*por Raphael Vidigal Aroeira
“porque existe um som de voz,
e um eco – e um horizonte de pedra
e uma floresta de rumores e água
que modificam os nomes e os verbos
e tudo não é somente léxico e sintaxe.” Cecília Meireles
O próprio nome da cidade já é um elogio e uma homenagem: Belo Horizonte. Capital dos mineiros, lar aconchegante e receptivo de todos que a visitam, nossa aniversariante já inspirou obras de artistas dos mais altos quilates, da arquitetura ao paisagismo, passando pela pintura, o cinema, o teatro e a literatura. A música, claro, não poderia ficar de fora. Belo Horizonte também acendeu a fagulha criativa em grandes compositores, tanto os nascidos aqui quanto estrangeiros que se admiraram com a beleza daquela que já foi chamada de “Cidade Jardim”. De Rômulo Paes a Vander Lee, passando pela dupla sertaneja formada por César Menotti & Fabiano a Tavito e Paulinho Pedra Azul, nossa Belo Horizonte é musical, com versos, notas e as melodias…
“Minha Belo Horizonte” (marcha, 1957) – Rômulo Paes e Eli Murilo
Mineiro de Paraguaçu, Rômulo Paes nasceu no dia 27 de julho de 1918, e morreu no dia 4 de outubro de 1982, aos 64 anos. Primo de Ary Barroso, Rômulo foi jornalista e vereador em Belo Horizonte. Em 1935, começou a carreira de cantor de rádio, mas não chegou a gravar discos. Depois, tornou-se diretor artístico da Rádio Guarani e comandou a Rádio Mineira. Rômulo foi responsável por lançar Dalva de Oliveira no rádio. A sua primeira composição gravada recebeu as vozes do conjunto Anjos do Inferno. Em 1957, ele compôs, com Eli Murilo, a marcha “Minha Belo Horizonte”, gravada por Dircinha Batista.
“Fantasia de Minas Gerais” (samba-enredo, 1958) – Delê e Tand
Ary Barroso, mineiro de Ubá, era cobrado por criar canções exaltando o Rio de Janeiro e a Bahia e não dedicar nenhuma linha melódica a seus conterrâneos. Foi como uma resposta ao compositor de “Aquarela do Brasil” que a dupla formada por Delê e Tand compôs, em 1958, o samba-enredo “Fantasia de Minas Gerais”, lançado naquele mesmo ano pelo cantor Gilberto Santana em um disco de 78 rotações. Posteriormente, os também mineiros Agnaldo Timóteo e Acir Antão voltariam a essa bela peça, fruto de uma provocação, como deixa claro nos versos de abertura. E Belo Horizonte também é exaltada.
“Praça Vaz de Melo” (samba, 1959) – Celso Garcia e Jair Silva
Radialista, locutor, cantor e jornalista, o belo-horizontino Acir Antão começou a trabalhar na rádio Itatiaia em 1965, aos 17 anos, no departamento esportivo. De lá pra cá, foi diretor de jornalismo, quando lançou o tradicional “Jornal da Itatiaia”, e se consagrou como um dos principais locutores da casa, com um programa semanal de variedades voltado para as donas de casa, e “A Hora do Coroa”, dedicado à música brasileira aos domingos. Como cantor, gravou músicas como “Bela Belô”, do compositor Gervásio Horta, “Praça Vaz de Melo”, de Celso Garcia e Jair Alves, e “Adeus Lagoinha”, também de Gervásio, e participou do disco coletivo “Waldir Silva em Letra & Música”. É música na veia.
“Manhãs de Belo Horizonte” (bolero, 1969) – Ronaldo Adriano
Ronaldo Adriano ainda atendia pelo nome artístico de Letinho quando gravou, em 1969, o bolero “Manhãs da Minha Terra”, em um compacto da CBS intitulado “O Trovador do Oeste”. Posteriormente, a música foi rebatizada “Manhãs de Belo Horizonte” e relançada pelo trio que Ronaldo formou ao lado de Ronival e Nhozinho, o Trio Verdade. Mineiro de Capinópolis, Ronaldo iniciou a carreira imitando os trejeitos de Evaldo Braga e Agnaldo Timóteo, até pela semelhança física entre eles, e depois ele construiu sua personalidade própria. Ronaldo morreu aos 70 anos, em Uberlândia, em 2020, após sofrer um infarto.
“Rua Ramalhete” (clube da esquina, 1979) – Tavito e Ney Azambuja
Aos 13 anos de idade, Luís Otávio Carvalho ganhou o seu primeiro violão. Conhecido desde a infância como Tavito, o compositor belo-horizontino aprendeu o ofício de maneira autodidata, participando de festas e serenatas na capital mineira. Autor de clássicos como “Casa no Campo” (com Zé Rodrix) e “Rua Ramalhete” (com Ney Azambuja), lançado em 1979, em seu primeiro disco-solo. Feita em cinco minutos, a música nasceu de uma experiência pessoal. “Sempre achei o nome da rua uma coisa poética, ela tinha só um quarteirão no bairro da Serra. Eu e Toninho Horta, a gente ia lá, adolescente, paquerar as meninas da nossa idade, de 14, 15 anos. A gente jogava vôlei, fazia festinha, ouvia Beatles na vitrola e dava uns ‘amassos’”, já afirmou Tavito.
“Lindo Lago do Amor” (MPB, 1984) – Gonzaguinha
Com versos em forma de fábula que falam sobre bem-te-vi, sabiá, águia, lua, vento e um sapo que conversam entre si, a faixa foi composta para descrever o sentimento onírico que Gonzaguinha experimentava diante da Lagoa da Pampulha. A canção “Lindo Lago do Amor” inspirou a criação do “Lindo Bloco do Amor”, que desfila pelas ruas no Carnaval de BH. Gonzaguinha morou na capital mineira em seus últimos 12 anos de vida e se tornou amigo de Fernando Brant e Milton Nascimento, com quem gravou “Libertad Mariposa”. “Lindo Lago do Amor” foi lançada em 1984, no LP “Grávido”, de Gonzaguinha.
“Belo Caso de Amor” (canção, 1997) – Paulinho Pedra Azul e Geraldinho Alvarenga
Paulo Hugo Morais Sobrinho nasceu no dia 3 de agosto de 1954, em Pedra Azul, município do Vale do Jequitinhonha com cerca de 20 mil habitantes, e por isso ficou conhecido como Paulinho Pedra Azul. Em 1997, Paulinho Pedra Azul gravou uma música em homenagem à cidade que o acolheu. Poeta, cantor, compositor e artista plástico, Paulinho Pedra Azul gravou os três primeiros discos em São Paulo, entre eles “Jardim da Fantasia”, seu grande sucesso. “Belo Caso de Amor”, parceria com o grande Geraldinho Alvarenga, é uma homenagem a Belo Horizonte, e foi lançada no disco “As Estações do Homem”.
“No Balanço do Balaio” (samba, 1999) – Vander Lee
Maestro da Orquestra Ouro Preto, Rodrigo Toffolo define o álbum “No Balanço do Balaio”, lançado por Vander Lee em 1999, como “uma ode à Belo Horizonte e à mineiridade”. A faixa-título é um verdadeiro passeio pela cidade. Ali, a bordo de um ônibus, o popular balaio, Vander Lee traça as diferenças entre bairros célebres de Belo Horizonte, ressaltando nossa desigualdade social. Ao fim da canção, partindo da Zona Norte, ele se lamenta por não morar “no São Bento, na Savassi, no Anchieta ou no Sion”. O disco ainda trazia outra faixa prenhe de mineiridade, o samba “Galo e Cruzeiro”, sobre rivalidades no futebol.
“Belo Horizonte Que Eu Gosto” (bossa nova, 2003) – Pacífico Mascarenhas
Tiete, o rapaz não titubeou ao avistar o poeta: o chamou de mestre, pediu um autógrafo e guardou a preciosidade num envelope pardo. Poucas horas depois, assim que chegou aos estúdios da gravadora Odeon, no Rio de Janeiro, largou com displicência a assinatura de Carlos Drummond de Andrade em um canto qualquer e nunca mais a avistou nem se preocupou com isso. A história é contada pelo músico mineiro Pacífico Mascarenhas, que participou do episódio, e traz como personagem principal João Gilberto, o inventor da batida de violão da bossa nova. Pois é no ritmo da bossa que Pacífico compôs “Belo Horizonte Que Eu Gosto”, lançada pelo conjunto vocal Os Cariocas, e já no ano de 2003.
“Lugar Melhor Que BH” (balada, 2005) – César Menotti e Jader Joanes
Embora nascidos entre São Paulo e Paraná, devido à profissão do pai, que era comerciante de ouro, os músicos César Menotti & Fabiano sempre se consideraram mineiros de coração e, mais do que isso, autênticos belo-horizontinos. Foi por isso que, em 2005, ao gravar o primeiro álbum ao vivo da carreira, eles escolheram o Café Cancun, em BH, e foram além: lançaram a música que se tornaria uma espécie de hino da capital mineira. “Lugar Melhor Que BH”, composição de César Menotti e Jader Joanes rapidamente tomou os ouvidos e o coração do público, estendendo seu sucesso para além da cidade.
“Belo Horizonte” (valsa, 2006) – Flávio Venturini e Murilo Antunes
Flávio Venturini nasceu no dia 23 de julho de 1949. Mineiro de Belo Horizonte, fez parte do grupo O Terço antes de fundar o conjunto 14 Bis. Em seguida, partiu para a carreira-solo e compôs sucessos como “Linda Juventude”, “Espanhola”, “Mais Uma Vez” e “Sol de Primavera”. Ao lado de Murilo Antunes, compôs a bela “Nascente” e também a valsa “Belo Horizonte”, que veio ao mundo em 2006. A peça é uma delicada homenagem à cidade natal de Venturini, com uma letra sensível, que clama, pede socorro e tece carinhos. Foi lançada no álbum “Canção Sem Fim”, mais um bonito título da obra de Flávio.
“Minha Rua da Bahia” (MPB, 2009) – Nelson Ângelo
Na década de 1960, Rômulo Paes compôs, com Gervásio Horta, a música “Rua da Bahia”, que estourou no Carnaval e se tornou uma espécie de hino informal da cidade, consagrando os versos de seus autores através dos foliões. Já em 2009, o também belo-horizontino Nelson Ângelo, nome importante do Clube da Esquina, compôs “Minha Rua da Bahia”, contando a sua versão dos fatos. A música foi lançada no disco “Minas em Meu Coração”, de expressivo título. Entre os parceiros célebres de Nelson Ângelo, comparecem poetas e musicistas da tarimba de Cacaso, Joyce, Francis Hime, Milton Nascimento, etc.
“Minas ao Luar” (choro-valsa, 2012) – Waldir Silva, Raphael Vidigal e André Figueiredo
Choro lento, ao ritmo de uma valsa, “Minas ao Luar” foi composta pelo cavaquinhista mineiro Waldir Silva na década de 1970 para servir de prefixo musical ao evento que levava apresentações pelo interior de Minas. Waldir não só participou da primeira edição do projeto de serenatas como dividiu o palco com ninguém menos do que Juscelino Kubistchek, figura ilustre da política brasileira, que ocupou o cargo de presidente do país. Muitos anos depois, o instrumentista apresentou suas composições autorais para que o jornalista Raphael Vidigal colocasse letras, fato que aconteceu em 2012. Um ano depois, o músico faleceria, mas a iniciativa que começou ali culminaria com o lançamento do disco “Waldir Silva em Letra & Música”, em 2016. Na canção, composta com André Figueiredo, cidades mineiras são citadas nominalmente.
“Belo Horizonte” (samba, 2021) – Ed Nasque
A delicadeza permeia todo o repertório do álbum de estreia de Ed Nasque, mineiro de Belo Horizonte que se mudou para Ouro Preto para cursar Música e realizar um sonho. A atmosfera de sonho, embora com pés fincados na realidade, aqui se concentra na transição entre mar e montanha, imagens recorrentes nas letras do trabalho. “Belo Horizonte” tem a participação efetiva de Lucas Telles, diretor musical e produtor deste belo álbum batizado “Interior”. A letra realiza um périplo pelos caminhos que levam a cidade das Alterosas a encantar visitantes de todas as partes do mundo, e com uma melodia preciosa.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.