante que o habitava.” Marcel Proust

Eclético, Gabriel Cabral, 34, mira sua lente para tudo, “das coisas banais e efêmeras às questões existenciais e sociodinâmicas”. “O despertar para um tema está no desejo de compreender”, afiança Cabral. Ele almeja uma fotografia “que comunique, provoque, instigue, contribua com debates relevantes”. Nascido em São Paulo, Cabral se formou em Fotografia, estudou Cinema, e, após experiências com a fotógrafa holandesa Corinne Noordenbos e a brasileira Claudia Jaguaribe, aportou em Belo Horizonte para realizar seu ofício. “Todo meu trabalho é artístico”, enfatiza Cabral, que tem feito experimentos com inteligência artificial. Em 2020, ele criou a editora Sô Edições, dedicada a novos artistas. No rebuliço do Carnaval de BH, em 2019, Cabral produziu a exposição “Encarnar”, com fotografias panorâmicas dos blocos de rua. “No final, é sobre comunicar com potência”, diz Cabral.

1 – Qual a sua primeira lembrança ligada à fotografia? Há uma imagem de alguma fotografia que tenha te marcado e, posteriormente, despertado o desejo de trabalhar com isso?
Não há uma imagem única, mas as imagens no geral me fascinavam. Por exemplo, alguns anos atrás encontrei um antigo jogo com fotografias que meus primos mais velhos jogavam e que eu ficava vendo as cartas que sobravam. Quando reencontrei esse jogo percebi o quanto meu imaginário era influenciado inconscientemente por esse conjunto. Todas essas imagens em que eu mergulhava na infância, de algum modo, vivem muito forte em mim.

2 – Como e quando começou a sua relação com a fotografia e quais são, na sua opinião, os principais desafios e incentivos de ser fotógrafo em Belo Horizonte?
Meu contato constante com a fotografia começa com a chegada da primeira câmera digital na minha família, quando tinha 16 anos. Desde então nunca deixei de ter algum tipo de câmera comigo e de usar essa mídia como um canal para me relacionar com o mundo ao meu redor. Em BH, e no estado como um todo, há uma simpatia própria do povo mineiro que facilita muito a prática da fotografia, como também de contatos comerciais a partir dessa abertura das pessoas. E culturalmente é um território infinito. Mas, em termos de mercado, é consideravelmente mais reduzido que outros polos.

3 – O que é essencial que uma fotografia tenha, na sua opinião? Há algum aspecto que você privilegia no seu trabalho? Luz, enquadramento, cenário, posição dos modelos?
Um aspecto inescapável é o conteúdo que, por vezes, pode ser inclusive a forma com que a imagem é constituída. Mas, essencialmente, busco uma fotografia que comunique, questione, provoque, instigue e contribua com algum debate relevante. Todos outros aspectos formais, como luz, enquadramento, abordagem, etc devem vir à serviço de entregar esse conteúdo no seu máximo impacto para o público com quem mais precisa chegar. No final, é sobre comunicar com potência para uma audiência específica.

4 – De que maneira você procura dar um viés ou tratamento artístico para seu trabalho?
Esse costuma ser um grande dilema, mas não é meu caso. Todo meu trabalho é artístico, o que procuro é abarcar os desejos e expectativas de clientes e parceiros dentro do que eu tenho de melhor para oferecer. Num mundo em que, potencialmente, qualquer pessoa pode criar suas próprias imagens (de variadas formas), não vejo outra alternativa. De outro modo, não sou a melhor pessoa para atender determinada demanda, e tudo bem. Meu foco esta posto integralmente em meu trabalho autoral, o que procuro fazer é com que as pessoas me procurem interessadas pela essência dessas pesquisas artísticas, abordagens e linguagens visuais.

5 – Quando você realiza fotografias autorais, que não têm um cliente contratando, o que te interessa fotografar? O que costuma te despertar o desejo de fotografar?
Sou muito eclético, tudo pode me interessar, das coisas banais e efêmeras, às questões existenciais e sócio dinâmicas. Acho que o despertar para um, ou outro tema, esta num desejo por compreender e elaborar sobre aquilo. Por isso, muitas vezes é um processo que se inicia inconscientemente e que denota muitas outras conexões internas, com meus desejos, sentimentos, emoções e história pessoal. Estar atento a essas manifestações e de fato mergulhar em cada uma dessas investigações é o verdadeiro desafio. Por isso, procuro organizar em coleções essas fotografias para poder pautar os projetos a que vou de fato dedicar tempo.

6 – As tecnologias virtuais impactaram de alguma forma o seu trabalho? Qual a relevância da fotografia artística e profissional num tempo em que todos “fotografam”?
Sou uma cria da fotografia digital, desde sempre exploro o celular como instrumento para as mais diversas etapas do processo criativo e ferramentas como Photoshop são básicas para exploração composição e manipulação. Então esse é um universo muito familiar. No contexto contemporâneo, a fotografia enquanto campo artístico vai continuar pertinente tanto quanto a pintura continua depois da invenção da fotografia. No campo profissional, entretanto, já vivemos quebras de paradigmas com as Inteligências Artificiais. Campanhas publicadas que envolviam uma centena de diferentes profissionais, hoje podem ser realizadas por um, ou dois, por exemplo. Isso não quer dizer que profissionais da imagem estão obsoletos, mas justamente é fundamental saber oferecer algo único e pessoal.

Em relação à uma difusão da fotografia, é algo maravilhoso! Que que essa democratização seja cada vez maior. Mas, enquanto sociedade, é fundamental pensarmos também numa formação visual para um mundo visual. Quer dizer, somos bombardeados por imagens e também criamos volumes imensos diariamente, mas na realidade temos uma sociedade visualmente analfabeta e, em um mundo de fake news, Inteligência Artificial e polarizações, isso é muito perigoso. O que não quer dizer que as pessoas devam seguir regras de “uma boa fotografia”, mas sim que compreenderem uma certa gramática das imagens, ou seja, compreenderem como elas operam. Outro fato muito rico é que hoje podemos observar características muito próprias das pessoas e comunidades de se comunicarem por meio da fotografia. Se fizermos uma associação com a linguagem falada, por exemplo, como seria o sotaque da fotografia mineira? Pesquisar essas características é algo me me fascina.

7 – Em 2024, o que você pretende fotografar que ainda não fotografou? O que é mais importante de ser “dito/mostrado” através da fotografia nos tempos atuais?
Nos últimos dois anos tenho me dedicado quase exclusivamente a pesquisas com Inteligência Artificial, desenvolvendo uma diversidade de projetos em que exploro diferentes aspectos da linguagem fotográfica. Duas perguntas me provocam em especial: quais imagens são possíveis de criar apenas com auxílio dos computadores, e quais apenas eu posso fotografar? Não acredito que haja uma hierarquia geral de temas. Cada autor, cada público e cada contexto impõe suas ofertas e demandas. Pessoalmente, tenho procurado aproximar minha fotografia de um campo do entretenimento, da mesma forma como um filme, ou mesmo um livro. Infelizmente compreendemos a fotografia como um campo limitado ao utilitarismo comercial, ou a denuncia documental. Gostaria de ampliar seus usos e consumos para outros contextos.

Foto: Fred Magno

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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