Emilinha Borba protagonizou rivalidade com Marlene e foi ‘Rainha do Rádio’

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.” Fernando Pessoa

Emília Savana da Silva Borba, mais conhecida como Emilinha Borba, nasceu no dia 31 de agosto de 1923, e morreu no dia 3 de outubro de 2005, aos 82 anos, após sofrer um infarto fulminante. Aos 14 anos, contrariando a vontade da família, ela cantou no programa “Hora Juvenil”, da rádio Cruzeiro do Sul. Também se apresentou no programa de calouros de Ary Barroso, obtendo a nota máxima ao interpretar “O X do Problema”, de Noel Rosa. Carioca do Rio de Janeiro, Emilinha foi uma das principais cantoras da Era de Ouro do Rádio, se consagrando como a Rainha do Rádio em 1953, vencendo as irmãs Batista.

Apelidada de “A Favorita” e de “Garota Grau Dez”, ela protagonizou uma histórica rivalidade, estimulada pela mídia e pelos respectivos fã-clubes, com a cantora Marlene, conhecida como “A Maior”. Porém, desfazendo possíveis brigas além dos palcos, as duas gravaram juntas músicas como “Lata D’Água”, “Eu Já Vi Tudo” e “Abre-Alas”, de Chiquinha Gonzaga, quando também tiveram a companhia de Ângela Maria. Entre os maiores sucessos da carreira de Emilinha, estão a “Marcha do Remador”, “Dez Anos”, “Chiquita Bacana”, “Tomara Que Chova”, “Escandalosa”, “Vai com Jeito”, “Benzinho”, entre outras.

“Noites de Junho” (marcha junina, 1939) – Braguinha e Alberto Ribeiro
Ainda integrante do Trio de Ouro ao lado de Herivelto Martins e Nilo Chagas, Dalva de Oliveira já era uma cantora requisitada, em 1939, quando gravou sua primeira marcha junina: “Noites de Junho”, composição de Braguinha e Alberto Ribeiro. Os versos captam um lado poético da festividade: “Os balões devem ser com certeza/ As estrelas daqui deste mundo/ Que as estrelas do espaço profundo/ São os balões lá do céu”. A música foi regravada por Emilinha Borba em 1958, em compacto da Continental que trazia ainda “Botões de Laranjeira”.

“Escandalosa” (rumba, 1947) – Moacir Silva e Djalma Esteves
Na década de 1940, a influência da música latino-americana trouxe ao Brasil o ritmo da rumba. Foi com ela que os compositores Moacir Silva e Djalma Esteves criaram a música “Escandalosa”, sucesso absoluto do ano de 1947, na voz de Emilinha Borba, que se consolidava como estrela do rádio. “Um dia/ Uma vez lá em Cuba/ Dançando uma rumba/ Disseram que eu era/ Escandalosa!”. A música teve regravações de Aracy de Almeida e da cantora mineira Maria Alcina, que registrou sua versão em 1979, no álbum “Plenitude”.

“Se Queres Saber” (samba-canção, 1947) – Peterpan
José Fernandes de Paula ou José Borba, o popular Peterpan, seria mais popular se fosse diretamente associado às suas composições. Gravado por Aracy de Almeida, Quatro Ases e um Coringa e Nana Caymmi, o herói do Brasil com apelido herdado da eterna criança norte-americana nasceu em Maceió, capital de Alagoas, e criou os versos e a melodia de “Se Queres Saber”, uma das mais bonitas canções de dor-de-cotovelo já escritas. A música foi lançada em 1947 por Emilinha Borba e regravada por Nana Caymmi em 1977.

“Chiquita Bacana” (marchinha, 1949) – Braguinha e Alberto Ribeiro
Pouca gente imagina que a despretensiosa marchinha “Chiquita Bacana”, lançada por Emilinha Borba em 1949, nasceu da ideia de Braguinha em explorar o existencialismo vigente na época. Nomes como os de Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus passaram a ser comuns na imprensa da época, que parecia interessada na eclosão do movimento filosófico. Mas Braguinha e Alberto Ribeiro ultrapassaram o linguajar teórico para criar uma figura divertida e exuberante, que se veste despojadamente, com “uma casca de banana nanica”. “Existencialista com toda a razão/ Só faz o que manda o seu coração”. Em 1977, Caetano Veloso compôs “A Filha da Chiquita Bacana”.

“Paraíba” (baião, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Liderada por Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, a Revolução de 1930, que levaria ao poder Getúlio Vargas, acabou por popularizar uma expressão que exaltava a valentia do menor daqueles Estados: “Paraíba, mulher macho, sim senhor”. Duas décadas depois, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião e Humberto Teixeira a recuperariam para criar um dos maiores sucessos da dupla, incluindo uma palavra para encaixar os versos na métrica do baião: “Paraíba, masculina, mulher macho, sim senhor!”. Lançada por Emilinha Borba, em 1950, a música “Paraíba” tornou-se emblema da força das mulheres locais.

“Tomara Que Chova!” (marchinha, 1951) – Paquito e Romeu Gentil
A falta d’água no Brasil já era um problema em 1951, quando Paquito e Romeu Gentil escreveram a marchinha “Tomara Que Chova!”. Vencedora do Carnaval carioca daquele ano, a música recebeu gravações do conjunto Vocalistas Tropicais e de Emilinha Borba, que também a interpretou no filme “Aviso aos Navegantes”, de Watson Macedo, protagonizado por Grande Otelo e Oscarito, além de contar no elenco com Ivon Curi e Elvira Pagã. Emilinha aproveitava a canção para mandar seu recado aos políticos: “De promessa eu ando cheia…”.

“Vai com Jeito” (marchinha, 1957) – Braguinha
Braguinha lança mão da paisagem carioca ao compor uma das marchinhas de maior sucesso da produção nacional. A Ilha de Paquetá – que, na verdade, é um bairro –, a Barra da Tijuca e a praia do Joá são citadas na letra de “Vai com Jeito”, lançada no Carnaval de 1957 por Emilinha Borba, se tornando uma das preferidas dos foliões imediatamente. Àquela altura, Emilinha já havia sido coroada como a Rainha do Rádio, e gozava de enorme prestígio junto à sociedade brasileira. “Vai com Jeito” foi regravada pela vedete Sônia Mamede.

“Benzinho” (valsa rancheira, 1962) – Rossini Pinto e Fernando Costa
Em 1962, Emilinha Borba deu voz à valsa rancheira “Benzinho”, de Rossini Pinto e Fernando Costa. O sucesso do compacto, que trazia do outro lado a também romântica “Quero Outra Vez Sentir”, levaria Emilinha a batizar o seu LP de 1963 com a música de Rossini Pinto e Fernando Costa. “Benzinho” saiu pela CBS e entrou para o rol de sucessos de Emilinha. Sem o mesmo retorno midiático de outrora, quando era a Rainha do Rádio, Emilinha ainda conseguia seguir com seu ofício em meio à ascensão da Bossa Nova e da Jovem Guarda.

“Mulata Iê, Iê, Iê” (marchinha, 1965) – João Roberto Kelly
Emilinha Borba lançou, em 1965, “Mulata Iê, Iê, Iê”, um dos maiores sucessos da carreira de João Roberto Kelly. Juntos, os dois estrelaram o espetáculo “Quero Kelly”, em 1987, como parte da Série Carnavalesca patrocinada pela Funarte, com direção de Ricardo Cravo Albin. “Foi um dos momentos de maior ternura da minha vida, o show não acabava porque as pessoas não deixavam. Pude conviver de perto por um mês com a Emilinha, que gravou vários sucessos meus. Para mim, ela é a grande intérprete de música carnavalesca que o Brasil teve. Além de timbre bonito, ela sabia dividir bem, entendia de ritmo”, diz João Roberto Kelly, autor de “Maria Sapatão” e “Cabeleira do Zezé”.

“Sonhos e Pernas” (balada, 2003) – Vander Lee
Com alguma dificuldade, Laura Catarina elege “Sonhos e Pernas” como “a mais linda” do repertório do pai – que contém pérolas como “Esperando Aviões”, “Onde Deus Possa Me Ouvir” e “Estrela” –, e adianta que ela estará em “Canta Vander Lee”, nome, até aqui, provisório. “Selecionei um repertório que tenho muita identificação. Por enquanto, vou deixar o restante ser surpresa”, disfarça. “Não perca o resto do tempo que ainda te resta/ Não perca tempo pensando que a vida não presta/ Certas canções duram pouco, outras são eternas/ Por que carros e aviões/ Se tens sonhos e pernas”, diz o refrão. A música foi lançada em 2003, em “Emilinha Pinta e Borba”, de Emilinha Borba.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2023.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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