Descubra 6 motivos para Fernanda Montenegro se tornar uma imortal

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas.” Carlos Drummond de Andrade

“Não quero luxo, nem lixo, meu sonho é ser imortal!”, cantava Rita Lee no início da década de 1980. Pois bem, Fernanda Montenegro está perto de se tornar imortal, como candidata única a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras, que confere a galhardia do título de imortalidade aos que passam – e permanecem ad aeternum – por ela. Preparamos uma lista com seis motivos para provar que Fernanda Montenegro deve se tornar – e já é – nossa imortal.

Vencedora do Oscar
Pouco importa o que os “velhinhos da Academia” decidiram. No coração de todos os brasileiros, Fernanda Montenegro é a vencedora, de fato e de direito, do Oscar de melhor atriz pela atuação soberba em “Central do Brasil”, um filme regular que cresce inegavelmente de estatura com a sua presença na pele de uma trambiqueira endurecida pela vida que é capaz de se enternecer com o drama de um menino órfão de mãe em sua saga na busca pelo pai. Claro que sem perder totalmente de vista os seus eventuais desvios de caráter, o que só torna essa personagem ainda mais complexa. Um banho na “Julieta” de Gwyneth Paltrow, que, francamente, só levou a estatueta porque a xenofobia é um dos atributos da formação cultural de parte robusta da elite norte-americana. Os críticos de cinema da progressista Nova York e do Urso de Prata de Berlim souberam julgar melhor a atuação de Fernanda, premiando-a.

“A Falecida” de Nelson Rodrigues
A estreia de Fernanda Montenegro no cinema veio muito antes, com “A Falecida”, adaptação da peça de Nelson Rodrigues feita pelo diretor Leon Hirszman, que, no roteiro, teve a colaboração de Eduardo Coutinho, nosso maior documentarista, responsável pela pérola “Cabra Marcado pra Morrer”. O ano do filme também era importante: 1964, quando o golpe militar iniciou um período tenebroso na história brasileira, marcado por torturas, execuções e censura. A peça de Nelson Rodrigues simbolizava um ponto de virada em sua carreira, quando ele partia do misticismo anterior para ancorar suas observações na crítica dos costumes centrada na classe média e em uma sociedade que funcionava sob o signo da hipocrisia. Fernanda Montenegro, como uma tuberculosa que se acredita à beira da morte e prepara o próprio enterro, revela ao Brasil todo seu talento. A redenção da miséria vem na morte.

Pioneirismo
Fernanda Montenegro fez parte do Teatro Brasileiro de Comédia, por onde também passaram nomes como Paulo Autran, Cacilda Becker, Cleyde Yáconis, Sérgio Britto, dentre outros gigantes da dramaturgia nacional. A iniciativa foi um marco do teatro brasileiro, e teve por objetivo mostrar ao público peças que valorizavam os textos de autores clássicos e também apresentar novas montagens, fundado no princípio da qualidade técnica, de um teatro de excelência. Com isso, contribuiu para a formação de público e a construção de uma cultura teatral, ainda que muitas vezes restrita a uma elite econômica, na sociedade brasileira, da década de 1950 até os anos 1980. Também contribuiu para que diversos artistas desenvolvessem e aprimorassem as suas habilidades. Textos de autores como Tennessee Williams, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Luigi Pirandello, Shakespeare, entre outros, foram levados ao palco pela companhia, sempre com muito sucesso e aplauso.

“Guerra dos Sexos”
Outro sucesso incontestável de Fernanda Montenegro foi coma a novela “Guerra dos Sexos”, em que atuava ao lado de outro monstro sagrado da dramaturgia: Paulo Autran. Os dois formavam um casal que vivia às turras e protagonizavam cenas impagáveis, como a do jantar em que se agridem mutuamente com o lançamento de alimentos e bebidas. Claro, sem perder a finesse. A novela teve direção de Jorge Fernando e Guel Arraes e texto de Sílvio Abreu, e rendeu à Fernanda o prêmio de melhor atriz pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Ao longo da trajetória, prêmios não faltaram a Fernanda Montenegro, e o mais recente foi o Emmy Internacional de melhor atriz pela atuação em “Doce de Mãe” (2013). No seriado exibido pela Rede Globo, com direção de Jorge Furtado, ela contracenava com Matheus Nachtergaele, Marco Ricca, Louise Cardoso, Daniel de Oliveira, Mariana Lima.

Nossa Senhora
Quem mais poderia viver Nossa Senhora, a mãe de Cristo, no cinema? Claro que o papel coube a Fernanda Montenegro que, em “O Auto da Compadecida”, adaptação da peça célebre de Ariano Suassuna, deu vida àquela que se compadece de todos nós pecadores, de toda a humanidade. O filme dirigido por Guel Arraes, que dividiu o roteiro com Adriana Falcão e João Falcão (os pais de Clarice Falcão), se tornou um marco do cinema nacional, reprisado à exaustão nas tardes dominicais da família brasileira, sempre reafirmando o seu sucesso de crítica e público. O elenco estelar conta com nomes do porte dos já saudosos Rogério Cardoso e Paulo Goulart, além de veteranos ainda em atividade, como Lima Duarte, Marco Nanini e Luís Melo, e apresentava o talento dos então promissores Selton Mello, Matheus Nachtergaele, Virginia Cavendish, ao lado de Denise Fraga, Diogo Vilela e Enrique Diaz, já com mais tempo de estrada. E nesse cenário, com uma cena curta, Fernanda se destaca.

Ícone
Fernanda Montenegro pousou para a fotógrafa Vania Toledo para o livro “Personagens Femininos”, ao lado de Norma Bengell, Casandra Rios, dentre outras. Ali, ela já era considerada uma personagem histórica do nosso país. Ainda assim, o ex-secretário da Cultura do governo Bolsonaro, que repisou discursos nazistas, Roberto Alvim, a atacou, chamando-a de “sórdida e mentirosa”, quando Fernanda se posicionou contra a política do atual presidente. Vários artistas saíram em defesa de Fernanda Montenegro, como Chico Buarque, Camila Pitanga, Elza Soares, Ney Latorraca, dentre outros, e divulgaram uma carta aberta em que prestavam solidariedade à atriz. Aos 90 anos, Fernanda Montenegro desafia o tempo e segue na ativa, provando-se verdadeiramente imortal. Em 2020, ela trabalhou pela primeira vez com o polêmico diretor Cláudio Assis, no filme “Piedade”, que põe em cheque o capitalismo. E a ponta em “A Vida Invisível”, também de 2020, rouba toda cena.

Matéria originalmente publicada no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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