De Roberto Carlos a Raul Seixas: Veja acusações de plágio na MPB

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Bênçãos e desgraças
vêm sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.” Paulo Leminski

Todo mundo já cantou Toninho Geraes, mesmo que não ligue o nome à pessoa. Ou, nesse caso, à musica. São dele os versos propagados Brasil afora por outro bamba de respeito. É possível que muita gente cometa o equívoco de cantar “já tive mulheres, de todas as cores/ de várias idades, de muitos amores/ com umas até, certo tempo fiquei/ com outras apenas/ um pouco me dei”, e diga, na sequência, “aquela música do Martinho da Vila”.

Mas não, letra e melodia desse grande sucesso foram compostas por ele, o Toninho das Geraes, que nasceu em Belo Horizonte e aos 17 anos migrou para o Rio de Janeiro em busca de um lugar ao sol. Conseguiu. Gravado por Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Almir Guineto, e parceiro de nomes importantes do samba carnavalesco, como Noca da Portela e o próprio Martinho da Vila, Toninho voltou aos holofotes de forma inusitada na última semana, quando veio a público um processo que ele move contra a cantora britânica Adele pelo plágio de “Mulheres”, justamente o seu maior hit.

Descoberta. Toninho contou que foi o filho de Rildo Hora, responsável pelo arranjo de “Mulheres” na gravação de Simone, a alertá-lo sobre o suposto plágio praticado em “Million Years Ago”, música lançada por Adele em 2015. Segundo ele, Misael Hora pensou que se tratava até de uma versão de “Mulheres” ao ouvir a música da britânica. Ao ouvir a música, Toninho ficou assustado, e procurou o advogado Fredímio Biasotto Trotta, que também tem formação musical.

Após contabilizarem 88 compassos idênticos, similares ou com pequenas variações entre as duas canções, além de trechos da introdução, refrão e o final da música, eles ingressaram com duas notificações extrajudiciais à cantora, à gravadora XL Recording, à Sony Music, e ao produtor e coautor da faixa, o americano Greg Kurstin — que já trabalhou com Paul McCartney, Pink e Foo Fighters.

Eles obtiveram retorno apenas da Sony brasileira, que se pronunciou dizendo que “esse assunto está atualmente nas mãos da XL Recordings e da própria Adele, já que a Sony Music era apenas distribuidora desse fonograma no Brasil, cujo contrato, inclusive, já está expirado”. Diante disso, o advogado resolveu tornar o processo público, já que não havia retorno das outras partes. A notificação ainda conta com 40 depoimentos colhidos como “teste do observador comum”, de forma a demonstrar como até um leigo em música consegue perceber algumas características mais evidentes da possível cópia. Este, no entanto, não é o primeiro caso envolvendo acusações de plágio na música brasileira. Muito pelo contrário.

“O Careta” (balada, 1987) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Em 1987, Roberto Carlos lançou a música “O Careta”, parceria com Erasmo Carlos, em disco que vendeu mais de dois milhões de cópias. Três anos depois, Sebastião Ferreira Braga ingressou com ação na Justiça alegando plágio de sua música “Loucuras de Amor”, lançada em 1983, que vendeu 13 cópias e foi executada uma vez no rádio segundo dados do Ecad. E venceu a ação. Na época em que gravou o compacto, Sebastião Ferreira Braga era amigo de Eduardo Lage, maestro de Roberto Carlos. A pedido de Braga, Lage teria dado a Roberto um exemplar do disco. Segundo a Justiça, a perícia identificou sequências idênticas de notas musicais e a mesma harmonia.

Roberto recorreu, mas perdeu em todas as instâncias, a última em 2003. A decisão determinou a inclusão de Sebastião Ferreira Braga como coautor, além do pagamento de multa e direitos autorais, mas Roberto preferiu retirar a música do disco e de seu catálogo. Essa não foi a primeira vez que o nome do Rei se viu envolvido em acusações de plágio.

Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford o acusou e processou por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Roberto Carlos admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome de John Hartford. O crítico musical José Teles aponta outro caso em que Roberto e Erasmo Carlos gravaram uma versão sem darem os devidos créditos. “É Proibido Fumar”, lançada pela dupla em 1964, repete os acordes e a melodia de “Lo Nuestro Termino”, do Dúo Dinámico, dupla espanhola que fez muito sucesso na década de 1960.

“What to Do” (rock, 1973) – Papi e Alf Soares
Em 1973, Vanusa estava no auge da criatividade artística, com músicas como “Manhãs de Setembro” puxando o seu quarto disco. Décadas depois, começou a circular uma lenda que ela mesma nunca levou a sério. “What to Do”, única música gravada em inglês pela cantora, teria sido plagiada pelo grupo de heavy metal britânico Black Sabbath. A cópia se daria na faixa “Sabbath Bloody Sabbath”, de riff, aparentemente, idêntico. “What do Do” foi composta pela dupla formada por Papi e Alf Soares. Colaborou para o boato o fato de os integrantes do Black Sabbath admitirem que enfrentavam um bloqueio criativo na época, pelo alto uso de drogas e substâncias alucinógenas. Reza a lenda que o histórico LP de Vanusa teria chegado às mãos dos metaleiros britânicos.

“Carolina” (samba, 2001) – Seu Jorge
Em 2007, os compositores Ricardo Garcia e Rodrigo Freitas ingressaram com uma ação na Justiça acusando o cantor Seu Jorge de plagiar seis de suas músicas, entre elas “Carolina”, “Tive Razão” e “Chega no Suingue”. Lançada em seu disco de estreia na carreira-solo, em 2001, “Carolina” abria os trabalhos e foi o primeiro sucesso de Seu Jorge. Segundo os acusadores, logo após deixar o grupo Farofa Carioca, Seu Jorge foi um dos convidados de um projeto intitulado Gafieira S.A., onde ele teria conhecido e copiado as músicas. O processo ainda não chegou a uma conclusão, porém, em 2019, Seu Jorge foi condenado a pagar R$ 500 mil às famílias de Mário Lago e Ataulfo Alves por utilizar, indevidamente, trecho de “Ai Que Saudades da Amélia”, o hit da dupla.

“Pérola Negra” (MPB, 1971) – Luiz Melodia
Luiz Melodia compôs “Pérola Negra” em 1969, quando tinha 18 anos, e a batizou de “My Black”. Descoberto no bairro do Estácio pelos poetas Torquato Neto e Wally Salomão, recebeu a sugestão de Wally de mudar o nome da música para “Pérola Negra”, que era o “nome de guerra” de uma travesti que Wally conhecia. Foi também Wally quem levou a música para Gal Costa lançar em 1971, no show “FA-TAL: GAL A TODO VAPOR”. Em 1973, Luiz Melodia gravou a sua versão para o seu maior sucesso, no primeiro disco da carreira. Na avaliação do crítico musical José Teles, “a melodia de ‘Pérola Negra’ é um plágio descarado de ‘Como Dois e Dois’ de Caetano”. A música chegou ao público também em 1971, e foi composta por Caetano para Roberto Carlos, que o visitou no exílio em Londres e o presentou com “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”: “Um dia a areia branca/ Teus pés irão tocar…”, diz a letra.

“Última Canção” (balada, 1968) – Carlos Roberto
Paulo Sérgio nasceu em Alegre, no interior do Espírito Santo, e morreu no dia 29 de julho de 1980, aos 36 anos, ainda muito novo, após sofrer um derrame cerebral que teria sido causado por forte estresse. Horas antes de sua morte, uma mulher se dizendo fã de Paulo Sérgio se aproximou do cantor, na saída do Teatro dos Bandeirantes, e começou a hostiliza-lo. A mulher chegou a jogar uma pedra contra o carro de Paulo Sérgio, que começou a se queixar de dores de cabeça até sofrer o AVC fatal. Um dos grandes sucessos de Paulo Sérgio foi “A Última Canção”, e que foi lançada em seu compacto de estreia em 1968. O crítico musical José Teles aponta que “Última Canção” e “No Dia em Que Parti” têm os mesmos acordes de “Eu Daria a Minha Vida” e “Quando”, ambas de Roberto Carlos. “É o plágio sub-reptício. Curioso é que estas duas músicas de Paulo Sérgio são assinadas por um cara chamado Carlos Roberto”, ironiza.

“Rock das Aranha” (rock, 1980) – Raul Seixas e Cláudio Roberto
Em 1980, o baiano Raul Seixas, que sempre gostou de mesclar o rock a ritmos brasileiros e idolatrava tanto Elvis Presley quanto Luiz Gonzaga, também decidiu entrar na onda do duplo sentido, bem à sua maneira. Criou com o parceiro Cláudio Roberto a história da cobra que observa a briga de duas aranhas, numa óbvia alusão aos apelidos dados aos órgãos sexuais no Brasil. A relação lésbica é observada por Raul com curiosidade e desejo, ansioso por participar dessa festança da natureza. “Vem cá mulher, deixa de manha/ Minha cobra quer comer sua aranha…”, canta. A canção, no entanto, trata-se de uma versão sobre a melodia de “Killer Diller”, lançada por Jimmy BreedLove em 1958, sem os devidos créditos. Raul repetiu esse comportamento ao criar “S.O.S.” sobre “Mr. Spaceman” do The Byrds. Em “Gita”, a referência é o final de “Tubular Bells”, álbum musical lançado em duas partes por Mike Oldfield.

“Sossego” (música soul, 1978) – Tim Maia
Tim Maia viveu ilegalmente nos Estados Unidos no início da década de 1960. Lá, travou contato com Tony Tornado, que atuava como cafetão, e foi preso por roubo de carro e posse de maconha. Para além das confusões com a Justiça, a temporada rendeu a Tim Maia o conhecimento de várias informações musicais que o ajudariam a formatar seu estilo ao aportar no Brasil, em especial a chamada música soul norte-americana, a “música da alma” produzida pelos negros, com influências do jazz e do blues. A batida era o que mais interessava a Tim Maia tanto que, no livro “Vale Tudo”, escrito por Nelson Motta, ele relata um episódio hilário. Após criar a batida de “Do Leme ao Pontal”, Tim foi colocando o que lhe vinha à cabeça na letra, o que resultou em versos como “tomo guaraná/ suco de caju/ goiabada para sobremesa”. Já em “Sossego”, de 1978, Tim criou uma versão, sem dar os créditos, sobre “Boot-Leg”, música do conjunto norte-americano Booker T. & the M.G.’s, sucesso da década de 1960.

“Samba de Uma Nota Só” (samba, 1960) – Tom Jobim e Newton Mendonça
José Ramos Tinhorão nunca foi com a cara da Bossa Nova, que definia como “jazz pasteurizado”. Dizia que Tom Jobim era um sujeito simpático, mas com um grande equívoco na vida: “Achava que fazia música brasileira”, o resumia a arranjador e músico erudito frustrado que, por conta disso, resolveu fazer samba. “Samba de Uma Nota Só”, um dos estandartes da Bossa Nova, parceria de Tom Jobim e Newton Mendonça gravada por João Gilberto em 1960 e regravada por Sylvinha Telles com o acompanhamento de Rosinha de Valença ao violão, era um dos alvos prediletos de Tinhorão. Segundo ele, a música copiava “Mr. Monotony”, de Irving Berlin, gravada por Judy Garland.

Claro que “Desafinado” não passaria incólume por Tinhorão. Ele usava uma troça de Moreira da Silva, grande cantor do samba de breque, para afirmar que a grande invenção de João Gilberto tinha sido alterar o ritmo do samba, que era muito marcado, para algo totalmente inconstante, o “ritmo de goteira”. “Desafinado” é o grande exemplar de João Gilberto nesse sentido. Música de Tom Jobim e Newton Mendonça, ela foi gravada pelo Papa da Bossa Nova como um samba bossa, em 1959. Tinhorão ia além, ao sustentar que “Desafinado” plagiava “Violão Amigo”, um samba de Bide e Marçal lançado por Gilberto Alves em 1942.

“As Rosas Não Falam” (samba, 1976) – Cartola
Numa tarde de 1975, o compositor Nuno Veloso, que levava Cartola e dona Zica até a casa de Baden Powell, resolveu comprar flores para o casal. Ao se encantar com o desabrochar da roseira no dia seguinte, Zica questionou o marido: “Como é possível, Cartola, tantas rosas assim?”, ao que ele respondeu sem muito entusiasmo: “Não sei, as rosas não falam”. E começava a florescer naquele dia mais uma música que traria voz eterna a seu compositor. Gravada por ele e por Beth Carvalho em 1976, “As Rosas Não Falam” demonstrava toda a esperança lírica de Cartola, que a escrevera em seus 67 anos. Tinhorão garantia que a melodia da música havia sido roubada da instrumental “La Rosita”, de Coleman Hawkins e Ben Wester.

“Taj Mahal” (samba-rock, 1972) – Jorge Ben Jor
Em 1979, uma matéria dramatizada pelo Fantástico apresentava um caso impressionante, capaz de abalar as estruturas da música brasileira. Rod Stewart, um dos principais cantores do mundo, havia plagiado “Taj Mahal”, samba-rock lançado por Jorge Ben Jor em 1972, com enorme sucesso. A música do inglês atendia pelo nome de “Da Ya Think I’m Sexy” e trazia um refrão idêntico. Diante da repercussão do caso, Rod Stewart decidiu fazer um acordo extrajudicial com Jorge Ben, em que admitia o “plágio inconsciente”. Décadas depois, Jorge Ben voltou a acusar os rappers americanos do trio Black Eyed Peas de realizarem samples de suas músicas sem sua autorização. Ironicamente, o bluesman que atende pelo nome de Taj Mahal fez uma música chamada “Jorge Ben”, usando a mesma melodia de “Taj Mahal”, no ano 1979.

Ouça a playlist completa:

Matéria pulicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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